tag:blogger.com,1999:blog-8754864071997577332024-03-13T03:12:56.234-03:00Um longo argumentoCharles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.comBlogger124125tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-66056155720145862772023-07-13T14:43:00.002-03:002023-07-13T14:43:22.156-03:00Manuscritos, publicações e a revisão por (ím)pares<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcoIDk7gUWAnlCYSfwZBGsbCez30TolTILeUcZ76jMFKW5yk6fhQpUvhLVHkVPVT0zbrPwSPCPQtQadFeQeAIx-4qsl1U2UIA5JUhrbJbGshXXRUtQMJwE_-zgoRFvbA_tuCIALC3N_kQHp17nKhQLvephh9JzGQx03RReGt5PqpQVuseeQ9Yfn0GY7yw/s1024/Numbers_grid_in_NY.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="768" data-original-width="1024" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcoIDk7gUWAnlCYSfwZBGsbCez30TolTILeUcZ76jMFKW5yk6fhQpUvhLVHkVPVT0zbrPwSPCPQtQadFeQeAIx-4qsl1U2UIA5JUhrbJbGshXXRUtQMJwE_-zgoRFvbA_tuCIALC3N_kQHp17nKhQLvephh9JzGQx03RReGt5PqpQVuseeQ9Yfn0GY7yw/s320/Numbers_grid_in_NY.jpeg" width="320" /></a></div><p style="text-align: justify;">Há alguns meses, submeti um artigo que procurava discutir, à luz de uma breve síntese da história da teoria evolutiva, as possibilidades da Inteligência Artificial na "criação de espécies potenciais" que nos permitissem preencher ao menos parte das lacunas da árvore da vida. Duas semanas atrás recebi um parecer destruidor rejeitando o trabalho para publicação sem qualquer possibilidade de correção ou ajuste. Como diria um grande amigo meu, professor de zoologia na Universidade Federal da Bahia, levei uma bela "traulitada".</p><p style="text-align: justify;">O mais desconcertante é que, lendo o parecer com cuidado, não consegui relacioná-lo diretamente com o que eu tinha escrito. O (ou a) parecerista teceu uma série de comentários que pouco tinham a ver com a proposta do meu trabalho e fez sugestões de inclusão de temas que nem com muita boa vontade poderiam ser acrescentados no texto. "Não traz para a discussão nenhuma referência da biosemiótica, code biology ou teoria da informação, as empreitadas mais potentes na biologia atual". Claro que não trouxe tais temas para a discussão, afinal não eram mote do artigo! </p><p style="text-align: justify;">O estabelecimento da ciência contemporânea está pautado na chamada "revisão por pares". Artigos enviados para publicação em periódicos acadêmicos são revisados por outros pesquisadores, que fazem ponderações, pedem esclarecimentos, sugerem alterações, apontam falhas e lacunas. Quando o processo funciona, a ciência presente no manuscrito submetido se fortalece e a comunidade científica como um todo é favorecida. </p><p style="text-align: justify;">No entanto, não raro o processo de <i>peer-review</i> seria melhor intitulado "revisão por ímpares". Aí tome sugestões de inclusão de artigos do próprio parecerista ou textos aleatórios, observações descabidas, falta de tato (e mesmo falta de educação), sem contar o indefectível "esse artigo precisa ser revisado por um falante nativo do inglês", quando o autor não é anglófono ou tem sobrenome como Santos. A crítica sobre o idioma, felizmente, deve se extinguir por completo com a popularização de algoritmos de Inteligência Artificial que auxiliam na escrita e edição de texto - além de ter postado sobre esse assunto <a href="https://charlesmorphy.blogspot.com/2022/09/escrita-cientifica-em-ingles.html" target="_blank"><b>AQUI</b></a>, eu e o Prof. João Paulo Gois, também docente da Universidade Federal do ABC, escrevemos a respeito na <i>Zootaxa</i> (<a href="https://www.mapress.com/zt/article/view/zootaxa.5297.3.9" target="_blank"><i><b>Harnessing the power of AI language models for taxonomy and systematics</b></i>)</a>. </p><p style="text-align: justify;">Meu objetivo como pesquisador sempre foi o de conseguir mais pareceres positivos do que negativos na minha produção acadêmica. Creio que meu balanço atual é de mais ou menos 50/50. Isso significa que, no momento em que escrevo essa postagem, já tomei umas 70 "traulitadas". A primeira mais marcante foi justamente em um trabalho submetido com meu amigo da Federal da Bahia como co-autor, no início de nossa pós-graduação em entomologia. Era meu terceiro artigo submetido, depois de dois sucessos. O parecer veio como uma voadora no peito: "Esse texto, escrito por dois estudantes, é o pior que já li na vida". Não era assim tão péssimo, ainda que tivesse problemas... Para o trabalho mais recente que publiquei na <i>Journal of Biogeography</i> com co-autores discentes e o Prof. João Paulo citado acima, um dos revisores sugeriu que o novo método que propusemos - <a href="https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/jbi.14569" target="_blank"><b>SAMBA, acrônimo para <i>Super Area-cladogram after resolving Multiple Biogeographical Ambiguities</i></b></a> - não era necessário porque aquele que ele havia criado já resolvia todos os problemas da biogeografia cladística. O detalhe é que esse tal método miraculoso foi publicado e nunca utilizado por ninguém…</p><p style="text-align: justify;">Como parecerista, procuro sempre ressaltar as qualidades dos manuscritos que avalio. QUALQUER trabalho feito com seriedade tem pontos positivos, por mais inexperiente que seja o seu autor ou por mais desafiadoras as mudanças necessárias para que o artigo possa ser publicado. Revisores não são oráculos e não devem se travestir da verdade absoluta. Mas somos todos humanos e estamos sujeitos a vaidades, egoísmos e comportamentos arrogantes, que muitas vezes transparecem nos nossos pareceres. Tenho lutado contra isso desde a primeira revisão que fiz, há mais de 20 anos. Espero estar melhorando a cada vez que aceito uma tarefa de <i>peer-review</i>.</p><p style="text-align: justify;">Por mais desanimador e intimidante que seja receber uma avaliação negativa ou agressiva sobre o que fazemos de forma dedicada e diligente, isso faz parte da construção do conhecimento científico. Temos que tentar, na medida do possível, absorver o que for útil e descartar o que nada acrescenta, sem adotar posturas demasiado defensivas. Não temos controle sobre o que escrevem a respeito do nosso trabalho, mas podemos focar em controlar o que sentimos ao avaliarmos esses comentários. Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo, como nos ensina Walter Franco em sua canção-mantra mais conhecida.</p><p style="text-align: justify;">Quanto ao manuscrito recusado, procedi com uma "lipoaspiração" radical, cortei gorduras e estou trabalhando em uma nova versão com um colega parceiro de outras tantas empreitadas. Que os próximos pareceristas sejam, de fato, divisíveis por dois!</p><p style="text-align: justify;"><b>Referências</b></p><p style="text-align: justify;">Heard, S. B. 2022.<i> </i><span style="text-align: left;"><i>The Scientist’s guide to writing: how to write more easily and effectively throughout your scientific career</i>. New Jersey: Princeton University Press.</span></p><p style="text-align: justify;">Santos, C.M.D. & Gois, J.P. 2023. Harnessing the power of AI language models for taxonomy and systematics: a follow-up to “Can ChatGPT be leveraged for taxonomic investigations? Potential and limitations of a new technology” by Davinack (2023). <i>Zootaxa</i>, 5297(3), 446-450.</p><p style="text-align: justify;">Santos, D., Sampronha, S., Hammoud, M., Gois, J.P. & Santos, C.M.D. 2023. SAMBA: Super area-cladogram after resolving multiple biogeographical ambiguities. <i>Journal of Biogeography</i>, 50(4), 816-825.</p><p style="text-align: justify;"><span style="font-size: x-small;">Imagem: <span style="text-align: left;"><a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Numbers#/media/File:Numbers_grid_in_NY.jpg">https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Numbers#/media/File:Numbers_grid_in_NY.jpg</a></span><span style="text-align: left;"> </span></span></p>Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-59474011267344125112022-09-21T12:42:00.002-03:002022-09-21T13:32:40.759-03:00Escrita científica em inglês: ferramentas online úteis e gratuitas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijGo1gcFkRo3hwUJbe8hCdznwyji7CgcAHXtz_lFELEoBWcj2BhWp3p6gdxIHH6wq5jc89dxOJNIr1QULJ54yEiQBr4jnsc4rB_FJSFJvPUiPj2pLrwM17G3YW7iN6pZVx-67llKQVFltGCIH2dekqy3rlJwYlydl1gsTEkBBZPsDL-AdUXXWL6Gn1/s1049/07551742-57f6-4e36-bde3-3c7afdc7d405_large.webp" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="1049" height="293" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijGo1gcFkRo3hwUJbe8hCdznwyji7CgcAHXtz_lFELEoBWcj2BhWp3p6gdxIHH6wq5jc89dxOJNIr1QULJ54yEiQBr4jnsc4rB_FJSFJvPUiPj2pLrwM17G3YW7iN6pZVx-67llKQVFltGCIH2dekqy3rlJwYlydl1gsTEkBBZPsDL-AdUXXWL6Gn1/s320/07551742-57f6-4e36-bde3-3c7afdc7d405_large.webp" width="320" /></a></div><p style="text-align: justify;">Publicar os resultados das pesquisas realizadas nos laboratórios, universidades e institutos é condição fundamental para o desenvolvimento da ciência. É através de artigos e livros que as ideias circulam, são testadas, corroboradas ou refutadas, inspiram outros trabalhos e novas áreas de investigação.</p><p style="text-align: justify;">Todo pesquisador e pesquisadora, em algum momento, enfrenta o desafio de colocar no papel (ou na tela) os produtos do seu trabalho. Às vezes, as palavras saem com mais facilidade; em certos momentos, no entanto, precisamos acender velas e incensos para Darwin antes de digitar a primeira palavra. </p><p style="text-align: justify;">A escrita científica só faz sentido se para ela existirem leitores. No mundo contemporâneo, o processo de encontrar material publicado é bem mais simples do que há 20 anos. Quem tem mais de 35 deve se lembrar do quanto gastávamos (em tempo e dinheiro) fotocopiando artigos e capítulos de livros. Uma vez fui lecionar um curso de pós-graduação em Manaus e levei duas malas: uma com roupas, outra com separatas. E nem sou tão velho assim…</p><p style="text-align: justify;">Dito isso, o idioma no qual se publica a ciência é sempre uma questão importante. A depender do tipo de artigo, do seu escopo e público alvo, podemos optar por periódicos que aceitam manuscritos em português, espanhol, francês… No entanto, em termos de acessibilidade para um amplo espectro de interessados, o inglês tem sido a escolha de boa parte da comunidade científica para divulgar seus resultados. Aí começam os problemas, especialmente para não falantes nativos do idioma de Shakespeare.</p><p style="text-align: justify;">Para meus alunos e alunas, costumo dizer que o inglês da ciência não é o mesmo da literatura. É o inglês técnico, que precisa ser claro e objetivo. O importante é comunicar com precisão as ideias, de preferência da forma mais parcimoniosa e sucinta possível. Àquela primeira versão, escrita sem travas, quase em fluxo de consciência, devem ser aplicadas técnicas de “lipoaspiração redacional”: cortar o que é desnecessário, evitar generalidades, excluir frases que não adicionam nada, e limar parágrafos longos e intrincados.</p><p style="text-align: justify;">Felizmente, hoje temos inúmeras ferramentas que auxiliam pesquisadores e pesquisadoras na escrita dos seus artigos, capítulos e projetos. Listo abaixo algumas delas que acho particularmente interessantes.</p><p></p><div style="text-align: justify;"><b>Grammarly<br /><a href="http://www.grammarly.com">http://www.grammarly.com</a></b></div><div style="text-align: justify;">Ferramenta útil para revisão, verificação e correção de erros gramaticais e de linguagem, adequação de conteúdos e melhoria de fluência no texto. Há opção grátis, que ajuda muito. O aplicativo dá uma pontuação geral do texto, que pode servir como um norte para edições e melhorias. Após utilizar o Grammarly, a primeira versão do seu manuscrito certamente ganhará em clareza e assertividade.</div><p></p><p></p><div style="text-align: justify;"><b>Thesaurus<br /><a href="https://www.thesaurus.com/browse/synonym">https://www.thesaurus.com/browse/synonym</a></b></div><div style="text-align: justify;">Dicionário de sinônimos, muito útil durante o processo de reescrever e editar.</div><p></p><p></p><div style="text-align: justify;"><b>AJE Grammar Check<br /><a href="https://secure.aje.com/en/researcher/grammar-check">https://secure.aje.com/en/researcher/grammar-check</a></b></div><div style="text-align: justify;">Esse site gratuito dá uma nota (score) para o seu manuscrito baseada na qualidade do inglês quando comparado a outros artigos de um banco de dados de mais de 300.000 trabalhos acadêmicos de todas as áreas . A pontuação leva em conta aspectos de legibilidade em inglês, incluindo gramática, consistência e clareza. Com base no seu score, o aplicativo sugere, por exemplo, serviços de revisão (na maioria pagos). Quanto mais alta a nota, menor a necessidade desse tipo de serviço. Se o score chegar a um valor acima de 7,0, o sistema entende que o texto está suficientemente bom e não precisa de grandes melhorias.</div><p></p><p></p><div style="text-align: justify;"><b>Count Words Free<br /><a href="https://countwordsfree.com/">https://countwordsfree.com/</a></b></div><div style="text-align: justify;">Nesse site, é possível fazer o upload do artigo e descobrir quantas vezes as palavras mais citadas aparecem (e também a existência de muitas frases e construções repetidas). Vale muito a pena ser usado, especialmente para refinar um texto já bem trabalhado no Grammarly.</div><p></p><p style="text-align: justify;">Tenho usado as ferramentas acima da seguinte forma:</p><p></p><div style="text-align: justify;">(1) trabalho a versão inicial em algum processador de texto (GDocs ou MSWord, por exemplo);</div><div style="text-align: justify;">(2) uso o Grammarly até chegar ao máximo score que ele permite (o mais perto de 99);</div><div style="text-align: justify;">(3) verifico o score no secure.aje.com;</div><div style="text-align: justify;">(4) conto palavras e frases repetidas no countwordsfree.com, que serão retrabalhadas ou cortadas;</div><div style="text-align: justify;">(5) volto para (2) até que o score no secure.aje.com esteja acima de 7.2, o que garante, segundo o sistema, que o texto está suficientemente bom e não precisa de revisão adicional (ou por um "native speaker˜).</div><p></p><p style="text-align: justify;">Não existe uma receita quando o assunto é redigir manuscritos científicos. O fundamental é que cada um e cada uma construa o seu próprio processo. Sei como é frustrante receber pareceres do tipo “a ciência nesse artigo é boa, mas o inglês precisa melhorar”. Não devemos esmorecer frente a esses obstáculos. Ferramentas como as discutidas aqui podem ser o diferencial entre o “<i>rejected</i>” e o “<i>accepted with minor revisions</i>”.</p><p style="text-align: justify;"><b>PS:</b> Há uma vasta literatura com dicas de escrita científica. Dois artigos muito úteis, que revisito periodicamente, são voltados para falantes de português e discutem os nossos principais erros ao escrevermos em inglês.</p><p style="text-align: justify;">Marlow, M.A. 2014. <a href="https://www.scielo.br/j/clin/a/zcs47Q4bsW6yk7D86XQCVss/?lang=en" target="_blank"><b>Writing scientific articles like a native English speaker: top ten tips for Portuguese speakers</b></a></p><p style="text-align: justify;">Marlow, M.A. 2016. <a href="https://www.scielo.br/j/clin/a/CCW4VDSY5qXFwZrKXMX74Hh/?lang=en" target="_blank"><b>Writing scientific articles like a native English speaker: concise writing for Portuguese speakers</b></a></p><div><br /></div>Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-27670609218329166102021-07-18T17:44:00.008-03:002021-07-26T22:12:19.502-03:00Richard C. Lewontin (1929-2021)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgY4nkszMdhQ8akBBXGCEeKdbu-ux6-PzaY_IV1Rl0At5Oyye1szdTBNbZ3hcptrQQXJiy66pm3GZ5q_nbC3pq-ys1qvkShfdaZ39cCkcWFrU7PWJ92zANqOGWSIOdCkPb8NvHRJmeR9Nc/s778/lewontin-richard_web.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="519" data-original-width="778" height="294" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgY4nkszMdhQ8akBBXGCEeKdbu-ux6-PzaY_IV1Rl0At5Oyye1szdTBNbZ3hcptrQQXJiy66pm3GZ5q_nbC3pq-ys1qvkShfdaZ39cCkcWFrU7PWJ92zANqOGWSIOdCkPb8NvHRJmeR9Nc/w442-h294/lewontin-richard_web.jpeg" width="442" /></a></div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">No último dia 04 de julho, aos 92 anos, faleceu nos EUA o biólogo Richard Charles Lewontin (1929-2021).</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Ao longo de sua carreira científica, Lewontin foi um crítico ferrenho do determinismo genético, tendo se posicionado contra a ideia de que características complexas dos seres vivos, como o coeficiente de inteligência, estivessem diretamente inscritas no DNA. Para todo atributo há um gene específico? De jeito nenhum, afirmava Lewontin. A variabilidade orgânica não podia ser resumida a um pedaço de material genético.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">No seu livro de ensaios "Biology as ideology: the doctrine of DNA", de 1991 (traduzido para o português e publicado aqui em 2000), Lewontin escreveu:</div><i><div style="text-align: justify;"><i><blockquote style="text-align: left;">(...) não temos razão a priori para pensar que haveria qualquer diferenciação genética entre grupos raciais em características como comportamento, temperamento e inteligência. Tampouco há um pingo de evidência de que as classes sociais diferem de alguma forma em seus genes, exceto na medida em que a origem étnica ou a raça podem ser usadas como forma de discriminação econômica. O absurdo propagado pelos ideólogos do determinismo biológico de que as classes inferiores são biologicamente inferiores às classes superiores (...) é precisamente isso, um absurdo. O objetivo é legitimar as estruturas de desigualdade em nossa sociedade, colocando um brilho biológico sobre elas e confundindo o que pode ser influenciado pelos genes e o que pode ser alterado por mudanças sociais e ambientais.</blockquote></i></div></i><div style="text-align: left;">Em 2000, Lewontin publicou no The New York Review of Books [1] umas das mais lúcidas críticas à percepção popular - comum também entre muitos cientistas - de que o DNA é o Santo Graal da biologia, a panaceia que vai nos apontar os caminhos para resolvermos todos os nossos problemas. Para Lewontin:</div><i><div style="text-align: justify;"><i><blockquote style="text-align: left;">(...) é necessário mais que o DNA para se fazer um ser vivo. Em certa ocasião, ouvi um dos líderes mundiais da biologia molecular, na palestra de abertura de um congresso científico, dizer que se tivesse um computador com capacidade suficiente e a seqüência completa do DNA de um organismo, ele poderia calcular o organismo, ou seja, segundo ele, seria possível descrever plenamente sua anatomia, fisiologia e comportamento. Isto está errado. Nem o próprio organismo é capaz de se calcular a partir do próprio DNA. Um organismo vivo em qualquer momento de sua vida é exclusivamente consequência de uma história de desenvolvimento resultante da interação e da determinação de forças internas e externas. As forças externas, que usualmente pensamos como “ambiente”, são elas próprias parcialmente consequência das atividades do organismo em si, enquanto produz e consome as condições da própria existência. Os organismos não encontram o mundo no qual se desenvolvem. Eles o produzem.</blockquote></i></div></i><div style="text-align: left;">Lewontin foi um dos grandes colaboradores do paleontólogo Stephen Jay Gould (1941-2002). É deles o hoje clássico ensaio "The Spandrels of San Marco and the Panglossian Paradigm: a critique of the adaptationist programme", publicado em 1979. <a href="http://charlesmorphy.blogspot.com/2011/08/gould-ultra-darwinismo-e-falsas-medidas.html" target="_blank">No artigo, Lewontin e Gould fazem um contraponto à visão adaptacionista estrita na biologia</a> - a ideia de que todo e qualquer atributo existente nos organismos teria sido forjado pela seleção natural, a única responsável pelas formas orgânicas, funções e comportamentos encontrados na natureza. Mais de 40 anos após a publicação desse artigo seminal, hoje sabemos que há muito mais na biologia do que apenas a seleção natural. A identificação dos fatores e mecanismos responsáveis pela complexidade orgânica é um dos objetivos da <a href="http://charlesmorphy.blogspot.com/2012/04/o-que-dawkins-nao-sabia-em-busca-de-uma.html" target="_blank">Síntese Estendida da Evolução</a>, que tem avançado nos caminhos abertos por Lewontin, Gould e outros autores nos já longínquos anos 1970.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Richard Lewontin foi um exemplo de biólogo que enxergava seu trabalho na genética e na biologia evolutiva para além do laboratório. Jerry Coyne, autor do belo livro "Why evolution is true" e ex-aluno de pós-graduação de Lewontin, a quem ele chamava "The Boss", conta que, à pergunta "O que te levou para as ciências?", seu orientador costumava responder "Um professor carismático" [2].</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Até mais, "Boss", e obrigado pelos peixes!</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><b>Notas:</b></div><div style="text-align: left;">[1] O texto foi traduzido em 2002 e publicado na Revista da Adusp sob o título "<a href="https://www.adusp.org.br/files/revistas/25/r25a06.pdf " target="_blank">O sonho do genoma humano"</a>.</div><div style="text-align: left;">[2] Jerry Coyne publicou <a href="https://whyevolutionistrue.com/2021/07/05/dick-lewontin-1929-2021/" target="_blank"></a><div class="separator" style="clear: both; display: inline; text-align: center;"><a href="https://whyevolutionistrue.com/2021/07/05/dick-lewontin-1929-2021/" target="_blank"></a><a href="https://whyevolutionistrue.com/2021/07/05/dick-lewontin-1929-2021/" target="_blank">um tributo a seu ex-orientador</a> cheio de fotos e anedotas comoventes. Pode ser acessado <a href="https://whyevolutionistrue.com/2021/07/05/dick-lewontin-1929-2021/" target="_blank">AQUI</a>.</div></div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><b>Leia mais:</b></div><div style="text-align: left;"><a href="http://charlesmorphy.blogspot.com/2011/08/gould-ultra-darwinismo-e-falsas-medidas.html" target="_blank">Gould, ultra-darwinismo e falsas medidas</a></div><div style="text-align: left;"><a href="http://charlesmorphy.blogspot.com/2012/04/o-que-dawkins-nao-sabia-em-busca-de-uma.html" target="_blank">O que Dawkins não sabia: em busca de uma Teoria Estendida da Evolução</a></div>Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-87460887684793191142021-06-13T14:22:00.013-03:002021-07-18T16:05:42.558-03:00Da relação entre dietas baseadas em plantas e a COVID-19<div style="text-align: left;">Acaba de ser publicado (junho/2021)<b><a href="https://nutrition.bmj.com/content/4/1/257" target="_blank"> um interessante estudo</a> </b>a respeito da influência da dieta na infecção, severidade e duração dos sintomas da COVID-19. Ainda que vários trabalhos anteriores tenham sugerido que padrões de alimentação podem ter algum papel na incidência e no curso da COVID-19 por conta da sua relação com o aumento (ou diminuição) da resposta imunológica, o trabalho de Hyunju Kim, do Departamento de Epidemiologia da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, e seus colaboradores espalhados pelos Estados Unidos é o primeiro a estabelecer uma correlação direta entre padrões de dieta e severidade da síndrome respiratória aguda grave causada pelo coronavírus.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Profissionais de saúde de seis países (França, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido e EUA), altamente expostos a pacientes com COVID-19, foram objeto da pesquisa, feita entre 17 de julho e 25 de setembro de 2020. De um total de 2884 participantes, houve 568 casos COVID-19; destes, 138 indivíduos apresentaram sintomas de moderados a graves, enquanto 430 indivíduos tiveram sintomas de muito leves a leves.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Os participantes relataram suas dietas durante todo o ano anterior à Organização Mundial de Saúde ter decretado o status de pandemia de COVID-19, em março de 2020. Dessa forma, foi possível definir os padrões de ingestão alimentar usual e de longo prazo dos amostrados. Entre as opções de dietas apresentadas aos participantes estavam alimentos integrais, dietas à base de plantas, dietas vegetarianas, regimes alimentares que incluíam peixes e frutos do mar (mas excluíam a carne de outros animais), dietas com baixo teor de gordura, dietas pobres em carboidratos e dietas ricas em proteína animal.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Entre os 568 casos de COVID-19 registrados na amostra, os indivíduos que seguiam dietas baseadas em plantas relataram consumir mais vegetais totais, proteínas vegetais (leguminosas e nozes) e menos aves, carnes vermelhas e processadas, além de menos bebidas adoçadas com açúcar e álcool, em comparação com aqueles que não seguiam dietas à base de plantas.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><span style="color: #990000;"><b>Os participantes com dietas ricas em vegetais tiveram 73% menos chances de apresentar sintomas de COVID-19 de moderados a graves</b></span> em comparação com aqueles que não se alimentavam preferencialmente de vegetais e legumes. Aqueles que seguiram dietas baseadas em vegetais somadas a peixes e frutos do mar como fonte de proteína animal tiveram 59% menos chances de apresentar sintomas moderados a graves.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Os participantes da pesquisa de Kim e colaboradores que seguiam dietas vegetais ou vegetarianas tiveram maior ingestão de vegetais, legumes e nozes, e menor consumo de aves, carnes vermelhas e alimentos industrializados ultraprocessados. Dietas baseadas em vegetais são ricas em nutrientes, especialmente fitoquímicos, fibras, vitaminas A, C, D e E e minerais (ferro, potássio, magnésio). A suplementação de alguns desses nutrientes diminui o risco de infecções respiratórias, como resfriado comum e pneumonia, encurtando a duração dos seus sintomas. Uma vez que desempenham papéis importantes na produção de anticorpos, proliferação de linfócitos e redução do estresse oxidativo, dietas com concentrações adequadas em tais nutrientes podem ter por consequência o bom funcionamento do sistema imunológico.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Vírus como o SARS-CoV-2 provocam falhas no acionamento do sistema imunológico. A inflamação resultante pode levar à deficiência respiratória aguda e a outros sintomas perigosos. Na maioria dos pacientes de COVID-19, o sistema imune é capaz de "desarmar" e matar o coronavírus. No entanto, em cerca de 5% dos infectados o corpo não é capaz de se livrar do vírus, o que pode resultar em dano duradouro ao pulmão e outros tecidos, formação de coágulos e vazamento de fluidos dos vasos sanguíneos.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Estudos como o de Hyunju Kim e colaboradores apontam que uma dieta saudável, baseada majoritariamente em plantas e rica em nutrientes, funciona como proteção adicional (além das vacinas, absolutamente necessárias) contra sintomas severos da COVID-19.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><b><div style="text-align: left;"><b>Mais sobre vegetarianismo e especismo:</b></div></b><div style="text-align: left;"><a href="http://charlesmorphy.blogspot.com/2014/03/exploracao-animal-ignorancia-nao-e-uma.html" target="_blank">Exploração animal: a ignorância não é uma benção</a></div><div style="text-align: left;"><a href="http://charlesmorphy.blogspot.com/2015/02/treinando-macacos-para-o-circo.html" target="_blank">Treinando macacos para o circo</a></div><div style="text-align: left;"><a href="http://charlesmorphy.blogspot.com/2013/11/breves-resenhas-comer-animais-de.html" target="_blank">Breves resenhas: Comer Animais, de Jonathan Safran Foer (2011)</a></div><div style="text-align: left;"><a href="http://charlesmorphy.blogspot.com/2013/05/sobre-especismo-inteligencias.html" target="_blank">Sobre especismo, inteligências artificiais e a posição do <i>Homo sapiens</i></a></div><div style="text-align: left;"><br /></div><b><div style="text-align: left;"><b>Referências</b></div></b><div style="text-align: left;">1. Calder, P.C. 2020. <a href="https://nutrition.bmj.com/content/early/2020/05/20/bmjnph-2020-000085">Nutrition, immunity and COVID-19. </a><i>BMJ Nutr Prev Health</i> 3:74–92. </div><div style="text-align: left;">2. Kim, H., Rebholz, C.M., Hegde, S., et al. 2021. <a href="https://nutrition.bmj.com/content/early/2021/05/18/bmjnph-2021-000272">Plant-based diets, pescatarian diets and COVID-19 severity: a population-based case-control study in six countries.</a> <i>BMJ Nutrition, Prevention & Health.</i></div><div style="text-align: left;">3. Iwasaki, A. & Wong, P. 2001. O caos que a COVID-19 cria na imunidade. <i>Scientific American Brasil</i> 216: 59–65.</div><div style="text-align: left;">4. Morais, A.H.A., Aquino, J. S., Silva-Maia, J.K., et al. 2021. <a href="https://www.cambridge.org/core/journals/british-journal-of-nutrition/article/nutritional-status-diet-and-viral-respiratory-infections-perspectives-for-severe-acute-respiratory-syndrome-coronavirus-2/9325E3C0FD3D20C5209FF8FEFA93BF3C">Nutritional status, diet and viral respiratory infections: perspectives for severe acute respiratory syndrome coronavirus 2.</a> <i>Br J Nutr</i>125:851–62. </div><div style="text-align: left;">5. Satija, A. & Hu, F.B. 2018.<a href="https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29496410/" target="_blank"> Plant-based diets and cardiovascular health.</a> <i>Trends Cardiovasc Med </i>28:437–41. </div><div style="text-align: left;">6. Zabetakis, I., Lordan, R., Norton, C., et al. 2020. <a href="https://www.mdpi.com/2072-6643/12/5/1466" target="_blank">COVID-19: the inflammation link and the role of nutrition in potential mitigation.</a> <i>Nutrient</i>s 12:1466. </div>Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-78738423126632494662021-04-20T15:31:00.001-03:002021-04-20T15:31:27.232-03:00Breves resenhas: Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas<div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhi-_HpvJUfamsYxTe0OeBRNipe6e790R9zl0DObylLmUmKpM8V8KYoNcs9r123_hYQ9MZPhjhskcKGQ4oIzf-YrGQhYiJtmRrGXcs2AUQqltgBY8y3ySm1WSCVCX0syK3oWzH7-rmNF7A/s1000/capa_generalistas.jpeg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="680" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhi-_HpvJUfamsYxTe0OeBRNipe6e790R9zl0DObylLmUmKpM8V8KYoNcs9r123_hYQ9MZPhjhskcKGQ4oIzf-YrGQhYiJtmRrGXcs2AUQqltgBY8y3ySm1WSCVCX0syK3oWzH7-rmNF7A/s320/capa_generalistas.jpeg" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br /></div>Uma das grandes vantagens de vivenciar o ambiente acadêmico universitário é a possibilidade de trocar ideias, impressões, conhecimento e visões de mundo com colegas professores, pesquisadores, discentes e servidores.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ainda que estejamos muito distantes da normalidade nos dias de hoje, mediando nossos contatos sociais e profissionais por telas de computador e smartphones (para os privilegiados com a chance de trabalhar de forma remota), os momentos de compartilhamento de experiências continuam fundamentais para nosso desenvolvimento intelectual e humano.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Há alguns meses, o grande amigo João Paulo Gois, companheiro docente na Universidade Federal do ABC, me indicou a leitura de "Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas", de David Epstein. Descobri que o livro constava da lista de leitura de Bill Gates para o ano de 2020 (curiosamente, tanto Gois quanto Gates são especialistas em computação).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A obra discute conceitos muitos caros à academia nos dias de hoje: interdisciplinaridade, construção transversal do conhecimento científico, e necessidade de visão ampla e múltipla para a resolução de problemas complexos. Seguem abaixo alguns trechos:</div><blockquote><div style="text-align: justify;">O desafio que todos enfrentamos é como manter os benefícios da amplitude, da experiência diversificada, do pensamento interdisciplinar e da concentração tardia em um mundo que cada vez mais incentiva (e até exige) a hiperespecialização.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nossa maior força é exatamente o oposto da especialização estrita. É a capacidade de fazer uma integração ampla.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">(...) as características que significam boas notas [na universidade] não incluem capacidade crítica de qualquer significado amplo</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os alunos vêm preparados com óculos científicos, mas não saem carregando o canivete suíço do raciocínio científico. (...) Eles devem aprender a pensar antes de aprenderem sobre o que pensar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quanto mais limitado e repetitivo for um desafio, mais provavelmente ele será automatizado, enquanto grandes recompensas serão acumuladas para aqueles que conseguirem obter conhecimento conceitual de um problema ou domínio e aplicá-lo de maneira totalmente nova.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tolerar grandes erros pode criar as melhores oportunidades de aprendizado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O pensamento analógico profundo é a prática de reconhecer similaridades em múltiplos campos de conhecimento ou cenários que, superficialmente, parecem ter muito pouco em comum.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">(...) as pessoas que melhor resolvem problemas são as mais capazes de determinar sua estrutura profunda antes de determinar uma estratégia de resolução.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">(...) o inesperado torna-se uma oportunidade para se aventurar por um novo caminho — e analogias servem como guias nas terras selvagens.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">(...) os laboratórios mais capazes de transformar descobertas inesperadas em conhecimento novo para a humanidade criavam muitas analogias, e as criavam a partir de uma grande variedade de áreas. (...) Em algumas reuniões de laboratório, uma nova analogia era proposta, em média, a cada quatro minutos, algumas delas vindas de áreas completamente alheias à Biologia.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O truque mais importante, disse ele, é manter-se sintonizado para perceber quando mudar é simplesmente falta de perseverança e quando se trata do astuto reconhecimento da existência de projetos mais adequados.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">(...) uma mente aberta sempre levará algo de toda nova experiência.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Sua pessoa de agora é passageira, assim como todas as outras que você já foi. (...) aprendemos quem somos apenas vivendo, e não antes.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os criadores de previsões mais profícuos afastam-se do problema em questão e examinam eventos não relacionados, mas com similaridades estruturais, em vez de confiarem na intuição baseada na experiência pessoal ou em apenas uma área de especialização.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quando tudo o que você tem é um vulcanologista, aprendi, toda extinção tem como origem um vulcão.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Parte do problema, argumentou ele, é que os cientistas jovens são obrigados a se especializar antes de aprenderem a pensar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">(...) trabalhos que conectam áreas díspares do conhecimento têm menor probabilidade de serem financiados, menos chance de serem publicados em periódicos famosos, maior probabilidade de serem ignorados após sua publicação e, assim, maior probabilidade, em longo prazo, de serem um grande sucesso na biblioteca do conhecimento humano.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">(...) O progresso científico em uma frente ampla é resultado do livre brincar de intelectos livres, trabalhando em assuntos de sua própria escolha, de uma forma ditada por sua curiosidade pela exploração do desconhecido.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Compare a si mesmo com seu eu de ontem, e não com pessoas mais jovens e que não sejam você. Cada um de nós avança em um ritmo diferente, então não permita que alguém faça com que você se sinta atrasado. Provavelmente, você nem sequer sabe com exatidão para onde está indo, e sentir-se em desvantagem não ajuda em nada.</div></blockquote>O trabalho de Epstein é celebrado como um livro de negócios, mas as discussões que o autor apresenta são pertinentes para qualquer área em que seja necessário investigar soluções para questões amplas. Vale a leitura!<br /><br /><b>Referência:</b><br />Epstein, D. 2020 [2019]. <i>Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas. </i>Tradução: Marcelo Barbão e Fal Azevedo. Editora Globo Livros.<span id="docs-internal-guid-76c0e159-7fff-d17a-939c-8272c9c9126a"><div><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span></div></span>Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-58509736989988758822020-08-09T21:17:00.001-03:002020-08-09T21:18:43.251-03:00Podcast Um longo argumento<p style="text-align: justify;">Recentemente, comecei um podcast derivado deste blog.</p><p style="text-align: justify;">Também intitulado "Um longo argumento", a ideia é expandir as discussões feitas aqui para abarcar, além das biologia e temas afins, também outras áreas das ciências. </p><p style="text-align: justify;">O podcast trará breves ensaios sobre temas ligados à teoria evolutiva, sistemática, biogeografia e filosofia da ciência, e também entrevistas e debates com pesquisadores, estudantes de pós-graduação e divulgadores científicos. </p><p style="text-align: justify;">Ele está disponível em cinco plataformas:</p><div><b>Spotify</b></div><a href="https://open.spotify.com/show/4l6KIw1QizeFNZVR5P3gfx">https://open.spotify.com/show/4l6KIw1QizeFNZVR5P3gfx</a><br /><br /><b>Anchor</b><br /><a href="https://anchor.fm/charles-morphy">https://anchor.fm/charles-morphy</a><div><br /></div><div><b>Breaker</b></div><div><a href="https://www.breaker.audio/um-longo-argumento">https://www.breaker.audio/um-longo-argumento</a></div><div><br /></div><div><b>RadioPublic</b></div><div><a href="https://radiopublic.com/um-longo-argumento-WxLzg7">https://radiopublic.com/um-longo-argumento-WxLzg7</a><br /><p><br /></p></div>Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-48577240476512370742020-06-10T19:33:00.003-03:002020-08-09T11:19:53.694-03:00Sobre outros olhares para a divulgação científica<div style="text-align: justify;">
Dias atrás, participei de uma live do canal "Coelho Pré-Cambriano" em que discutimos a importância da divulgação científica (o vídeo na íntegra pode ser visto <a href="https://www.youtube.com/watch?v=1LnEIdap4KA&feature=youtu.be">AQUI</a>). Dentre os desafios para democratizar o conhecimento das ciências, um dos maiores é encontrar uma maneira de substituir verdades dogmáticas por hipóteses transitórias. </div>
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A teoria da evolução tem componentes adicionais que a tornam pouco palatável, quando não inaceitável, para porções expressivas da sociedade. Desde a publicação do "Origem das Espécies" por Charles Darwin em 1859, permanecem em alta temperatura discussões contrárias à explicação da origem e diversificação dos seres vivos sem a participação de uma inteligência transcendental ou mão divina criadora. Para Darwin e os evolucionistas que o sucederam, processos como a seleção natural atuando sobre variações pré-existentes nas populações de organismos, fruto de mutações do material genético e recombinações cromossômicas, funcionam independentemente de direcionamento prévio ou planejamento. </div>
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Nos últimos 50 anos, diferentes cientistas aceitaram o desafio de levar os fundamentos da evolução para o público fora das universidades e instituições de pesquisa. Dois dos autores mais conhecidos do público, traduzidos para diversos idiomas (inclusive o português), são o britânico Richard Dawkins (1941- ) e o norte-americano Stephen Jay Gould (1941-2002) (ambos discutidos nesse espaço <a href="http://charlesmorphy.blogspot.com/2012/04/o-que-dawkins-nao-sabia-em-busca-de-uma.html">AQUI</a> e <a href="http://charlesmorphy.blogspot.com/2011/08/gould-ultra-darwinismo-e-falsas-medidas.html">AQUI</a>). A despeito da percepção geral de que Dawkins e Gould eram "inimigos" ou tinham rixas incontornáveis, a realidade da disputa entre eles é bem menos acalorada. </div>
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Tanto Dawkins quanto Gould concordam em aspectos fundamentais. Ambos vêem a descrição científica do universo como bela e completa (Gould também considera as humanidades e as religiões como aptas a oferecer <i>insights</i> sobre valores e maneiras de se viver). Aceitam que toda vida no planeta Terra, incluindo a nossa própria espécie, remonta a um ancestral comum muito simples, mais até do que as bactérias menos complexas conhecidas, surgido há cerca de 4 bilhões de anos. O processo evolutivo é natural, sem participação de um criador ou designer inteligente. Mutações aleatórias do material genético tem papel importante na geração de variabilidade, ainda que a evolução não seja uma loteria. A seleção natural, entendida como a sobrevivência diferencial de indivíduos frente a outros, e o consequente aumento da representatividade das características dos sobreviventes nas gerações futuras, é fundamental para compreender a adaptação dos organismos ao meio em que vivem.</div>
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Etólogo de formação, Dawkins estudou padrões de comportamento dos seres vivos. Na sua concepção, a principal questão tratada pela biologia evolutiva é a adaptação dos organismos aos ambientes e os processos naturais responsáveis por ela. Segundo Dawkins, a história da evolução é a história das linhagens de genes (unidades básicas da hereditariedade, um gene é constituído pelo segmento de uma cadeia de DNA responsável pela síntese de uma proteína). Assim, a luta pela sobrevivência seria a luta dos genes para se replicar. Tudo o que compõe um organismo para além do material genético corresponderia a receptáculos ou veículos para os genes. </div>
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Gould era paleontólogo e focou seu trabalho nos macroprocessos (tais como o papel das extinções na história evolutiva). Para ele, eventos aleatórios são cruciais na constituição das biotas. Mesmo que considere significativo o papel da seleção natural, Gould dá peso a outros processos e eventos como definidores da história evolutiva dos organismos. Caso os dinossauros não-avianos tivessem sobrevivido ao impacto do meteorito e às suas consequências ao final do Cretáceo, 65 milhões de anos atrás, na certa os mamíferos não teriam se diversificado e nós não estaríamos aqui. Se voltarmos a fita da evolução 540 milhões de anos para o início do Cambriano e a tocarmos outra vez, o cenário resultante poderia ser distinto. </div>
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Dawkins e Gould são dois gigantes da divulgação científica e referências obrigatórias. O texto de ambos tem refinamento literário, clareza de ideias e sabor. Não apelam para linguagem técnica demasiada, usando de metáforas precisas para apresentar o panorama da evolução orgânica no planeta, ou mesmo fora dele. Ainda que Daniel Pennac, no seu "Como um romance", diga que o verbo ler não suporta o imperativo, aqui a sugestão vale: leiam Dawkins e Gould.</div>
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Mas não leiam <i>apenas</i> Dawkins e Gould.</div>
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Quando falamos em divulgação científica, em especial textos voltados paras ciências biológicas, o viés de gênero é claro. Para além de Dawkins e Gould, outros nomes óbvios citados são Carl Zimmer, Edward Wilson, David Quammen, Neil Shubin… Todos homens. Nós somos maioria entre os autores de textos traduzidos e publicados. No entanto, como apontam Maren Wellenreuther e Sarah Otto no artigo "Women in evolution – highlighting the changing face of evolutionary biology" [Mulheres na evolução - destacando a nova face da biologia evolutiva], cientistas mulheres estão na vanguarda de muitas áreas de ciência, notadamente nos estudos evolutivos. Tal fato tem contribuído para mais autoras publicarem textos de divulgação científica, trazendo um olhar diferenciado e necessário.</div>
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A bióloga evolucionista Lynn Margulis (1938-2011) é um dos exemplos de cientista que transitou de forma competente entre a pesquisa de ponta e publicações para um público amplo (um pouco mais sobre ela <a href="http://charlesmorphy.blogspot.com/2011/11/as-tres-flechas-do-jovem-samurai.html">AQUI</a>). Em 1966, ela propôs que, no correr da evolução, muitos eventos de fusões entre bactérias ocorreram, originando espécies diferentes através de simbiogênese. Em um artigo recusado inúmeras vezes por revistas especializadas até ser publicado - um exemplo importante de resiliência e confiança, características necessárias para o trabalho científico -, Margulis sugeriu que muitos dos atributos dos organismos complexos derivam da junção de dois ou mais microrganismos diferentes, que passaram a compartilhar uma vida comum através da cooperação. De forma bem simplificada, as organelas celulares conhecidas como mitocôndrias e cloroplastos foram, um dia, organismos bacterianos livres. Essas bactérias devem ter sido fagocitadas por outras, mas não digeridas, e o “alimento” foi incorporado ao ambiente interno das bactérias ingestoras. Essa visão radical sobre a história dos seres vivos, que aponta o papel essencial da cooperação em contraponto à competição da visão clássica darwiniana, foi uma avanço conceitual capaz de sacudir o que imaginávamos saber de evolução. Além de excepcional pesquisadora, Margulis publicou diversos livros de divulgação científica, alguns deles em parceria com seu filho Dorion Sagan.</div>
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A historiadora da ciência Janet Browne (1950- ), especialista em história da biologia e professora em Harvard, é outro nome que precisa ser conhecido. Com várias obras traduzidas para o português, Browne é a principal biógrafa de Darwin. Seus dois volumes ("Charles Darwin: Viajando" e "Charles Darwin: O poder do lugar") e a biografia curta do "Origem das Espécies" - é isso mesmo, uma biografia de um livro! - devem figurar na lista de referências básicas de quem gosta de conhecer mais sobre a teoria evolutiva. </div>
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No centro da revolução das pesquisas sobre processos evolutivos - que muitas vezes recebe o nome de "Síntese Estendida" (mais sobre ela <a href="https://periodicos.itp.ifsp.edu.br/index.php/IC/article/view/1573">AQUI</a>) -, as geneticistas Eva Jablonka (1952 - ) e Marion Lamb (1939 - ) causaram impacto para além dos muros da academia com a publicação do seu "Evolução em quatro dimensões: DNA, comportamento e a história da vida" (com tradução em português). Na obra, elas discutem como a variabilidade dos organismos não depende apenas de mutações genéticas, e que existem outros fatores, chamados epigenéticos, capazes de alterar o funcionamento de genes e conjuntos de genes sem alterar sua sequência de DNA. Tais mudanças podem se perpetuar para as gerações descendentes, descoberta essa que contraria o "cânone" da Síntese Moderna da Teoria Evolutiva, concebida em meados do século XX, segundo o qual apenas mudanças ocorridas nos genes das células reprodutivas seriam herdadas. Em suma: Jablonka e Lamb resgatam as bases do pensamento de Jean Baptiste de Lamarck (1744-1829), incorporando a ideia da herança dos caracteres adquiridos à teoria evolutiva a partir do conhecimento contemporâneo das ciências biológicas. </div>
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Ainda sem tradução para o português, a especialista em biologia molecular e biotecnologia Nessa Carey tem sido uma das vozes mais interessantes a discutir, tanto em pesquisas publicadas em revistas especializadas quanto em obras de divulgação científicas e palestras, o estado da arte da genética. Em seus livros, ela apresenta como nossa visão sobre o genoma tem mudado e como premissas antes tidas como certas precisam de revisão. Suas três obras de divulgação são boas pedidas: "The epigenetics revolution: how modern biology is rewriting our understanding of genetics, disease, and inheritance" [A revolução epigenética: como a biologia moderna está reescrevendo nosso entendimento sobre genética, doença e herança, de 2012]; "Junk DNA: A Journey Through the Dark Matter of the Genome" [DNA lixo: uma jornada através da matéria escura do genoma, de 2015] e o mais recente "Hacking the Code of Life: How gene editing will rewrite our futures" [Hackeando o código da vida: como a edição de genes vai reescrever nossos futuros, de 2019).</div>
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Jane Goodall (1934- ), Evelyn Fox Keller (1936- ), Elizabeth Kolbert (1961- )... os exemplos aqui não esgotam o assunto. Que o meio editorial - tradicionalmente controlado por nós, homens, e pleno de movimentos a favor do status quo patriarcal -, se dobre à força das contribuições das mulheres para a ciência. Nas palavras de Maren Wellenreuther e Sarah Otto: "As mulheres estão alterando a maneira como pensamos sobre a biologia evolutiva, traçando novas direções de pesquisa, facilitando o caminho para outras mulheres, e amando seus empregos". </div>
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<b><b>Leituras indicadas:</b></b></div>
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1. Elizabeth Kolbert. 2015. <i>A sexta extinção: uma história não natural.</i> Editora Intrínseca, RJ.</div>
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2. Eva Jablonka & Marion Lamb. 2010. <i>Evolução em quatro dimensões: DNA, comportamento e a história da vida. </i>Companhia das Letras, SP.</div>
<div style="text-align: justify;">
3. Evelyn Fox Keller. 2002. <i>O século do gene.</i> Editora Crisálida, MG.</div>
<div style="text-align: justify;">
4. Janet Browne. 2011. <i>Charles Darwin: O poder do lugar.</i> Editora Unesp, SP.</div>
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5. Janet Browne. 2011. <i>Charles Darwin: Viajando. </i>Editora Unesp, SP.</div>
<div style="text-align: justify;">
6. Lynn Margulis. 2008. <i>Symbiotic Planet: a new look at evolution. </i>Basic Books.</div>
<div style="text-align: justify;">
7. Lynn Margulis & Dorion Sagan. 2002. <i>O que é vida? </i>Jorge Zahar Editor, RJ. </div>
<div style="text-align: justify;">
8. Lynn Margulis & Dorion Sagan. 2008. <i>Acquiring genomes: a theory of the origin of species. </i>Basic Books. </div>
<div style="text-align: justify;">
9. Maren Wellenreuther & Sarah Otto. 2015. Women in evolution – highlighting the changing face of evolutionary biology. <i>Evolutionary Applications</i>, 9(1), 3-16. </div>
<div style="text-align: justify;">
10. Nessa Carey. 2012. <i>The epigenetics revolution: how modern biology is rewriting our understanding of genetics, disease, and inheritance. </i> Icon Books Ltd. </div>
<div style="text-align: justify;">
11. Nessa Carey. 2015. <i>Junk DNA: a journey through the dark matter of the genome. </i>Icon Books Ltd. </div>
<div style="text-align: justify;">
12. Nessa Carey. 2019. <i>Hacking the Code of Life: how gene editing will rewrite our futures. </i>Icon Books Ltd.</div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-59463955907849759632020-06-01T14:24:00.005-03:002020-06-01T14:25:57.244-03:00Arte é um tipo diferente de ordem cósmica, de Brian Greene<div style="text-align: justify;">
Brian Greene (1963- ) é um físico norte-americano, diretor do Centro para Física Teórica da Universidades Columbia e exímio divulgador da ciência.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A partir do seu livro mais recente - <b>Until the end of time: mind, matter, and our search for meaning in an evolving universe [Até o fim do tempo: mente, matéria e nossa busca por significa em um universo em evolução]</b> -, ele produziu um breve ensaio, publicado no New York Times em 20 de maio de 2020, em resposta à pergunta "Por que a arte importa?".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Do ensaio, extraí o trecho abaixo, em tradução livre:</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A arte é o componente crítico desse projeto [de compreender a natureza], um caminho em direção à variedade mais ampla de verdades que englobam a experiência subjetiva e celebram nossa resposta distintamente humana ao mundo. Isso é vital. Há verdades que se sustentam para além da articulação, seja na linguagem da matemática ou na do discurso humano. Há verdades que podemos perceber, verdades que podemos sentir (...) A arte é nosso meio mais refinado para acessar tais verdades. Não há um sumário universal da arte, uma definição não ambígua que a delineie. Nossas reações à arte são unicamente as nossas próprias. Mas é exatamente essa flexibilidade, essa dependência do individual, essa confiança no subjetivo, que faz da arte essencial para entender o nosso lugar demasiado humano na ordem cósmica.<br />
Enquanto os padrões da matemática e da ciência importam porque eles falam de qualidades da realidade que existem além de nós, os padrões da arte importam porque eles falam de qualidades da realidade que existem dentro de nós.</blockquote>
O artigo completo de Greene pode ser lido em <a href="https://www.nytimes.com/2020/05/20/opinion/art-physics-brian-greene.html#click=https://t.co/j13V6NUfpv" target="_blank"><b>AQUI [em inglês]</b></a>Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-74692973625509957132019-01-09T12:07:00.000-02:002019-11-02T16:46:15.953-03:00Por que as pessoas acreditam em ideias estranhas? <div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<span style="font-size: 12pt; text-align: right;">O mal da hipocrisia não está no fato de ser visível aos
outros, </span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<span style="font-size: 12pt; text-align: right;">mas no de ser invisível a quem a pratica.</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<span style="font-size: 12pt; text-align: right;">Michael Shermer (2002)</span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: Arial;">Em <i>A hora do lobo</i> (1968), o cineasta sueco
Ingmar Bergman (1918-2007) conta a história do pintor Johan, homem atormentado
por aparições fantasmagóricas e angústias profundas que lhe assombram (e à sua mulher
grávida, Alma) entre a meia-noite e a aurora. Paulatinamente, durante as madrugadas
delirantes na ilha isolada para a qual o casal se retira, Johan vai perdendo
contato com a realidade externa e passa a duvidar de sua própria lucidez. É
nessa hora do lobo que os questionamentos mais fundamentais emergem em nossa
mente envolta nas brumas do homem dos sonhos, quando acordamos por vezes
assustados, ainda imaginando estarmos em um mundo de pesadelo: Por que as
pessoas acreditam em ideias estapafúrdias? O que nos leva a perder
completamente o senso crítico e aceitar tolices flagrantes que chegam sem
filtros aos nossos ouvidos? Como pessoas alfabetizadas são capazes de defender
a existência de conspirações globais controladas por professores universitários,
partidos políticos, megainvestidores e criminosos sexuais, que desejam
transformar o mundo em uma utopia coletivista de autômatos bestializados
adoradores do demônio? Qual a motivação para alguns considerarem plausível que
uma entidade sobrenatural inescrutável molde nossa realidade nos seus mais
ínfimos detalhes, e que o simples fato de chamarem essa ideia de “científica”
seja suficiente para legitimá-la, mesmo contrariando centenas de anos de
evidências empíricas organizadas e estudadas por um sem número de pessoas
inteligentes? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: Arial;">Muitas
vezes, nessa hora do lobo, a pseudo-teoria do Design Inteligente dança em
frente aos meus olhos cheios de areia. E me lembro das inúmeras vezes em que
fui questionado se acredito na possibilidade de um designer inteligente.</span><span style="font-size: 12pt;"> Sempre respondo que sim a esse questionamento,
afinal, minha </span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">esposa é designer E inteligente… <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">O Design Inteligente foi uma tentativa, até agora frustrada, de
grupos religiosos inserirem o "criacionismo científico" no ensino de
ciências dos EUA. O movimento foi criado pelo advogado norte-americano Phillip
E. Johnson (1940– ) no final dos anos 1980. Professor de direito em Berkeley e
aparentemente sem formação científica (além de não aceitar a teoria da
evolução, ele também nega que o vírus HIV seja o causador da AIDS e defende que
os fenômenos observáveis podem ser explicados por causas não-naturais), Johnson
construiu seu discurso pseudocientífico a partir de uma pilha de contradições
que não se fundamentava em evidências. No entanto, ainda que todos os seus
frágeis argumentos tenham sido desconstruídos sem muito esforço nas últimas
décadas, o Design Inteligente continua muito utilizado na retórica de políticos
e líderes religiosos como alternativa à teoria evolutiva; pode-se mesmo dizer
que os defensores do criacionismo científico são uma parte importante da
comissão de frente dos movimentos contemporâneos contra a ciência e o
pensamento acadêmico, que têm, entre suas hordas, grupos tão díspares quanto
terraplanistas, paranoicos anti-vacinação, membros do alto escalão do governo
em repúblicas ocidentais e “filósofos” best-sellers.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Após a publicação da sua obra máxima <i>A origem das espécies por meio de seleção natural: ou a preservação das
raças favorecidas na luta pela vida</i>, em 1859, o naturalista britânico
Charles Darwin (1809-1882) e seus contemporâneos iniciaram uma das maiores
revoluções científicas de todos os tempos, encabeçando um questionamento
radical do conceito que o homem fazia de si mesmo e da sua posição no mundo
natural. Mesmo hoje, mais de um século e meio após a primeira edição do <i>Origem</i> ter se esgotado rapidamente nas
livrarias britânicas, as controvérsias ainda ressoam. No entanto, nas ciências
naturais, há pouquíssimas vozes discordantes da realidade da evolução (quando
existem, são apenas manifestações carregadas de entrelinhas e segundas
intenções). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Evolução é um fato. O mundo natural é produto contínuo de
mudanças, sejam elas graduais ou aceleradas, que vêm acontecendo desde a origem
da vida na Terra há cerca de quatro bilhões de anos. Essa variação orgânica não
tem um direcionamento prévio – não existe uma planta baixa, um <i>blueprint</i> ou um projeto que define como
evoluem as características morfológicas, genéticas ou comportamentais dos seres
vivos. Nesse sentido, não existe perfeição na evolução: adaptação diz respeito
somente a</span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">quilo que funciona em um dado momento e em um dado contexto ambiental. Os
mecanismos evolutivos prescindem de um objetivo final. São completamente desnecessários um designer, um demiurgo ou
quaisquer figuras divinas influenciando a origem e diversificação da vida no
planeta. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Com o <i>Origem </i>de
Darwin e a delimitação de uma área das ciências naturais chamada Biologia
Evolutiva, verificou-se uma série de implicações muito claras, não apenas
científicas mas também filosóficas, metafísicas e religiosas. O livro de Darwin
e seus comentários e refinamentos subsequentes colocaram fim a uma visão de
mundo calcada explicitamente no fixismo criacionista, segundo a qual uma
entidade supranatural teria concebido toda a diversidade biológica existente,
substituindo-a por uma natureza dinâmica, plena de variações por toda a sua
história. O mecanismo discutido por Darwin, a seleção natural, extinguiu o
papel dado no</span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"> passado às
forças sobrenaturais intangíveis na estruturação do mundo vivo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">A seleção natural é capaz de explicar a existência da enorme
variedade de formas de vida no nosso planeta através de um processo
materialista baseado na interação entre variação pré-existente e sucesso
reprodutivo; desde meados do século vinte, sabemos que a variabilidade é
causada principalmente por mutações genéticas e recombinações cromossômicas que
acontecem nas células reprodutivas (tais como óvulos e espermatozoides). Com
isso, os deuses tornaram-se tão obsoletos quanto os papiros, a máquina de
escrever ou a fita cassete... Como corolário à ideia de que todos os organismos
derivam de ancestrais comuns por um processo contínuo de ramificação – dessa
forma, a ancestralidade comum conecta todos os seres vivos em uma gigantesca
árvore genealógica com bilhões de ramos, considerando-se todas as espécies
recentes e também as extintas –, completou-se a revolução iniciada com o
astrônomo e matemático polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), retirando as
poucas justificativas ainda existentes para a ideia de que o ser humano tem uma
posição de centralidade em relação a todo o cosmos. O <i>Homo sapiens</i>, após Darwin, não é mais do que um galhinho na imensa
árvore da vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Obviamente, o materialismo evolutivo não é contrário aos deuses,
simplesmente porque estes não são objetos de estudos científicos e, portanto,
não podem ser interpretados à luz do raciocínio lógico preconizado pela teoria
da evolução. Parafraseando a lendária – e provavelmente apócrifa – resposta do
astrônomo Pierre-Simon Laplace (1749-1827), deus é uma hipótese irrelevante
para a biologia, assim como é irrelevante também para as demais ciências
naturais. O paleontólogo norte-americano Niles Eldredge (1943– ), em seu
livro <i>O triunfo da evolução e a
falência do criacionismo</i> (publicado no Brasil em 2010), sintetiza de
forma brilhante a nossa impossibilidade de experimentar diretamente, através
dos nossos sentidos, o sobrenatural divino. Para ele, “(...) no empreendimento
chamado ciência, não há afirmação ontológica de que não exista um Deus (...),
mas sim um reconhecimento epistemológico de que, mesmo se esse Deus realmente
existisse, não haveria como experimentá-lo, apesar dos meios impressionantes,
embora ainda limitados, que estão à disposição da ciência”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">O Design Inteligente é um conjunto de afirmações sem sentido que
tenta, a todo custo, mudar esse quadro. Eles postulam algo chamado
“criacionismo científico”, uma contradição absoluta. Essa pseudociência, tão
válida quanto </span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">a ufologia, a astrologia e a saúde
quântica, baseia-se na premissa de que existe
certo nível de complexidade irredutível nos sistemas biológicos, que os
impediria de terem se originado por etapas através de um mecanismo lento e
gradual como o da seleção natural. Já que a
evolução gradualista não seria possível, nas palavras dos proponentes e
defensores do movimento, a vida no planeta seria, portanto, obra de um designer
ou projetista que tivesse pensado, <i>a
priori</i>, no encaixe perfeito entre todos os componentes constituintes dos
sistemas orgânicos. É a retomada da Teologia Natural, anterior à Darwin,
segundo a qual as relações entre as partes constituintes dos seres vivos e
entre estes e o ambiente no qual habitam seriam evidência irrefutável de um
deus interventor responsável por toda a criação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Para o bioquímico norte-americano Michael Behe (1952– ), da
Universidade de Lehigh, autor do famigerado (e cientificamente </span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">questionável) <i>A caixa preta de Darwin</i>, o funcionamento
de uma estrutura como o flagelo de uma bactéria, apêndice móvel em forma de
chicote responsável pela movimentação dos microrganismos, estaria tão finamente
relacionado a diferentes microestruturas e processos bioquímicos que só poderia ter sido fruto de um planejamento prévio feito
por alguém (ou algo) de inteligência inescrutável. O conceito da
complexidade irredutível de Behe revela nada mais do
que a formação acadêmica enviesada do seu autor, ao menos na área da
Biologia Evolutiva. A literatura especializada traz
muitos exemplos de precursores do flagelo que de fato têm “partes faltantes”,
quando comparados ao sistema irredutível apresentado
por Behe, e, ainda assim, plenamente funcionais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Behe fala de outras estruturas, como o olho, também inexplicáveis
para ele dentro de uma perspectiva evolutiva gradualista, como a de Darwin e de
muitos outros cientistas. No seu entendimento torto da natureza, olhos e
estruturas fotorreceptoras não poderiam ter surgido “por partes” ou
“incompletas”, uma vez que seriam sistemas irredutivelmente complexos – se
retirássemos quaisquer dos seus componentes, todo o sistema colapsaria e
perderia sua funcionalidade. Bobagem! Existem olhos muito menos intrincados,
diferentes dos nossos, que funcionam e garantem a sobrevivência dos seus
portadores (basta nos lembrarmos de planárias e seus ocelos estrábicos). No
mais, existem espécies com acuidade visual </span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">maior que a do <i>Homo
sapiens</i>, o que refuta a hipótese de que nossas estruturas orgânicas são o
ápice da evolução. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">A questão do surgimento dos olhos nos animais é interessante. O
gene <i>Pax6</i> (referido
como <i>Eyeless </i>em moscas, <i>Aniridia </i>em humanos e <i>Small eyes </i>em camundongos) está
presente em todas as espécies portadoras de olhos ou ocelos, não apenas nos
mamíferos mais modificados, como os primatas, grupo no qual nossa espécie se
insere. Esse gene é capaz de induzir a formação de estruturas fotorreceptoras e
exerce funções diferentes quando expresso em outros tecidos. Assim, vertebrados
e insetos compartilham o mesmo gene fundamental e pelo menos parte das
sequências de desenvolvimento que levam à expressão dos olhos, o que indica um
alto grau de conservação evolutiva, e é também evidência inequívoca de
parentesco evolutivo entre todos os animais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Estima-se que o início da diversificação de genes como o <i>Pax6 </i>nos animais deu-se no período
Cambriano, há cerca de 520 milhões de anos. Muitos dos sistemas gênicos que
surgiram nesse período são, ainda hoje, compartilhados por diferentes grupos</span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"> (águas vivas, baleias, insetos,
minhocas, hominídeos...). Esses e outros exemplos podem ser encontrados em
livros de ampla divulgação como o <i>Infinitas
formas de grande beleza </i>(de 2006), do biólogo norte-americano Sean Carroll
(1960– ) e <i>O maior espetáculo da
Terra</i> (de 2009), publicado pelo evolucionista britânico Richard Dawkins
(1941– ), ou ainda em inúmeros podcasts, postagens de blogs, vídeos e artigos na internet. Aqui, e em qualquer
outro tópico relacionado à Biologia Evolutiva, não há necessidade alguma de apelar para
explicações sobrenaturais ou pseudocientíficas como fazem os defensores do
Design Inteligente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Não existem sistemas de complexidade irredutível porque os
atributos biológicos que surgem e se disseminam são locais, baseadas na relação
entre os portadores desses atributos e o ambiente em que se encontram. Algo que
garanta altas taxas de sobrevivência e reprodução em um período, se modificadas
as condições do entorno e as pressões seletivas, pode se tornar um entrave à
perpetuação dos descendentes tempos depois. O Design Inteligente parte da
premissa equivocada de que tudo o que existe no mundo natural é perfeitamente
ajustado. No entanto, como dito anteriormente, </span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">evolução não diz respeito à perfeição, e sim ao que
funciona.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNoSpacing">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Alguém poderia manifestar que os “teóricos” do Design Inteligente,
assim como os “teóricos” dos alienígenas do passado (ou do Antigo Astronauta)</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=875486407199757733#[i]">[i]</a><span style="font-size: 12pt;">, têm todo o direito de se
expressar. Isso é óbvio. O que é temerário não é a existência de panfletos
defendendo a realidade de um projetista que tenha conscientemente criado todas
as formas de vida do universo, ou a realização de congressos de “pesquisadores”
e entusiastas sobre o tema. Qualquer forma de conhecimento, seja ela convergente
ou dissonante das nossas premissas científicas ou crenças, deve circular
livremente; o fomento ao debate de ideias é condição essencial para o
refinamento do intelecto e a manutenção de sociedades democráticas e menos
desiguais. O que não se pode é misturar maçãs e laranjas: <b>o Design Inteligente NÃO é ciência e,
portanto, NÃO deve ser ensinado como tal</b>. Ele não é uma explicação
alternativa à teoria evolutiva. O Design Inteligente é retórica criacionista,
uma forma de introduzir o literalismo bíblico nas aulas de ciências, que
deveriam ter por objetivo permitir aos estudantes discutir e examinar
evidências científicas utilizadas para compreender a natureza, e não tratá-la
simplesmente como o resultado de um evento único e deliberado de criação
perpetrado por um agente externo à própria natureza</span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";"> e que teria relatado todo o seu
trabalho em um livro confuso, contraditório, e cheio de circunvoluções
literárias.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNoSpacing">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNoSpacing">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Quem entraria em uma padaria para encher o tanque do seu carro </span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">ou procuraria na loja de materiais
de construção por um maço de alfaces? É muito simples: se não é ciência, não
deve ser ensinado ou discutido como ciência. Não existem artigos sobre Design
Inteligente publicados em periódicos científicos confiáveis – é de se esperar
que revistas bem qualificadas tenham um sistema de revisão por pares, ou <i>peer-review</i>, no qual os trabalhos
submetidos são avaliados por pesquisadores especializados, que emitem pareceres
favoráveis ou não à publicação. Não há experimentos ou observações capazes de
testar as premissas dessa pseudociência</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=875486407199757733#[ii]">[ii]</a><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Se alguém imagina que os relatos criacionistas judaico-cristãos
devam ser ensinados durante as aulas de ciências, que defenda também o ensino
dos mitos de criação indígenas, das mirabolâncias fantásticas da Cientologia e
dos ditames do Pastafarianismo, além de todas as mais de 6.000 crenças
religiosas existentes no planeta. Foi mais ou menos esse o argumento levantado
pelo físico norte-americano Bobby Henderson (1980– ) em 2005. Ele era um
estudante da Oregon State University, nos EUA, e mandou uma carta aberta ao
conselho de educação do estado do Oregon, que discutia a possibilidade de
incluir o Design Inteligente no currículo escolar. S</span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">eu texto é um estupendo exemplo de
ironia e sarcasmo (faço aqui uma tradução livre de um excerto. O original pode
ser encontrado <a href="http://www.venganza.org/about/open-letter/" target="_blank">AQUI</a> </span><span style="font-size: 12pt;">):<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt;">Eu e muitos outros ao redor
do mundo aceitamos fortemente que o universo foi criado por um Monstro Espaguete
Voador. Foi Ele quem criou tudo o que vemos e o que sentimos. Sentimos
fortemente que as extraordinárias evidências científicas que defendem a
existência de processos evolutivos não são mais do que coincidências, colocadas
lá por Ele.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt;"><br /></span></i></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt;">É por essa razão que estou
lhes escrevendo hoje, para formalmente requisitar que essa teoria alternativa
seja ensinada em suas escolas, juntamente com as outras duas teorias. De fato,
eu iria longe o suficiente para processá-los caso vocês não concordem com isso.
Estou certo que vocês estão percebendo para onde vamos. Se a teoria do Design
Inteligente não é baseada na fé, mas é apenas outra teoria científica, como ela
clama, então vocês devem permitir que nossa teoria seja ensinada, uma vez que
ela também se baseia na ciência, e não na fé.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt;"><br /></span></i></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt;">Alguns acham difícil
acreditar por isso talvez seja útil contar-lhes um pouco sobre nossas crenças.
Nós temos evidências que um Monstro Espaguete Voador criou o universo. Nenhum
de nós, é claro, estava lá para ver, mas temos escritos que contam a respeito.
Temos inúmeros volumes grossos explicando todos os detalhes do Seu poder (...)<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">O Design Inteligente é tão científico quanto o Monstro Espaguete
Voador e não pode ser ensinado em aulas de ciências, de nenhum nível, seja
fundamental, médio ou superior. Design Inteligente é uma tática desonesta que
tem por objetivo tornar obrigatório aos estudantes entrarem em contato com uma
visão de mundo criacionista compartilhada por um grupo em detrimento a milhares
de outras igualmente absurdas do ponto de vista científico. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Incluir o Design Inteligente nos currículos escolares é um crime
contra o Estado laico, contra a ciência e até contra a liberdade religiosa</span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">. Se o sujeito é hindu, ou
xintoísta, ou pastafariano, por que tem que estudar o mito de criação de outra
religião e não da sua?). No Brasil, ainda
(escrevo isso em janeiro de 2019, pouco após a posse do novo presidente do
Brasil), tal medida seria frontalmente inconstitucional</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=875486407199757733#[iii]">[iii]</a><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">As aulas de ciências são espaços próprios para se discutir a necessidade
de evidências que suportem nossas afirmações. Crianças e adolescentes devem ser
incitados a não acreditarem em proposições quando não existem fundamentos para
supô-las verdadeiras: sem ceticismo não há alfabetização científica. Ao tentar
impor aos jovens em formação a ideia de que um projetista foi responsável por
tudo o que existe no universo, advogamos abertamente a favor da irracionalidade
e do obscurantismo. </span><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Influenciar a educação
científica dos estudantes, por força de lei e de interesses sub-reptícios de
congregações religiosas e agendas políticas, é impedir que uma geração inteira
acorde do pesadelo do subdesenvolvimento e da submissão intelectual.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt;"><br /></span></i></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt;">Dum spiro spero</span></i><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=875486407199757733#[iv]">[iv]</a><span style="font-size: 12pt;">. Mesmo na atual realidade distópica em que vivemos, repleta de ignorância, retrocessos e crenças cegas que se sobrepõem às evidências e ao livre pensar, uma aurora menos cinzenta é possível. Para tal, devemos combater a crescente barbárie que assola a civilização contemporânea com as armas da razão, do pensamento científico e do humanismo. Incansavelmente.</span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman";">Notas </span></b></div>
<div>
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="edn1">
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="[i]">[i]</a> Essa
hipótese pseudocientífica descreve a crença de que criaturas extraterrestres
visitaram a Terra há milhares de anos, e que interagiram de alguma forma com
civilizações humanas; em algumas das suas vertentes, “teóricos” dos alienígenas
do passado chegam mesmo a dizer que foi os ETs interviram na evolução da vida
no nosso planeta através de experimentos genéticos.<o:p></o:p><br />
<br /></div>
</div>
<div id="edn2">
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="[ii]">[ii]</a> No
dia 14 de dezembro de 2015, a conceituada revista PLoS One (acrônimo para
Public Library of Science One) aceitou para publicação o artigo “Biomechanical
Characteristics of Hand Coordination in Grasping Activities of Daily Living” –
em tradução livre “Características Biomecânicas da coordenação da mão em
atividades de agarramento na vida diária” – de autoria de Ming-Jin Liu, Cai-Hua
Xiong, Le Xiong e Xiao-Lin Huang. Em linhas gerais, o trabalho tinha entre suas
conclusões a ideia de que a habilidade manual humana extraordinária revela
(pasmem!) o design divino. Se somos tão hábeis em agarrar objetos, clicar em
sites maliciosos e digitar infindáveis mensagens no Whatsapp, o artigo da PLoS
One sugere fortemente que isso tudo é obra de Deus. Para os autores: “(...) A
ligação funcional explícita indica que a característica biomecânica da
arquitetura conectiva tendínea entre músculos e articulações é o design
adequado feito pelo Criador para realizar uma infinidade de tarefas diárias de
uma maneira confortável”. Dado o burburinho da comunidade científica, o artigo
de Liu e seus colaboradores foi retratado pelo periódico, que se desculpou e
prometeu apurar em que passo (ou passos) do processo de revisão houve
equívocos.<o:p></o:p><br />
<br /></div>
</div>
<div id="edn3">
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="[iii]">[iii]</a> Em
03 de janeiro de 2019, foi aprovada no Brasil a lei 13.796, que altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional e assegura, aos alunos regularmente
matriculados em instituições de ensino públicas ou privadas, o direito de
ausentar-se de provas ou aulas marcadas para os dias em que for vedado o
exercício de tais atividades segundo os preceitos de sua religião; essa nova
lei entra em conflito com o princípio de um Estado laico, garantido pela
Constituição Federal brasileira promulgada em 1988.<o:p></o:p><br />
<br /></div>
</div>
<div id="edn4">
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="[iv]">[iv]</a>
Enquanto respiro, tenho esperança.<o:p></o:p></div>
</div>
</div>
<div style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: center; text-indent: 0cm;">
</div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-23450764673196843812016-09-26T21:44:00.002-03:002019-11-02T16:47:13.869-03:00Taxonomia não é ufologia!<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
"Eu quero acreditar". Esse era o mote de um dos seriados mais icônicos dos anos 1990, Arquivo X. Semana a semana, os agentes do FBI Fox Mulder e Dana Scully se viam investigando o aparecimento de seres espetaculares, monstros pré-históricos redivivos, pés-grandes e organismos extraterrestres co-participantes de uma conspiração mundial de proporções quase inimagináveis. Eu achava tudo muito divertido e acompanhava fielmente a série, ainda que o criador Chris Carter não tivesse preocupação alguma com precisão científica.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Recentemente, alguns taxonomistas ressuscitaram o slogan "Eu quero acreditar" em um contexto distinto: eles têm defendido a possibilidade de se descrever novas espécies mesmo ser terem em mãos qualquer material biológico fisicamente palpável. Bastaria uma foto e a indicação de um especialista, sugerindo que a espécie fotografada não é conhecida pela ciência, para justificar um novo trabalho de descrição taxonômica. Coleta de material biológico? Não é necessário! Depósito de espécimes em museus e coleções de história natural? Dispensável! Sequenciamento de material genético, dissecção de partes anatômicas importantes para a diagnose da espécie, análise do comportamento do organismo no ambiente natural? Detalhes demais para um mundo de demandas tão aceleradas...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Na taxonomia tradicional, é prática corriqueira a coleta de espécimes através de técnicas como armadilhas montadas em áreas naturais ou procedimentos ativos (na entomologia, ramo da zoologia que trata do estudos dos insetos, usamos puçás no campo, que são redes de "caçar borboletas"). Os indivíduos coletados, caso não sejam identificados como nenhuma espécie conhecida, podem ser descritos como novas espécies, recebendo um nome - formado pelo <i>gênero </i>mais um <i>epíteto específico - </i>a partir de regras de nomenclatura derivadas daquelas criadas por Carolus Linnaeus no século XVIII.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As descrições de espécies dependem da observação pormenorizada dos indivíduos coletados. Estas podem ser realizadas a olho nu, em microscópios ópticos, eletrônicos ou estereomiscroscópios, muitas vezes após dissecções dos espécimes e montagem das suas partes em lâminas permanentes ou temporárias. Tal trabalho consome muito tempo porém é imprescindível para identificações e descrições precisas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A única forma de garantir que as “novas espécies” descritas não existam apenas no mundo das ideias é estudando os indivíduos que serviram de base para as descrições. Sem eles, a zoologia e a botânica sempre se remeterão à autoridade: a existência de uma espécie dependerá de se acreditar (ou não) na idoneidade do taxonomista e na pertinência da sua fonte única de evidências primárias. Só que não é difícil encontrar pesquisadores inidôneos...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Neste ano de 2016, um entomólogo russo - Sergey Viktorovich Pushkin - publicou uma nova espécie de besouro da família Dermestidae. Ele a nomeou <i>Thaumaglossa zhantievi</i>. No trabalho original (que pode ser baixado <a href="http://easletters.com/volume3-issue4-2016/EASL-2016-3-4-12-14.pdf"><b>AQUI</b></a>), há uma foto da região dorsal de um espécime e uma ilustração da terminália (a porção reprodutiva, fundamental para a diagnose de muitos insetos) (Figura 1).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjgsPjFgnSwuqJAbOMxKgJ5G1TbDlq_jyQQ3fzIwjMnRmsx6Bo_3sMhB0ySvROsf7SA8I6gyCTKiEZTEQfnR8_2Vs93t55yTtuY9LPlfpgvrelABxbpw9ExOXrVy4CU6uPmch9mD0IDSdo/s1600/Fake_species.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="295" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjgsPjFgnSwuqJAbOMxKgJ5G1TbDlq_jyQQ3fzIwjMnRmsx6Bo_3sMhB0ySvROsf7SA8I6gyCTKiEZTEQfnR8_2Vs93t55yTtuY9LPlfpgvrelABxbpw9ExOXrVy4CU6uPmch9mD0IDSdo/s400/Fake_species.jpg" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: center;">
Figura 1: A "nova espécie" <i>Thaumaglossa zhantievi.</i></div>
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda que a descrição seja demasiado sintética, seria válida. Está de acordo, por exemplo, com o que define o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica. No entanto, a foto utilizada no artigo de Pushkin como representativa dessa nova espécie foi simplesmente roubada de um outro artigo publicado anos atrás, que descrevia a espécie de dermestídeo <i>Thaumaglossa laeta </i>(as fotos do material utilizado nesta descrição podem ser vistas <a href="http://www.dermestidae.com/Thaumaglossalaeta.html"><b>AQUI</b></a>). Pushkin COPIOU a foto de <i>T. laeta</i>, fez algumas pequenas alterações através de algum software de edição digital de imagens, e inseriu no seu próprio trabalho. Não contente, a ilustração da terminália da "espécie nova" <i>T. zhantievi </i>também foi roubada de outro trabalho, que descrevia <i>Thaumaglossa mroczkowskii</i> (Figuras 7 e 9 do artigo disponível <a href="http://www.biol.uni.wroc.pl/cassidae/Thaumaglossa%20mroczkowskii.pdf"><b>AQUI</b></a>).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em suma: o entomólogo russo simplesmente INVENTOU uma nova espécie! Ele surrupiou a foto de uma espécie publicada e já descrita, deu uma arrumada no Photoshop (deixando o espécime simétrico), roubou a ilustração de uma terminália de outra espécie, fez o mesmo procedimento no Photoshop e... <i>voilá</i>! Mais uma "espécie nova" para emporcalhar a literatura, publicada em uma revista com índice de impacto e revisão-por-pares (ou ímpares já que deixaram passar tamanho absurdo).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A recente defesa da utilização de fotografias (sem coleta, sem análise de material de referências) como evidência suficiente para a descrição de novas espécies presta um desserviço à prática taxonômica. Abre precedentes para picaretagens como a de Pushkin e pode ser fatal para nossos esforços em direção ao aumento do conhecimento da biodiversidade e para a conservação biológica.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Por mais que estejamos vendo todos os dias os ambientes naturais se deteriorando - quando não completamente destruídos -, ainda que muitas espécies estejam sendo extintas (uma delas pode ter perecido no exato momento em que você lê esse breve ensaio), nada justifica a frouxidão científica. Descrever espécies não é um jogo em que ganha aquele cientista, grupo de pesquisa ou país que nomeia a maior quantidade de novos táxons. Não estamos nos Jogos Olímpicos da taxonomia. É preciso seriedade e apreço por práticas que garantam a repetibilidade nos laboratórios, permitindo a outros pesquisadores e interessados conhecer o máximo possível sobre uma espécie. Fotografias não são suficientes - elas não são substituto da realidade e sim uma representação dela.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
"Eu não quero acreditar" que uma espécie descrita existe de fato para além daquilo que foi publicado em um artigo científico. "Eu quero saber"! E, para isso, não dá para contar apenas com imagens. Taxonomia não é ufologia, é ciência. Deve ser tratada assim sempre.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Referências</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="text-align: start;">Amorim, D.S. et al. 2016. Timeless standards for species delimitation. <i>Zootaxa</i>, 4137(1), 121-128.</span><br />
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Pape, T. et al. 2016. Taxonomy: species can be named from photos. <i>Nature</i>, 537, 307.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
Santos, C.M.D. et al. 2016. On typeless species and the perils of fast taxonomy. <i>Systematic Entomology</i>, 41, 511-515. </div>
<div style="text-align: justify;">
Spineli, P.K. 2010. Mais humano que humano: o cyberpunk na fotografia de Blade Runner. <i>Revista Olhar</i>, 22, 162-186. </div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-10191984455482995422016-05-04T10:23:00.000-03:002016-09-24T17:08:04.494-03:00Breves resenhas: O mal ronda a Terra<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Desde 2013, sou representante docente no Conselho Universitário da universidade em que leciono. Um dia desses, apresentando o relato de uma proposta de pós-graduação neste conselho, sugeri que os coordenadores do projeto tomassem bastante cuidado com a produção científica/acadêmica dos seus docentes credenciados e que levassem em consideração a possibilidade de reduzir o número de disciplinas ofertadas, na tentativa de garantir uma alocação didática mais eficiente nos anos vindouros. Por isso, fui taxado de “direitista” e “alinhado com o imperialismo exploratório eurocentrista” por uma das representantes deste mesmo conselho, particularmente encarniçada (e, como de praxe entre os extremistas de qualquer matiz, sem nenhuma <i>finesse </i>ou humor), ainda que minha sugestão de encaminhamento tenha sido pela aprovação da proposta de pós-graduação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O historiador Tony Judt (1948–2010) levantou-se inúmeras vezes contra perspectivas anacrônicas como a citada acima, dada a sectarismos e ausência completa de empatia e generosidade para com o alheio. Para Judt, é preciso aprender a lidar com as necessidades comuns rejeitando o individualismo niilista da direita e o socialismo deturpado do passado. Em seu último livro publicado em vida, “O mal ronda a Terra: um tratado sobre as insatisfações do presente” (de 2010), ele discute a necessidade de se abandonar a fé cega no mercado e de colocar o respeito à igualdade de direitos acima de qualquer coisa. Seguem abaixo alguns trechos da obra:</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O caráter materialista e egoísta da vida contemporânea não é inerente à condição humana. (p. 16)</blockquote>
<div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A última vez que um grupo de jovens expressou comparável desânimo pelo vazio de suas vidas e da frustrante falta de sentido do mundo foi nos anos 1920: não por acaso os historiadores falam de uma geração perdida. (p.17)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O governo pode desempenhar um papel maior em nossas vidas sem ameaçar a liberdade. (p. 19)</blockquote>
</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A desigualdade é corrosiva. Faz com que as sociedades apodreçam por dentro. (p. 30)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Quanto mais nos tornamos iguais, mais acreditamos que a igualdade é possível. (p. 32)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O crescimento econômico beneficia a todos, mas privilegia desproporcionalmente uma pequena minoria em posição de explorá-lo. (p. 33)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
[O pensamento econômico hoje] decreta que busquemos nossos interesses (definidos como vantagens econômicas maximizadas) com o mínimo de referência a critérios externos como altruísmo, renúncia, gosto, hábitos culturais ou propósitos coletivos. (p. 44-45).</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O medo e o descontentamento das classes médias deram origem ao fascismo. (p. 58)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Todos os empreendimentos coletivos exigem confiança (...) os humanos não conseguem atuar juntos a não ser suspendendo a desconfiança que sentem uns pelos outros. (p. 67)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O individualismo da nova esquerda não respeitava nem o propósito coletivo nem a autoridade tradicional (...) o que lhe restava era o subjetivismo do interesse e do desejo privados – medido de forma pessoal. Isso, por sua vez, conduzia ao recurso do relativismo estético e moral: se algo é bom para mim, não me cabe determinar se é bom ou mal para outros – e muito menos impor isso a eles (p. 90)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O único motivo para os investidores privados adquirirem empresas publicas aparentemente ineficientes é a eliminação ou redução de sua exposição ao risco, bancada pelo Estado (...) como jamais se permitira a quebra de serviços indispensáveis, elas podiam correr riscos, gastar mal e desbaratar recursos à vontade, sabendo que o governo acabaria pagando a conta. (p. 108-110).</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Ao reduzir as responsabilidades e possibilidades do Estado, minamos sua situação pública. (p. 113-114).</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Qualquer sociedade (...) que destrói a estrutura de seu Estado logo se vê ‘desconectada, reduzida ao pó da individualidade’. (p. 116)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Uma consequência impressionante da desintegração do setor público tem sido a crescente dificuldade em compreender o que temos em comum com outras pessoas. (p. 117)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Se os bens públicos – serviços, espaços, instalações – se desvalorizam, perdendo importância aos olhos dos cidadãos, e dão lugar a serviços privados disponíveis só para quem pode pagar, então perdemos o senso de que os interesses comuns e as necessidades comuns devem ter prioridade sobre as preferências privadas e a vantagem individual. (p. 125)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Numa era em que os jovens são estimulados a maximizar o interesse e o progresso individuais, o incentivo ao altruísmo e até ao bom comportamento se torna obscuro. (p. 125)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Se não respeitamos os bens públicos; se permitimos ou estimulamos a privatização nos espaços, recursos e serviços públicos; se apoiamos com entusiasmo a propensão de uma geração mais jovem a cuidar exclusivamente de suas próprias necessidades, então não deveremos nos surpreender com a progressiva redução do engajamento cívico no processo público de tomada de decisões. (p.126)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Por que temos tanta certeza de que planejamento ou taxação progressiva, ou propriedade coletiva de bens públicos, são restrições intoleráveis à liberdade? Por outro lado, por que câmeras de televisão de circuito fechado, ajuda estatal para bancos de investimentos “grandes demais para quebrar”, telefones grampeados e guerras custosas no exterior são ônus aceitáveis para um povo livre? (p. 144)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Há um preço a pagar pelo conformismo. Um círculo fechado de opiniões ou ideias no qual o descontentamento ou a oposição jamais são permitidos – ou aceitos apenas dentro de limites predeterminados e artificiais – perde sua capacidade de reagir a novos desafios com energia ou imaginação. (p. 147)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Repúblicas e democracias só existem em virtude do engajamento de seus cidadãos na condução dos negócios públicos. Se cidadãos ativos e preocupados descartam a política, eles abandonam a sociedade aos mais medíocres e venais servidores públicos. (p. 153)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Politicamente falando, vivemos na era dos pigmeus. (p. 154)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Os ricos não querem a mesma coisa que os pobres. Quem depende do trabalho para sustentar a família não quer a mesma coisa que quem vive de investimentos e dividendos. Quem não precisa dos serviços públicos – pois pode adquirir transporte, educação e segurança privadas – não busca o mesmo que as pessoas que dependem exclusivamente do setor público. (...) As sociedades são complexas e convivem com interesses conflitantes. Afirmar o contrário – negar distinções de classe, riqueza ou influência – é só um jeito de privilegiar um conjunto de interesses em detrimento de outro. (p. 157)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Acesso desigual a recursos de qualquer tipo – dos direitos humanos à água – é o ponto de partida de qualquer crítica progressista verdadeira do mundo. Mas a desigualdade não é apenas um problema técnico. Ela ilustra e exacerba a perda da coesão social – a ideia de morar num conjunto de condomínios fechados cujo principal propósito é afastar outras pessoas (menos afortunadas que nós) e restringir nossos privilégios a nós a nossas famílias tornou-se a patologia da época e a maior ameaça à saúde de qualquer democracia. (p.170-171)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A volta à ditadura pode ser sedutora em países nos quais a tradição autoritária mantém considerável apoio silencioso. (p. 199)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Todos os argumentos políticos precisam começar por uma avaliação de nossa atitude não apenas em relação aos sonhos de progresso futuro mas também das conquistas passadas: nossas e de nossos antecessores. (p. 209)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<b>Referência:</b></div>
<div style="text-align: justify;">
Judt, T. 2010. <i>O mal ronda a Terra: um tratado sobre as insatisfações do presente. </i>Tradução: Celso Nogueira. Editora Objetiva, Rio de Janeiro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">Ilustração de Joe Ciardiello (www.nytimes.com)</span></div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-41425298970159862592016-03-24T21:48:00.001-03:002016-04-07T03:52:42.016-03:00Breves resenhas: Histórias impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1W6j20MSEbfqrmmz36Dp-HMOsfcjTpf5XamTuOKSQWBrFqY80KdSGtk5O-W2Oj-vUjKjx9GgnGgzqvafE90HKw1Q5Ddyt9Nli8tFjfugyMW-Ex7Rocbi02dbRsGHlbWaVDtLbaUuPX0o/s1600/student-sq.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="226" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1W6j20MSEbfqrmmz36Dp-HMOsfcjTpf5XamTuOKSQWBrFqY80KdSGtk5O-W2Oj-vUjKjx9GgnGgzqvafE90HKw1Q5Ddyt9Nli8tFjfugyMW-Ex7Rocbi02dbRsGHlbWaVDtLbaUuPX0o/s400/student-sq.jpg" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em 2008, a Editora Planta publicou um simpático livro intitulado <b>“Histórias impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores”</b>. Nele, o professor da Universidade Estadual de Londrina Efraim Rodrigues discute a relação orientador-aluno, as ferramentas fundamentais de um trabalho científico-acadêmico e como estruturá-lo perante a miríade de idéias e dificuldades do pós-graduando. Tudo isso em uma linguagem atraente e amigável, sem tecnicismos desnecessários.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É uma leitura indicada para todos aqueles que passam manhãs, tardes e noites nas bancadas de laboratórios, em escrivaninhas e nos seus computadores pensando e produzindo ciência. Professores e alunos têm muito a ganhar das dicas dadas por Rodrigues nesse livro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Seguem alguns trechos [cuidado! Contém spoilers!]:</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Seu candidato a orientador quer, entre os inúmeros candidatos que pulam de galho em galho, um que realmente se comprometa com o investimento que será feito nele, e que retornará para o programa de pós-graduação um trabalho no prazo exigido e da maior qualidade, tudo isso realizado com a menor assistência possível. (p. 4)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O aluno admira o orientador e é difícil para ele crer que seu orientador possa saber menos que ele sobre o trabalho. A se somar a isto, bons orientadores têm vários orientados, aulas, administração universitária, consultorias... Mais e mais detalhes para lembrar. Um belo dia seu orientador não lembra quantas repetições tem seu experimento e, cinco minutos depois, o aluno está no <i>Orkut</i> [o livro é de 2008, vamos dar um desconto!] dizendo que seu orientador tem amnésia aguda. (p. 11)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
[É imprescindível] adquirir uma casca, uma proteção contra o lado destrutivo e desanimador da crítica. (...) O maior desafio em relação às críticas é manter a convicção de que seu trabalho só melhora com elas. (...) Anote as críticas porque seu cérebro não irá fazê-lo. (p. 17-19)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A crítica que vem de fora interage com a idéia que temos de nós mesmos e de nosso trabalho, às vezes de maneira explosiva. As pessoas mais sensíveis a comentários negativos costumam ser aquelas que já possuem um complexo de inferioridade. Quando a mensagem que vem de fora reforça esta imagem interna negativa, o resultado pode ser forte a ponto do aluno abandonar seu trabalho, assim como todo o investimento anterior. (...) Quando algo desce do limbo platônico, perfeito, que só existe na cabeça das pessoas, ele passa a ter as imperfeições deste nosso mundo real e passa a receber críticas. (p. 21) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Um bom trabalho acadêmico vai exigir tanto de você quanto um filho pequeno. (p. 27) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Uma outra válvula de escape para almas ansiosas é a procrastinação. (...) é infinita a nossa criatividade para arrumar compromissos inadiáveis. Uma solução que costumo adotar é mudar de local para me dedicar a trabalhos mais sérios. Quando você vai passar alguns dias em um local diferente para organizar as idéias e escrever, você naturalmente se obriga a voltar com mais do que foi e medir o quanto fez nesses dias contados, tão difíceis de subtrair de seu cotidiano. (...) Muitas vezes a procrastinação é causada pela insegurança em relação aquilo que estamos escrevendo. Uma solução neste caso é permitir-se escrever de qualquer jeito (...) só para vencer a inércia. É sempre possível editar depois o que escrevemos nestas horas de desespero. (p. 32)<span style="text-align: center;"> </span></blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O ambiente acadêmico em que seu trabalho é elaborado determina muito do que ele se tornará. Se o líder deste grupo é um pesquisador de alta produtividade, então você terá como colegas os melhores alunos. Haverá alunos de doutorado, mestrado e graduação atuando em conjunto, fazendo estas idéias todas fluírem de um lado para outro, principalmente de cima para baixo, para benefício óbvio de quem está começando mas também de quem já está há mais tempo e precisa acumular experiência em liderar pessoas. Frequentemente haverá gente de fora querendo vir conhecer o que está acontecendo ali e também trazendo idéias novas. (p. 37) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Minha política com meus orientandos sempre foi deixá-los muito soltos porque não acredito que trazê-los em rédea curta ajuda seu amadurecimento. (...) Aprender dói e toma tempo. (p. 42) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O fato de você ter um projeto não implica que você terá que levá-lo até o fim da forma como projetou. Tendo um projeto, você anda em uma direção. (...) Sem projeto, você fica andando em círculos ao redor do lugar de onde saiu. (p. 57) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Chaplin dizia que a forma mais elevada de arte é simplificar o assunto mais importante do mundo ao ponto que todos possam apreciá-lo e compreendê-lo. (p. 92-93) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Não coloque “obrigado” no último slide, nem somente o seu e-mail. Seu último slide deve conter as idéias que sua platéia vai levar para casa. O último slide deve ficar lá enquanto você responde às perguntas. Quanto mais tempo, mais ele cumprirá sua função. (p. 95) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A divulgação de seu trabalho acadêmico faz parte de algo mais amplo, que é o marketing pessoal. Estar na mídia faz você ser visto e abre possibilidade de atuação para você. Portanto, a divulgação do seu trabalho deve começar antes de concluí-lo e não terminar jamais. (p. 100) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Para Vulcano, o Deus da forja na mitologia grega, conhecer pessoas é desnecessário porque sua ênfase é toda em seu trabalho. (...) Na mitologia grega, Mércurio é o Deus que transita entre mundos e faz a comunicação entre eles. (...) O trabalho acadêmico, ao menos em sua elaboração, pede mais de Vulcano que de Mercúrio. (p. 105) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Casamentos podem ser desfeitos mas um trabalho acadêmico será seu e você será dele até mesmo depois que a morte os separe. (p. 107) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
As pessoas só lerão seu trabalho quando se interessarem, nesta ordem, pelo título, palavras-chave e resumo. (...) O título é o melhor, menor e mais visível resumo de seu trabalho. (p. 127) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A resposta: “Meu orientador disse para fazer assim”, assim como suas variantes, é desagradável na iniciação científica, feia no mestrado e vergonhosa no doutorado. (...) Você tem que conseguir defender os métodos que utilizou. (p. 129) </blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O fim absoluto do trabalho acadêmico não existe. Seria possível continuar a escrever um único trabalho por toda a vida, por vezes burilando à beira da perfeição, em outros momentos rasgando tudo e começando do zero, fazendo grandes progressos em alguns momentos e quase parando em outros. (...) Trabalho acadêmico algum fica absolutamente pronto. (p. 155)</blockquote>
<b style="text-align: justify;"><b>Referência:</b></b><b></b><br />
<b>
</b>
<div style="text-align: justify;">
Rodrigues, E. 2008. <i>Histórias impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. </i>Editora Planta, Londrina.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"><b>Imagem: </b>https://www.eff.org/</span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-27224207334400094312016-03-04T17:02:00.002-03:002016-03-04T20:49:09.433-03:00 JEsUs One: a pseudo-ciência do design inteligente às portas da academia<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-CCYqCaG31QZiN38FsP7ysXNspWCLe8z5Q4iT5pFCn3mVAx62IFIqJ9O2dechXU_3iPKqu8oNSY0JfJtbpWe1EHOJKet4uPnw81KRLQq3pghpxypEZz64gTFZMDJIljkYpHxRWAwZxqE/s1600/gorilla-looking-at-hands_medium_Roy+Winkelman.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="265" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-CCYqCaG31QZiN38FsP7ysXNspWCLe8z5Q4iT5pFCn3mVAx62IFIqJ9O2dechXU_3iPKqu8oNSY0JfJtbpWe1EHOJKet4uPnw81KRLQq3pghpxypEZz64gTFZMDJIljkYpHxRWAwZxqE/s400/gorilla-looking-at-hands_medium_Roy+Winkelman.jpg" width="400" /></a></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
O dia 14 de dezembro é especial para mim. É dia de aniversário da minha mulher e também do meu irmão. Desde o ano passado, esse dia também deverá ser lembrado pela comunidade científica, especialmente pelos pesquisadores que trabalham em laboratórios voltados às ciências biológicas. Foi no dia 14 de dezembro de 2015 que a conceituada revista PLoS One (acrônimo para Public Library of Science One) aceitou para publicação o artigo “Biomechanical Characteristics of Hand Coordination in Grasping Activities of Daily Living” – em tradução livre “Características Biomecânicas da coordenação da mão em atividades de agarramento na vida diária” – de autoria de Ming-Jin Liu, Cai-Hua Xiong, Le Xiong e Xiao-Lin Huang. A PLoS One é conhecida por seu alto índice de impacto e velocidade no <i>peer-review</i>, o processo de revisão pelos pares, base da ciência contemporânea, a partir do qual artigos submetidos para revistas científicas são avaliados por outros pesquisadores da área, que emitem pareceres favoráveis ou não à publicação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É de se esperar que revistas científicas bem qualificadas tenham um sistema de <i>peer-review </i>sério e que seus editores tomem extremo cuidado antes de aceitarem um trabalho para publicação. A PLoS, desde meados desta primeira semana de março, tem sido atacada por todos os flancos por conta do artigo de Liu e seus colaboradores. Em linhas gerais, o trabalho tem entre suas conclusões a ideia de que a habilidade manual humana extraordinária revela (pasmem!) o design divino. Se somos tão hábeis em agarrar objetos, clicar em sites maliciosos e digitar infindáveis mensagens no Whatsapp, o artigo da PLoS One sugere fortemente que isso tudo é obra de Deus. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O resumo do artigo é bastante revelador (abaixo em tradução livre): </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A coordenação das mãos permite aos humanos ter controle para executar várias tarefas na vida diária com muitos graus de liberdade. Um fator importante que contribui para esta importante habilidade é a arquitetura biomecânica complexa da mão humana. No entanto, estabelecer uma clara ligação funcional entre a arquitetura biomecânica e coordenação das mãos é um desafio. Não se entende quais características biomecânicas são responsáveis pela coordenação das mãos e qual o efeito específico que cada característica biomecânica tem. Para explorar esta ligação, nós inicialmente inspecionamos as características da coordenação das mãos durante as tarefas diárias através de uma análise estatística dos dados cinemáticos, que foram coletados a partir de trinta indivíduos destros durante diferentes tarefas que envolviam o ato de agarrar. Então, a ligação funcional entre a arquitetura biomecânica e a coordenação das mãos foi estabelecida por conta da clara causalidade correspondente entre as características conectivas tendíneas da mão humana e as características coordenadas durante as atividades diárias de agarramento.<b> A ligação funcional explícita indica que a característica biomecânica da arquitetura conectiva tendínea entre músculos e articulações é o design adequado feito pelo Criador para realizar uma infinidade de tarefas diárias de uma maneira confortável.</b></blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Repito: isso foi publicado em uma revista científica tida como de boa reputação e elevado fator de impacto. Comparem agora com o texto abaixo:</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
[A evolução] tenta explicar a origem das espécies. Os seres vivos são formados por órgãos eficientes, como o coração, pulmões e olhos. Também, no nível microscópico, vemos dentro das células ‘máquinas’ incrivelmente projetadas. Qual a origem desses projetos? (...) De onde vêm os mecanismos? (...) Num ecossistema, a interdependência pode ser vista numa escala imensa. Um ecossistema é um ambiente com uma comunidade talvez de milhares de tipos de animais, plantas, bactérias e fungos. Todos os animais dependem das plantas como fonte de alimento e oxigênio, e a maioria das plantas floríferas depende dos animais. Embora os ecossistemas sejam extremamente complexos e os organismos neles sejam frágeis, eles podem sobreviver por milênios. Mesmo quando um ecossistema complexo é afetado por poluição, ele se recupera assim que a fonte da poluição é eliminada. <b>Quando penso na capacidade de recuperação do inteiro sistema de vida na Terra, tenho certeza de que a vida foi projetada por Deus.</b></blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Este trecho saiu no site da revista Despertai!, um dos veículos de divulgação dos Testemunhas de Jeová. No meu entender, a lógica subjacente a ambas as passagens é a mesma (e a conclusão, idem).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Dado o burburinho da comunidade científica – que postou em massa comentários no site da PLoS One, muitos deles vindos de importantes editores e revisores da própria revista –, o artigo de Liu e seus colaboradores foi retratado ontem (03/03/2016). O periódico se desculpou e prometeu apurar em que passo (ou passos) do processo de <i>peer-review</i> houve equívocos (talvez fosse melhor o artigo ter sido revisado por “ímpares”, que certamente analisariam com mais cuidado seu conteúdo e linguagem). Da publicação no início de janeiro à retratação, foram pouco menos de dois meses. A despeito dos problemas vários, há vantagens no mundo digital em que tudo acontece em velocidade warp e dobra cinco!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O artigo de Liu e colaboradores é uma tentativa óbvia de incutir o discurso criacionista do Design Inteligente (DI) no meio científico acadêmico sério. Como discutido <a href="http://charlesmorphy.blogspot.com.br/2014/09/pseudo-ciencia-e-as-intencoes-do-design.html">aqui no blog</a>, o DI foi uma tentativade grupos religiosos inserirem o "criacionismo científico" no ensino de ciências dos Estados Unidos. O movimento foi criado no final dos anos 1980 pelo advogado Phillip Johnson, professor de direito em Berkeley (as credenciais “científicas” de Johnson são no mínimo questionáveis: além de não aceitar a teoria evolutiva, ele também negava que o vírus HIV era causa da AIDS). O DI não se fundamenta em evidências e teve todos seus débeis argumentos desconstruídos nas últimas décadas pela comunidade científica.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os defensores do DI postulam a ideia do criacionismo científico (!), baseado na pretensa existência de “complexidades irredutíveis” nos sistemas biológicos. Segundo o DI, a evolução gradualista não seria possível e, assim, todos os sistemas vivos não teriam se originado por etapas através de um mecanismo lento e gradual como o da seleção natural, e sim a partir do <i>blueprint</i> de um designer ou projetista, um Criador (!), que tivesse pensado, <i>a priori</i>, no encaixe perfeito entre todos os componentes constituintes da vida no universo. O DI retoma a Teologia Natural de William Paley, anterior à publicação do Origem das Espécies (1859) de Charles Darwin, segundo a qual as relações entre as partes orgânicas dos seres vivos e entre estes no ambiente seriam evidência irrefutável para um deus interventor responsável por toda a criação.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não é crime acreditar no Design Inteligente – assim como também não deve ser colocado atrás das grades os amantes da ufologia, da astrologia ou os “teóricos” dos alienígenas do passado. O que assusta não é a existência de panfletos defendendo a realidade de um designer sobrenatural e sim a interferência dessa visão pseudo-científica – com a tentativa de forçar a publicação de trabalhos como o da PLoS One – na prática acadêmica corriqueira. É fato: não se pode misturar maçãs e laranjas. O Design Inteligente NÃO é ciência e, portanto, NÃO deve ser tratado como tal. Assim como não esperamos encontrar um artigo discutindo as previsões para cada signo do zodíaco em revistas do tipo Nature ou Science (que têm grande impacto entre os cientistas), também não imaginamos que conclusões pseudo sobre DI apareçam em periódicos sérios como esses. O Design Inteligente é retórica criacionista e uma forma tacanha de introduzir o literalismo bíblico nas ciências.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O único ponto positivo desse imbróglio com a PLoS One foi a certeza de que a comunidade científica mundial, cada vez mais conectada (e antenada na importância de mídias sociais para a disseminação do conhecimento), está atenta às más práticas editoriais. Isso é um alento em um mundo repleto de ignorância e de crenças cegas em que ideologias e partidarismos sobrepõem-se ao ceticismo e às evidências.</div>
<span style="font-size: x-small;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<span style="font-size: x-small;">
</span>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">Foto de Roy Winkelman. Fonte: http://etc.usf.edu/clippix/picture/gorilla-looking-at-hands.html </span></div>
<span style="font-size: x-small;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<b><div style="text-align: justify;">
<b>Referência:</b></div>
</b><div style="text-align: justify;">
https://www.jw.org/pt/publicacoes/revistas/</div>
</span>Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-84647550975106881972015-10-26T19:19:00.000-02:002015-10-26T19:20:30.032-02:00O hipopótamo, o enxadrista e a arrogância dos cientistas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9K9T7W6qvnO-3uKg2RN7MI02XGn1GV0yms_CgJFB05KEfzWnIAfdUSxa8AxbgYEoZkkwXf0gIMKDHBvQ91qF9NJhFr-rz2J7tncxLT7-jtBaDhBU16EIKDYrwRHEqhkRllsq36LrZCv4/s1600/black-and-white-chess.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9K9T7W6qvnO-3uKg2RN7MI02XGn1GV0yms_CgJFB05KEfzWnIAfdUSxa8AxbgYEoZkkwXf0gIMKDHBvQ91qF9NJhFr-rz2J7tncxLT7-jtBaDhBU16EIKDYrwRHEqhkRllsq36LrZCv4/s640/black-and-white-chess.jpg" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nas últimas semanas, a discussão a respeito da “Pílula da USP”, um suposto fármaco capaz de curar o câncer, tem tomado conta de parte da comunidade científica brasileira. O debate, infelizmente, apóia-se em teorias conspiratórias e a cada dia ganha ares de histeria coletiva. Desconsidera, quando não nega explicitamente, a importância de se divulgar como o respeito a certos protocolos na ciência é crucial e como a atividade busca incessantemente questionar as hipóteses levantadas nas bancadas e laboratórios. O status de hipótese científica deve ser dado apenas àquelas ideias que correspondem a conjecturas testáveis e que são, portanto, falseáveis. Assim, elas podem vir a ser refutadas ou corroboradas segundo critérios delimitados e evidências adicionais, mas nunca confirmadas como verdades inquestionáveis ou dogmas. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ser diagnosticado com câncer é ser confrontado, diretamente e de maneira brutal, com sua própria finitude (tive uma experiência muito próxima com essa questão – meu pai faleceu há pouquíssimo tempo por conta de um tumor nos rins que se alastrou rapidamente). O jornalista Christopher Hitchens (1949–2011) começa assim o seu inacabado último livro, em que relata os dias finais da sua existência: “Mais de uma vez em minha vida acordei com a sensação de estar morto. Mas nada me preparou para o começo da manhã de junho em que recobrei a consciência sentindo-me como que acorrentado a meu próprio cadáver”.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A tendência (compreensível e perfeitamente justificável) de quem se encontra nessa situação é o apego a qualquer alternativa, por mais infundada que possa parecer ao espectador externo. Essa esperança por vezes vem da confiança no discurso científico ou naquele que usa de algum jargão típico das ciências, e ganha força, ímpeto e autoridade. Nesse ponto, pode-se ouvir o tique-taque da bomba-relógio... </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando o cientista não assume a responsabilidade pelo seu trabalho de pesquisa, seus pronuciamentos, seus anúncios à mídia, quando não leva em conta a necessidade de construir suas hipóteses a partir de evidências e de testes controlados, quando imagina estar em um pedestal de sabedoria inconstável e inabalável, quando ele se deixa levar pela lógica perversa do mercado e por sua própria arrogância, toda a sociedade perde.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Discuti um pouco a respeito desses temas no meu livro “O hipopótamo de Tal”, publicado recentemente. O ensaio que dá título à obra segue abaixo.</div>
<span style="font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><b>O hipopótamo de Tal</b></span></div>
<span style="font-size: large;">
</span>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><i>As ideias são ninharias. O que conta é o que fazemos com elas.</i></i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
Isaac Asimov, Antologia 2 (1992)</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Certa vez, em uma entrevista, perguntaram ao enxadrista russo Mikhail Tal (1936–1992) se ele pensava em algo além do xadrez quando se encontrava sentado ao tabuleiro defronte a um adversário. “Certamente”, disse. E citou um exemplo: em um dos muitos campeonatos patrocinados pelo então governo soviético, Tal encontrava-se em uma posição delicada na partida. Seu primeiro impulso foi sacrificar um dos cavalos, apesar de desconfiar da própria variante. “Comecei a calcular e me horrorizei com a ideia de que o sacrifício dera errado”. Segundo Tal, os pensamentos começaram a se amontoar em sua cabeça. Uma torrente caótica de possibilidades, às vezes sem nenhuma relação entre si, crescia sem parar de maneira monstruosa. Nesse momento, o jogador diz que se recordou de uma célebre poesia infantil soviética:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Oh, como é difícil o trabalho</div>
<div style="text-align: justify;">
De arrancar um hipopótamo do pântano!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Não conseguiria explicar porque esse hipopótamo se meteu no tabuleiro, mas a verdade é que, enquanto os espectadores achavam que eu estava analisando as jogadas, eu pensava em como diabos poderia arrancar um hipopótamo do pântano”. Olhando para as peças, Tal imaginava alavancas, arreios e helicópteros com escadas de corda. Depois de inúmeras tentativas, sem encontrar nenhum método aceitável de retirar o gigantesco artiodáctilo do meio da lama, ele desistiu do seu experimento mental e pensou, com amargura “Então, que se afogue!”.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mikhail Tal foi um dos maiores jogadores de xadrez que o mundo conheceu. Aprendeu a mexer os cavalos e torres aos oito anos de idade e, aos vinte, era pela primeira vez campeão soviético. Aos 23, sagrou-se campeão mundial, após derrotar mestres como Vasily Smyslov (1921–2010), Paul Keres (1916–1975) e Bobby Fischer (1943–2008). De fato, Tal é uma das unanimidades históricas das 64 casas, comparado em genialidade, criatividade e excentricidade aos também unânimes Paul C. Morphy (1837–1884) e ao já citado Fischer. Conhecido como o “mago de Riga” e dono de uma língua ferina, quando perguntado sobre seu estilo agressivo de jogo, Tal respondeu: “Há três tipos de sacrifícios: os corretos, os incorretos, e os meus”. Como a maioria dos grandes campeões do esporte, Tal confiava acima de tudo na sua própria capacidade de controlar uma situação surgida no tabuleiro de xadrez, contornando as dificuldades com maestria a fim de chegar a um desfecho favorável.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas, por que falar de Tal? O que as atitudes do enxadrista têm a acrescentar para uma análise dos rumos e das particularidades da ciência? </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há muitas analogias possíveis entre os maneirismos dos grandes jogadores de xadrez e o comportamento dos cientistas. Diferentemente do jogo dos reis, a ciência nem sempre ganha com a excessiva autoconfiança dos seus praticantes – que por vezes mal escondem uma sede por reconhecimento midiático e celebridade instantânea. A complexidade do mundo natural é bem maior que o número de variantes possíveis em uma partida de xadrez e não pode ser mensurada em uma bancada de laboratório. Aos pesquisadores cabem responsabilidades que fogem ao falso determinismo de suas fórmulas e protocolos de trabalho. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Parte dos cientistas acredita cegamente nos resultados de suas pesquisas e no seu absoluto controle sobre elas. Alguns o fazem por ingenuidade, outros por incompetência, alguns parecem nem mesmo se importar com os possíveis desdobramentos, futuros ou imediatos, das suas atitudes. Aliada à insensatez de parte dos pesquisadores vem a grande mídia, que divulga com desmedido entusiasmo os deslumbramentos científicos e pouco se presta à consulta de fontes fidedignas ou segundas opiniões. Os delírios do projeto Genoma, a utilização de células-tronco para pôr um fim às doenças que afligem o homem, os alimentos transgênicos... é longa a lista de áreas promissoras da biologia alardeadas como furos jornalísticos. As possíveis e prováveis consequências desses estudos, seus pormenores e idiossincrasias, as dificuldades surgidas e os falsos positivos geralmente ficam fora das primeiras páginas e dos pronunciamentos em horário nobre. Assim, concepções errôneas são propagadas, fornecendo combustível para questionamentos vazios e sem fim em torno de nada muito palpável.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É certo que o conhecimento científico deve ser levado ao grande público – a ciência é o escudo contra o obscurantismo, um facho de luz na escuridão de um mundo assombrado por demônios, na metáfora do astrônomo e divulgador da ciência Carl Sagan (1934–1996). Como diz David Shenk (1966– ), autor de <i>O jogo imortal: o que o xadrez nos revela sobre a guerra, a arte, a ciência e o cérebro humano </i>(publicado no Brasil em 2008), “É muito comum, nessa época fragmentada, pós-moderna e de verdades escorregadias, a reação de se negar a pensar e, em vez disso, cair num conjunto já estabelecido de crenças. Em suma: numa ideologia”. Entretanto, como qualquer atividade humana, a ciência tem sua própria sociologia, seus conflitos de interesse e contradições insolúveis que nunca sobem ao palco e que, quando muito, apenas se transformam em anedotas biográficas de livros nunca lidos. Como em um dramalhão televisivo, os bastidores do mundo científico escondem guerras de ego, brigas, vaidade, traições e, sobretudo, cobiça. A realidade da academia não destoa do mundo fora dela. Afinal, somos todos humanos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pesquisadores muitas vezes rendem-se a verbas vultosas oferecidas por empresas multinacionais ou governos para financiar projetos de grande monta. Organizam-se verdadeiras operações de guerra, com táticas publicitárias ferozes e “lavagem de cérebros”, para cooptar os corações e mentes do público e de quem quer que interfira com posições contrárias. Para os que insistem no embate resta o ostracismo ou o monólogo. </div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O projeto Genoma humano, por exemplo, por muitos considerado a maior realização científica do século XX, a mais extraordinária aventura da ciência na atualidade, a busca pelo verdadeiro cálice sagrado, é apenas o reconhecimento das bases nucleotídicas que compõem o material genético do Homo sapiens, a nossa espécie. Em qualquer organismo vivo conhecido, o DNA é composto por quatro tipos de unidades básicas chamadas nucleotídeos: adenina, guanina, timina e citosina (respectivamente, A, G, T e C, no jargão da biologia molecular). A informação presente na dupla-hélice do DNA corresponde a um código criptográfico com apenas quatro variáveis que podem ser aglutinadas em infinitas combinações de mensagens. O que se fez até o momento no projeto Genoma foi reconhecer qual a sequência dos nucleotídeos no DNA da nossa espécie. Em linhas gerais, é como conhecer as letras impressas nas páginas de um livro imenso sem saber o que elas significam juntas ou em que língua foram escritas. </div>
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<br /></div>
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O sequenciamento dos nucleotídeos prometido pelo projeto Genoma é apenas a etapa inicial de uma empreitada mais ampla, que visa ao conhecimento das expressões fenotípicas dos genes, das relações entre eles e da importância dos fatores internos (e não apenas genéticos) e externos (isto é, “ambientais”, em uma concepção ampla do termo) na determinação das características dos organismos vivos. Há muito trabalho a ser feito a partir dos resultados já obtidos. Muitos cientistas, entretanto, são céticos a respeito das possíveis consequências científicas e das reais intenções de empreendimentos desse porte. O eminente geneticista Richard Lewontin (1929– ), professor de zoologia da Universidade de Harvard, vê no projeto Genoma o esforço lobista de organizações voltadas mais para atividades financeiras e administrativas do que para a pesquisa básica em busca do conhecimento sobre o mundo natural. O futuro do Genoma, da clonagem e de outras áreas da biologia molecular não pode ser desvinculado de interesses comerciais.</div>
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<br /></div>
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Os alimentos transgênicos constituem outro exemplo claro de manipulação do público pela mídia e pelas empresas patrocinadoras. Esses alimentos são modificados através da inserção, no seu material genético, de porções de DNA de outras espécies, com vistas ao aumento do seu valor nutricional ou maior resistência a insetos e outros predadores naturais. Apesar dos aparentes benefícios da técnica, e assim como outros projetos megalomaníacos da biologia molecular, os transgênicos interessam muito mais às corporações internacionais do que à vasta população carente de comida. Lucro, controle da cadeia produtiva, mais lucro, vendas, dominação dos mercados. Ouvem-se poucas vozes importantes, parte delas abafada, a falar sobre os riscos e dúvidas sobre a introdução desses organismos geneticamente modificados no ambiente: não se sabe ao certo quão impactantes podem ser, tanto para a saúde animal (incluindo aí o homem) quanto para o equilíbrio das relações ecológicas interespecíficas. Ao grande público sobram os ditos imperiosos das autoridades, que se presumem titereiros debruçados sobre as cordas e o destino de suas criações. Esses exemplos, infelizmente, não esgotam o assunto.</div>
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<br /></div>
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A ciência não é capaz de chegar à certezas absolutas, mas busca se aproximar delas. É essa a razão do seu distanciamento dos dogmatismos religiosos e das crenças cegas. Aos pesquisadores, cabe reconsiderar suas percepções de grandeza e reconhecer que o poder e o controle em suas mãos é limitado. Suas verdades são transientes, visto que hipotéticas e baseadas nas evidências disponíveis. Não há como dominar em um laboratório todas as variáveis das equações da natureza, como Tal fazia com seus peões, cavalos e torres, e essa impossibilidade precisa ser considerada também pelo público não especializado como parte da ciência. </div>
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<br /></div>
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Como qualquer outra atividade humana, a prática científica também apresenta interesses muitas vezes velados e apendiculares, quase como se os cientistas estivessem vislumbrando como arrancar um hipopótamo de ouro do meio do lamaçal enquanto escrevem artigos para publicação e solicitam financiamento para seus projetos de pesquisa. Apenas quando a população tiver conhecimento sobre todas as regras do jogo científico ela poderá cobrar a verdade por trás das promessas de tantos admiráveis mundos novos que aparecem a cada dia.</div>
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<b style="font-weight: bold;">PS: </b>Para os interessados, o “Hipopótamo de Tal” pode ser solicitado<b style="font-weight: bold;"> pelo e-mail <a href="mailto:charlesmorphy@gmail.com">charlesmorphy@gmail.com</a>. </b>Cada exemplar custa R$ 25,00 (+ R$3,00 de frete).</div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-61162634946638093122015-05-31T17:52:00.002-03:002015-05-31T17:52:56.512-03:00O hipopótamo de Tal à venda!<div style="text-align: justify;">
Depois do lançamento no último sábado, dia 30/05, <b>já está à venda o livro "O hipopótamo de Tal"!</b></div>
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Apenas R$ 25,00 + um pequeno frete (pedidos atráves do e-mail <b>charlesmorphy@gmail.com</b>) ou diretamente com o prof. Charles Morphy na Universidade Federal do ABC (sala 641-3, Bloco A, torre 3).</div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaIyjo63YNx5CDQeyIbJtdO1wxgSYmGL05tImG9leoUcZB8QHkABxQhlpHWRr60Vi8Tu89qcDIswrKFVJ7BYCS7zdKMgvX88IKfV1YJiL9OL_KEw9uFLFv44QWH4M-47jQUvbaP5cl7R4/s1600/Venda+livro.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="403" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaIyjo63YNx5CDQeyIbJtdO1wxgSYmGL05tImG9leoUcZB8QHkABxQhlpHWRr60Vi8Tu89qcDIswrKFVJ7BYCS7zdKMgvX88IKfV1YJiL9OL_KEw9uFLFv44QWH4M-47jQUvbaP5cl7R4/s640/Venda+livro.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="_209g _2vxa" data-block="true" data-offset-key="f41i8-0-0" data-reactid=".2f.0.1.0.2.0.0.1.0.0.$f41i8" style="background-color: white; color: #141823; direction: ltr; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px; position: relative; white-space: pre-wrap;">
<span data-offset-key="f41i8-2-0" data-reactid=".2f.0.1.0.2.0.0.1.0.0.$f41i8.2:$f41i8-2-0"><br /></span></div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-71826405893477891162015-05-21T18:28:00.000-03:002015-05-21T18:28:49.250-03:00Lançamento do livro O hipopótamo de Tal!<div style="text-align: justify;">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiG_7vloUr6SG_nuN7TbGhhu6EISHyInLHYig2Fw4o8yeJ3WaZnBNP89cXfSclX8Q4g0EYrSc4tBF547B3zYmd2RUBwwdYlMDE-ucwNTLom__eb_RPYJw3so6YZ1-FBoXBVBb6YMauxwuY/s1600/Lancamento_hipopotamo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="401" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiG_7vloUr6SG_nuN7TbGhhu6EISHyInLHYig2Fw4o8yeJ3WaZnBNP89cXfSclX8Q4g0EYrSc4tBF547B3zYmd2RUBwwdYlMDE-ucwNTLom__eb_RPYJw3so6YZ1-FBoXBVBb6YMauxwuY/s640/Lancamento_hipopotamo.jpg" width="640" /></a></div>
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<b>O hipopótamo de Tal </b>traz versões expandidas de nove ensaios publicados neste blog. Discuto nele como o raciocínio científico é importante para compreendermos o mundo natural e para transcendermos interesses individuais em prol de uma visão coletiva de humanidade. Reconhecer a ciência como uma das balizas norteadoras da existência humana é uma das maneiras de promover uma sociedade saudável capaz de despertar das ilusões e fundamentalismos medievais que tentam tomá-la de assalto.</div>
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<br /></div>
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<b><b>Deuses e novos sacerdotes</b></b><br />
Segundo um postulado do geômetra grego Euclides (330 a.E.C1.–270 a.E.C.), duas retas distintas perfeitamente paralelas nunca se cruzam em um espaço tridimensional. Ao passo que se distanciam do observador, essas retas parecem ficar mais próximas uma da outra, mas nunca se tocam – elas coincidirão somente no infinito inatingível e não observável. Assim como as paralelas para a geometria, também as visões de mundo científica e religiosa não se sobrepõem quando respeitados seus limites e áreas de abrangência, e não devem ser postas em confronto direto, apesar das discordâncias dos defensores de ambos os lados.</div>
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<br /></div>
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<b><b>Faça-se a luz!</b></b><br />
Investimentos maciços no desenvolvimento científico-tecnológico e em educação são fatores significantes quando nossa espécie se vê frente a perigos impostos por fenômenos em muitas ordens de magnitude mais fortes do que nossas possibilidades de controlá-los. Esperar apenas que o profeta aponte os caminhos e garanta a salvação é um comportamento, no mínimo, ingênuo, quando não fatal.</div>
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<br /></div>
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<b><b>A parcimônia nas ciências</b></b><br />
Parcimônia vem do latim parcos e significa frugalidade, moderação, simplicidade. Esse conceito é comumente associado à economia de suposições em teorias científicas. Desde o início da ascensão da ciência como uma poderosa maneira de se compreender a natureza, ainda na Idade Média, tem havido uma demanda crescente pela simplicidade nas proposições científicas. Não é exagero dizer que a parcimônia é um componente essencial do conhecimento humano.</div>
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<br /></div>
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<b><b>O hipopótamo de Tal</b></b><br />
Há muitas analogias possíveis entre os maneirismos dos grandes jogadores de xadrez e o comportamento dos cientistas. Diferentemente do jogo dos reis, a ciência nem sempre ganha com a excessiva autoconfiança dos seus praticantes – que por vezes mal escondem uma sede por reconhecimento midiático e celebridade instantânea. A complexidade do mundo natural é bem maior que o número de variantes possíveis em uma partida de xadrez e não pode ser mensurada em uma bancada de laboratório. Aos pesquisadores cabem responsabilidades que fogem ao falso determinismo de suas fórmulas e protocolos de trabalho.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><b>Não havia evidências suficientes, Deus!</b></b><br />
O ceticismo não é uma perspectiva exclusiva das ciências. Ser cético é questionar qualquer conhecimento, fato, opinião ou crença estabelecida como fato. Filosoficamente significa aceitar apenas informações suportadas por evidências. Até mesmo as religiões podem se beneficiar dele, através, por exemplo, de autoanálises periódicas – ou, de preferência, constantes – que levem ao refinamento das premissas que constituem seu conhecimento de fundo. No entanto, as religiões, quando tomadas no geral, não fazem um esforço sincero para depurar o que alguns chamam de suas “superstições infundadas”. Adotar o ceticismo religioso significaria, por exemplo, colocar em dúvida princípios religiosos básicos como a imortalidade, a reencarnação ou a evolução espiritual.</div>
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<br /></div>
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<b><b>Das revoluções</b></b><br />
Em termos práticos, um novo paradigma pode ser mais atrativo, por exemplo, se ele fornece possíveis soluções a um maior número de problemas, ou se suas soluções são mais claras, objetivas e simples que aquelas fornecidas pelo paradigma anterior. Se um novo conjunto de ideias precisa de menos hipóteses <i>ad hoc</i> (que são os “remendos” feitos a uma hipótese inicial, a fim de salvar a explicação), ele certamente é vantajoso quando comparado a um paradigma que precise de inúmeros apêndices explicativos para funcionar a contento. Assim, um paradigma não é simplesmente rejeitado mas substituído em favor de alguma teoria alternativa, digamos, mais elegante. A transição funciona como uma reconstrução das bases teóricas e práticas da área de estudo, alterando algumas das suas generalizações mais elementares, bem como parte dos seus aspectos metodológicos e das suas aplicações. </div>
<b></b><br />
<div style="text-align: justify;">
<b><b>Somos todos ateus</b></b><br />
É concebível um cientista natural, como um biólogo, acreditar em Deus? Em minha opinião, sim, é concebível. Nem todos concordam, mas acredito que um biólogo pode acreditar em poderes divinos, assim como também tem o direito de torcer por qualquer time em qualquer campeonato de futebol (tenho um amigo zoólogo que torce por uma equipe diferente em cada estado em que já morou) ou de preferir jazz ao rock. No entanto, cientistas naturais que escolhem o caminho ambíguo da fé no sobrenatural precisam estar cientes das contradições que essa escolha pode acarretar. </div>
<b></b><br />
<div style="text-align: justify;">
<b><b>O desafio da alfabetização científica</b></b><br />
Pensar de maneira científica parece chave para uma educação mais eficiente, menos voltada à simples memorização e repetição de argumentos prévios ditados por figuras de autoridade. Para isso, a ciência tem que ser tratada como um processo, não como um conjunto de realizações prontas e postas à mesa tal qual um catálogo de curiosidades. Nesse sentido, a filosofia da ciência funciona como uma ferramenta extraordinariamente poderosa tanto para professores quanto para alunos.</div>
<b></b><br />
<div style="text-align: justify;">
<b><b>Da posição do <i>Homo sapiens</i> na árvore da vida </b></b><br />
O modo como os animais são tratados em fazendas de criação intensiva desconsidera completamente a possibilidade deles apresentarem características cognitivas sofisticadas, dentre elas a senciência. Senciência é a capacidade de sofrer, sentir prazer ou felicidade. Hoje, possuímos um amplo conhecimento sobre a distribuição da senciência na árvore da vida. Evolutivamente, as diferenças entre a capacidade cerebral e cognitiva do <i>Homo sapiens </i>e das demais espécies de vertebrados são de grau, não de tipo. Por exemplo, há evidências cada vez mais abundantes de que espécies tão diversas quanto gatos domésticos, golfinhos, orangotangos, girafas e até mesmo patos guardam luto, lamentando a morte de parentes e companheiros próximos.<br />
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqF5byOpAMUQQh8NRPZ35njHV3wZnNYyVKgKBCCbhj6TSY1Tgsz5JgFfc6xgTl52bX1Xjs-GfMlli2yC9UsQ7ZvuFv1df_5MUE3HldeGEFjIG-abwu8SojXX-06mPGQ-hEDKPdfdSoQd4/s1600/mapa+Casaaberta.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqF5byOpAMUQQh8NRPZ35njHV3wZnNYyVKgKBCCbhj6TSY1Tgsz5JgFfc6xgTl52bX1Xjs-GfMlli2yC9UsQ7ZvuFv1df_5MUE3HldeGEFjIG-abwu8SojXX-06mPGQ-hEDKPdfdSoQd4/s400/mapa+Casaaberta.jpg" width="398" /></a></div>
<br /></div>
</div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-3529932124959018152015-03-26T08:55:00.000-03:002015-03-26T09:09:48.119-03:00Por uma ciência livre para errar<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0ieyPqp3JIotuFtEBmZwvg8JDjF6H1Pm_7H1aTn2AmCMPT0guhyphenhyphenyjvB8ezaLy_jgUvd1X2h1PBkcOpcZjtuyRg8YsRmyrBILy12qHeMd7rsn56XGvGB2EPmaCEDRz7H44yFVRQp58Sq4/s1600/self-organization+birds.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0ieyPqp3JIotuFtEBmZwvg8JDjF6H1Pm_7H1aTn2AmCMPT0guhyphenhyphenyjvB8ezaLy_jgUvd1X2h1PBkcOpcZjtuyRg8YsRmyrBILy12qHeMd7rsn56XGvGB2EPmaCEDRz7H44yFVRQp58Sq4/s1600/self-organization+birds.jpg" height="227" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Na ciência fala-se muito em “contexto da descoberta” e “contexto da justificação”. Dentro de uma perspectiva hipotético-dedutiva, o primeiro corresponde à maneira pela qual uma teoria científica é concebida, sua gênese e suas origens históricas. O segundo relaciona-se às evidências empíricas e suportes teórico-prático que formam o arcabouço da nova ideia, essenciais para dar forma à teoria e para apresentá-la ao público.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Segundo o filósofo da ciência Paul Feyerabend (1924-1994), não há método específico válido para toda criação científica: de fato, tudo vale, de sonhos - diz-se que o químico orgânico <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/August_Kekul%C3%A9"><b>August Kekulé</b></a> (1829-1896) propôs a estrutura do anel de benzeno após acordar de um sonho em que via uma cobra engolindo seu próprio rabo - a insights psicológicos. Qualquer referencial pode ser utilizado nessa primeira etapa: arte, música, filosofia, metafísica, ciência básica, sociologia, psicologia... A livre associação, muitas vezes, permite que novos caminhos científicos sejam trilhados, ainda que terminem em “ruas sem saída” ou sugiram direções alternativas. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O grande divulgador, bioquímico e escritor de ficção científica Isaac Asimov (1920-1992), em um <a href="http://www.technologyreview.com/view/531911/isaac-asimov-asks-how-do-people-get-new-ideas/"><b>texto sobre criatividade</b></a> inédito até o ano passado, discute como o contexto é importante para o desenvolvimento de novas ideias. Para ele, além de boa formação na área de estudo (não basta apenas querer propor uma teoria revolucionária, é crucial estudar a literatura pertinente e estar a par do que acontece no campo) e de trabalho incessante (dependendo da área de pesquisa, um tanto solitário), a criação na ciência demanda a busca por conexões entre tópicos ou assuntos que antes não pareciam relacionados. A maioria dos cientistas está sempre revolvendo no seu cérebro alguma questão que lhe interesse, ainda que inconscientemente. É da fusão entre os itens 1 e 2 (ou 3 e 8, ou 12 e 1456) que pode emergir um novo conceito, uma abordagem original a um problema ou simplesmente uma maneira mais objetiva e assertiva de descrever um fenômeno natural.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Argumentar com os pares é uma forma de refinar uma hipótese científica, de aparar suas arestas, de aprofundá-la (ou mesmo de abandoná-la). Essa é das maiores diversões da minha atividade: “jogar” com teorias e conceitos, torcê-los, alterá-los mentalmente, testá-los à luz de experimentos mentais. Para isso, ter um contraponto é importante. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiU3OjYGiZYpUKyUJI4otJypl_IJFOxibcosl2qmFJ9FLaiZQmGw5X68dA-_c2lc6-0HQNYXbd39OKI1Ns1E0fmjAL54xvsxTPeJUaPeaclgA8Iq_uIj1OAg75NkRWT1Zw5TEtMUq18U6U/s1600/self-organization.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiU3OjYGiZYpUKyUJI4otJypl_IJFOxibcosl2qmFJ9FLaiZQmGw5X68dA-_c2lc6-0HQNYXbd39OKI1Ns1E0fmjAL54xvsxTPeJUaPeaclgA8Iq_uIj1OAg75NkRWT1Zw5TEtMUq18U6U/s1600/self-organization.png" height="400" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Recentemente, estava discutindo com a bióloga Leticia Alabi (minha ex-aluna de pós-graduação e atualmente na Universidade do País Basco, na Espanha) a respeito de árvores filogenéticas e definições de vida. É possível existir vida sem evolução? Quando um sistema não-biológico torna-se vivo? O que seria uma biologia universal? A conversa, sem amarras, foi muito interessante:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Charles: </b>Quando falamos "vida como tipo natural" significa algo que não vai mudar, como "água é um tipo natural". É essencialista no sentido de não mudar no tempo. Se não quiser fazer referência a algo fixo, não use o termo “tipo”. O cluster pode mudar no tempo mas dentro de parâmetros (assim, há algo de definido). Pense bem: um cluster de XXX genes e processos regulatórios define o indivíduo Y. Mas, se a evolução é um contínuo, os genes e processos regulatórios mudam continuamente no tempo. Se for um contínuo, não vamos conseguir definir o indivíduo Y a não ser que determinemos "isso aqui é o cluster do indivíduo Y". Entendeu? Em um contínuo, qualquer definição é tipológica. Por isso nossas representações da evolução sempre serão heurísticas, modelos eminentemente falhos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Letícia: </b>No fim, ontologicamente falando, espécies não existiriam, nem tampouco "vida".</div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Charles: </b>A vida é a única "descontinuidade". As espécies ontologicamente falando não existem, mas existe vida. Por isso ela é o único tipo. A vida é descontinuidade entre certas propriedades da matéria até a emergência de um todo diferente. Aqui, estamos usando “tipo” como algo definido, fixo, que não muda, que vale em qualquer situação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Letícia: </b>Se conseguirmos entender um "tipo" historicamente, com essas regras...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Charles: </b>Se usarmos tipo como "definição fixa válida pra qualquer situação", já matamos a charada. Baseando-nos nesse conceito, o que teríamos é a biosfera como único "grupo monofilético" ontologicamente válido. Se definirmos o que é a vida como um "tipo", a única árvore filogenética ontologicamente válida seria a árvore universal da vida (no sentido de conectar todas as biosferas existentes, todas as biosferas em todo o universo). Isso se repetiria só no nosso universo, com as nossas leis, parâmetros físicos e constantes. Não daria pra extrapolar para o multiverso. É isso que penso como sendo a "biologia universal". O que temos que criar é um modelo teórico de vida (como um "tipo") na qual se encaixe os seres vivos conhecidos por nós na esperança de encontrarmos outros for a da Terra. Só dá pra testar essa hipótese se encontrarmos vida extraterrestre (como te falei, o "teto" do fractal – sei que isso não existe mas acho que dá pra entender – é a árvore universal da vida, reunindo todas as biosferas).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Letícia: </b>Daria pra testar se encontrarmos a “shadow biosphere”.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Charles: </b>Se existe biosfera oculta, ela tem que se encaixar no modelo. Seria uma maneira de testá-lo, de fato. Aqui, podemos considerar que a “shadow biosphere” equivale à “vida extraterrestre”.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Letícia:</b> Para encontrar essa “biosfera oculta” em algum nível tem que seguir nosso padrão ou ela vai passar batida embaixo dos nossos narizes e ninguém vai se dar conta, nunca.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Charles: </b>O padrão pra detecção da vida tem que ser universal, mais do que apenas nosso. Aí entra a auto-organização, que não depende, necessariamente, da definição de "vida como conhecemos". Ela parte do pressuposto que a física é igual em qualquer parte do universo. O resto é idiossincrasia de cada biosfera. A vida começa e evolui no equilíbrio tênue entre convergência e contingência, nem só uma, nem só outra.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Letícia: </b>O que define a vida? Talvez seja uma convergência no sentido funcional...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Charles: </b>É a autonomia que define a vida. Um sistema auto-organizativo passa a ser considerado vivo se emerge como um indivíduo, i.e. algo com autonomia. É a autonomia que vai fazer emergir a capacidade de reprodução e de manter metabolismo separado do entorno. A origem da vida, nesse sentido, é a emergência da autonomia de um sistema auto-organizativo. O interessante é que o surgimento da autonomia não pressupõe o início da evolução pois podemos pensar em um sistema auto-organizativo autônomo que não muda (portanto, não evolui). O universo pode estar cheio deles. Dessa forma, vida no sentido universal (como tipo) NÃO pressupõe evolução. Por isso o Dawkins está completamente errado quando define seu Darwinismo Universal. Vida sem a capacidade de evoluir pode ser muito instável mas, a priori, não é teoricamente impossível. Nunca havia pensando nisso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Letícia: </b>No começo pode ter havido realmente uma variação muito limitada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Charles: </b>Não só no começo. Pensa comigo: uma biosfera em que todos os organismos sejam geneticamente idênticos, como em Janus (o planeta criado pela Jablonka & Lamb no “Evolução em quatro dimensões”). Eles podem mudar por fatores epigenéticos/ambientais. Em Janus, a biosfera pode ser diferente a cada geração, mesmo sem qualquer tipo de sistema hereditário. Por isso a definição de vida não deve pressupor evolução (não no sentido de mudança no passar do tempo).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Letícia: </b>Os organismos, então, apenas seriam limitados em termos variacionais?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Charles: </b>Sim. Mesmo sem variação genética, as mudanças ambientais e sua influência sobre os sistemas de informação garantiriam a flexibilidade do sistema vivo contra mudanças estocásticas (i.e., eventos contingentes). O que é diferente de pressupor evolução no sentido de descendência com modificação a partir de um ancestral comum. Talvez a evolução seja uma idiossincrasia do nosso planeta ou de certos tipos de vida.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Letícia: </b>Dessa forma, existiria “vida” antes de “vida que evolui”?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Charles:</b> Sim. Deixamos a definição de vida "mais básica", mais fundamental, tipológica.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Letícia: </b>O oceano do “Solaris” entraria nessa definição! O Stanislaw Lem estava certo. [mais sobre esse assunto <a href="http://charlesmorphy.blogspot.com.br/2013/01/oceanos-inteligentes-e-flores.html"><b>pode ser lido aqui</b></a>]</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Charles: </b>É exatamente o que eu estava pensando... oceano vivo, que muda sem mudar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Letícia: </b>Quanto tempo esses tipos de sistema se manteriam? A informação, como seria retida?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Charles: </b>Se as possibilidades de variações epigenéticas forem muitas, elas não precisam ser retidas. Não estamos falando de hereditariedade clássica aqui, mas de variação sem herança. Poderíamos dizer que, em certas biosferas, existiria herança sem variação; em outras, nenhuma variação (ainda que existisse vida); em outras, herança sem variação em uma primeira etapa, seguida de variação com herança; e outras ainda, em um primeiro momento a vida apareceria como um sistema sem possibilidade de variação, depois surgiria variação sem herança (sem qualquer tipo de molécula informacional ou material genético), seguida de variação com herança (genética mais epigenética). Acho que é isso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Letícia: </b>Gostei da discussão. Ideias, ideias!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhO0NkV8rmeBcv71tbdiKRZjVkLftiCMZxM3AA-SGPbjpHi5NctlNAiMvEmI5jJEYRXf9NWxJAx2rI4sV3NnzfuJURSnWVop36C73b_4ZDrTUhLKDsHYHszRUMcamTvAsWGKJhBVUJNHJI/s1600/calories10.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhO0NkV8rmeBcv71tbdiKRZjVkLftiCMZxM3AA-SGPbjpHi5NctlNAiMvEmI5jJEYRXf9NWxJAx2rI4sV3NnzfuJURSnWVop36C73b_4ZDrTUhLKDsHYHszRUMcamTvAsWGKJhBVUJNHJI/s1600/calories10.gif" height="168" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Vida sem evolução? Variação sem base hereditária? Biologia universal? Essas coisas podem realmente existir? Não sei ao certo. Na ciência, o processo é tão importante quanto o resultado, e as perguntas, mais fundamentais que as respostas. A partir da dúvida, seguimos em frente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Infelizmente, a imagem do cientista difundida pelo cinema e pelas mídias de massa não corresponde à rotina dos laboratórios, universidades e institutos de pesquisa. A ciência não precisa ser vetusta ou carrancuda. Às vezes miramos em alvos móveis que não temos a menor certeza se serão ou não atingidos. Isso não importa tanto. Pelo contrário: questionar os pilares da nossa realidade e tentar explicá-los cientificamente é uma atividade prazerosa e divertida.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não devemos temer o erro. Como disse o professor Dráulio Barros de Araújo, neurocientista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em um encontro da Academia Brasileira de Ciências ano passado: “o risco é inerente à boa pesquisa. Ciência não é sobre papers, é sobre curiosidade e descoberta”. Fracassar é parte indissociável do processo de construção de conhecimento. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div>
O caminho que temos para desvendar os mistérios do mundo natural é nos aventurarmos além dos limites do possível, permitindo à nossa imaginação adentrar os domínios do que alguns julgam impossível (ou improvável). Fica a mensagem do físico Richard Feynman (1918-1988): a natureza é tão absurdamente extraordinária que ela nunca vai deixar nossas mentes relaxarem.<br />
<br />
<b><span style="font-size: x-small;">Figuras</span></b><br />
<span style="font-size: x-small;"><a href="https://www.blogger.com/goog_1493098155">http://en.wikipedia.org/wiki/Self-organization</a> <br />http://17rg073sukbm1lmjk9jrehb643.wpengine.netdna-cdn.com/wp-content/uploads/2014/11/calories10.gif</span>
<!--EndFragment--></div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-63774282391794630592015-03-06T20:29:00.003-03:002015-03-06T20:29:56.206-03:00O avesso da vida - II<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgTESqkOSEENWp5phPALkm-KFQMefufU8X_gTcgkok-FNTssYgkn4W0xcQH3w8bTTZ0t1fU6c8a33zvUiVu5UrP4GAjGKqSHNp-JMEDo5UHt_WCqHeE9ZMeHsbJaJ2VNJMwqd3OifzSseo/s1600/hell-background.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgTESqkOSEENWp5phPALkm-KFQMefufU8X_gTcgkok-FNTssYgkn4W0xcQH3w8bTTZ0t1fU6c8a33zvUiVu5UrP4GAjGKqSHNp-JMEDo5UHt_WCqHeE9ZMeHsbJaJ2VNJMwqd3OifzSseo/s1600/hell-background.jpg" height="213" width="400" /></a></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Quanto àqueles que negam os Nossos versículos, introduzí-los-emos no fogo infernal. Cada vez que a sua pele se tiver queimado, trocá-la-emos por outra, para que experimentem mais e mais o suplício. Sabei que Deus é Poderoso, Prudentíssimo.<br /><div style="text-align: center;">
<b>Alcorão (4, 56)</b></div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A maior parte daquilo que atualmente consideramos sagrado só é sagrado por uma única razão: porque foi considerado sagrado ontem.</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Nós temos nomes para definir pessoas que têm muitas convicções para as quais não há justificativa racional. Se essas convicções forem extremamente comuns, chamamos essas pessoas de “religiosas”; caso contrário, provavelmente serão chamadas de “loucas”, “psicóticas” ou “delirantes”. (...) a maioria das religiões meramente canonizou algumas manifestações de ignorância e loucura ancestrais e as passou para nós como se fossem verdades primordiais.</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
E assim é que, quando um terrorista muçulmano suicida destrói sua vida, juntamente com dezenas de inocentes em uma rua de Jerusalém, o papel que a fé religiosa desempenha nas suas ações é invariavelmente minimizado. O que se diz é que seus motivos devem ter sido políticos, econômicos, ou inteiramente pessoais; e que, mesmo excluindo a fé, pessoas desesperadas também fariam coisas terríveis. <br /><div style="text-align: center;">
<b>Sam Harris (2004) <i>A morte da fé: religião, terror e o futuro da razão</i></b></div>
</blockquote>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEbf1ndP2iEfkZx18YI8obdEuVYgXPK8Oq_crdJ1p3G3VPaPwXVen5mov9ceNHYzbiq7ki1kucBUAwsL1ZBU9nG_xlF0E8bpgwm-HJSlj6CYaxQz9c9RQu-qm1O9T0YEXIM4ntDqL5_YI/s1600/post-apocalyptic1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEbf1ndP2iEfkZx18YI8obdEuVYgXPK8Oq_crdJ1p3G3VPaPwXVen5mov9ceNHYzbiq7ki1kucBUAwsL1ZBU9nG_xlF0E8bpgwm-HJSlj6CYaxQz9c9RQu-qm1O9T0YEXIM4ntDqL5_YI/s1600/post-apocalyptic1.jpg" height="225" width="400" /></a></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Durante quase duzentos anos, nós, norte-americanos, expulsamos ou exterminamos populações indígenas, isto é, milhões de pessoas; conquistamos a metade do México; saqueamos a região do Caribe e da América Central; invadimos o Haiti e as Filipinas - matando, na ocasião, 100 mil filipinos. Depois, após a II Guerra Mundial, estendemos nosso domínio sobre o mundo da maneira que se conhece.<br /><div style="text-align: center;">
<b>Noam Chomsky (2001) <i>Terrorismo: a arma dos poderosos</i></b></div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O governo dos Estados Unidos se recusa a julgar a si mesmo segundo os mesmos padrões morais com que julga os outros. (...) Sua técnica é posicionar-se como um gigante bem intencionado cujas boas ações são mal compreendidas pelos ardilosos nativos de países cujos mercados os Estados Unidos estão tentando libertar, cujas sociedades estão tentando modernizar, cujas mulheres estão tentando liberar, cujas almas estão tentando salvar. (...) O governo dos Estados Unidos conferiu a si mesmo o direito e a liberdade de assassinar e exterminar as pessoas “para o próprio bem delas”.<br /><div style="text-align: center;">
<b>Arundhati Roy (2003), <i>War talk </i></b></div>
</blockquote>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh42LfP9ssUIiKCryhyd-RpKgjrP6RwzD_EaNCkTYBpm9PBDPsf4AsN739W1lVWiSJh4Z76ys2Oozj_6q87tqZ7y-YyBaqxl4q2-GWmU7rsBMTlvPlfs0o2D28j6UEAHZ2BkCBopcb-STc/s1600/planet+of+the+apes.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh42LfP9ssUIiKCryhyd-RpKgjrP6RwzD_EaNCkTYBpm9PBDPsf4AsN739W1lVWiSJh4Z76ys2Oozj_6q87tqZ7y-YyBaqxl4q2-GWmU7rsBMTlvPlfs0o2D28j6UEAHZ2BkCBopcb-STc/s1600/planet+of+the+apes.jpg" height="295" width="400" /></a></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
De manhã cedo os soldados aterrissaram de helicóptero na aldeia [My Lai, no Vietnã]. Muitos disparavam enquanto se espalhavam, matando pessoas e animais. Não havia sinal do batalhão vietcongue e nenhum tiro foi disparado contra a Charlie Company o dia todo, mas eles prosseguiram. Queimaram todas as casas. Estupraram mulheres e meninas e depois as mataram. Esfaquearam algumas mulheres na vagina e evisceraram outras, ou cortaram-lhes as mãos e o escalpo. Mulheres grávidas tiveram o ventre rasgado e foram abandonadas à morte. Houve estupros organizados em gangues e matanças a tiros ou com baionetas. Houve execuções em massa. Dezenas de pessoas de uma só vez, inclusive velhos, mulheres e crianças, foram metralhadas numa vala. Em quatro horas, cerca de quinhentos aldeões foram assassinados.<br /><div style="text-align: center;">
<b>Jonathan Glover (1999) <i>Humanity: a moral history of the twentieth century</i></b></div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
A intolerância é a companheira natural da fé vigorosa; a tolerância só viceja quando a fé perde a certeza; a certeza é assassina.<br /><div style="text-align: center;">
<b>Will Durant (1950) <i>The age of faith</i></b></div>
</blockquote>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgi_ljibb-i3-GR8V2ABrTIPl0v3M3HMur7J-EftS48Il6G_QJRYGi65opAjMBihnnCdFnY40L_5xoZC70FJ2NG1hBBn3tMjnWaMWySOhgwyX3yK0J3T4gEiKDyUQq3VSyzSVjCzIaS_F4/s1600/Fig5_Torture.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgi_ljibb-i3-GR8V2ABrTIPl0v3M3HMur7J-EftS48Il6G_QJRYGi65opAjMBihnnCdFnY40L_5xoZC70FJ2NG1hBBn3tMjnWaMWySOhgwyX3yK0J3T4gEiKDyUQq3VSyzSVjCzIaS_F4/s1600/Fig5_Torture.jpg" height="261" width="400" /></a></div>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Os condenados são então imediatamente levados para Riberia, o local da execução, onde há tantas estacas quanto são os prisioneiros a serem queimados. O ser relapso e negativo é primeiro estrangulado e depois queimado; os peritos montam as estacas perto de uma escada, e os jesuítas, depois de várias repetidas exortações para se reconciliarem com a Igreja, consignam-nos à destruição eterna, e depois deixam-nos com o demônio, que dizem estar ao lado delas para conduzí-los por seus tormentos. Nisso eleva-se um alto brado, e o brado é: “Vamos fazer a barba dos cães”; o que é feito aplicando-se tufos de arbustos em chamas, amarrados a longas varas, em suas barbas, até que seus rostos queimam até a negritude, a população ao redor enchendo o ar com as mais sonoras aclamações de alegria. Finalmente é ateado fogo aos arbustos ao pé da estaca, nas quais as vítimas estão acorrentadas, tão no alto que as chamas mal chegam ao assento onde estão posicionadas, e assim elas são mais assadas do que queimadas. Embora não possa haver um espetáculo mais lamentável e os sofredores gritem continuamente, enquanto conseguem, “Piedade pelo amor de Deus!”, ele é assistido por pessoas de todas as idades e de ambos os sexos, enlevadas de alegria e satisfação.</div>
<div style="text-align: center;">
<b style="font-weight: bold;">John Swain (1931) <i>The pleasures of the torture chamber</i> </b>[narrando um auto de fé espanhol]</div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Mesmo para os padrões do Estados Islâmico, o mais recente vídeo de propaganda é particularmente macabro. A filmagem alterna imagens do piloto enquanto ele está vivo, com sequências mostrando os escombros de edifícios destruídos e os corpos queimados de sírios supostamente mortos em ataques aéreos da coalizão. Membros do Estado Islâmico foram ao Twitter para aplaudir a morte do piloto, chamando-a de "olho por olho". No final do vídeo de 22 minutos, um guerilheiro do Estado Islâmico acende o rasto de pólvora enquanto o tenente Kasasbeh assiste, suas roupas encharcadas de combustível. As chamas correm para dentro da jaula e o engolfam. A câmera se demora mostrando close-ups de sua agonia, antes de concluir com fotos do que o Estado Islâmico reivindicou serem outros pilotos da Jordânia e uma oferta de recompensa de 100 moedas de ouro para quem quer que mate um deles.<br /><div style="text-align: center;">
<b>Rod Nordland e Ranya Kadri, New York Times, 3 de fevereiro de 2015</b></div>
</blockquote>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBLC04bvArmK9xfaZYPjeiK4sDPb53-93I9PckdegyDxPcE22lNc4pTE2CCPDZDGZcItU7AO5pvzdhen6IfpQySfvXE64mkwXDCbdRKgdhPd_59VyROwbcqqR2po3_hU07DdOmRMj0oWw/s1600/islamic-state.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBLC04bvArmK9xfaZYPjeiK4sDPb53-93I9PckdegyDxPcE22lNc4pTE2CCPDZDGZcItU7AO5pvzdhen6IfpQySfvXE64mkwXDCbdRKgdhPd_59VyROwbcqqR2po3_hU07DdOmRMj0oWw/s1600/islamic-state.jpg" height="218" width="400" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-small;"><b>Figura 1. </b>http://jesusismuslim.com/<br /><b>Figura 2. </b>http://images2.alphacoders.com/147/147450.jpg<br /><b>Figura 3. </b>http://planetoftheapes.wikia.com/<br /><b>Figura 4. </b>http://waterboarding.org<br /><b>Figura 5. </b>http://www.livetradingnews.com/</span><div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US"><o:p></o:p></span></div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-41336892020555772322015-02-28T20:53:00.001-03:002015-03-01T01:34:55.766-03:00O avesso da vida<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWgEXpHCnlPdPelHZHLGkO0K1fsvVMYEWfwc_Lr_lSDJ6HxQL62t16b0De9_wwOxUg-DDq2IEDB4FR2ogeMMk2OvEeNhP8SX8m8Er5fWfuKRsKUJw5AOxEJm0t45olxBaJWXXoH16BD9U/s1600/Fig1a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWgEXpHCnlPdPelHZHLGkO0K1fsvVMYEWfwc_Lr_lSDJ6HxQL62t16b0De9_wwOxUg-DDq2IEDB4FR2ogeMMk2OvEeNhP8SX8m8Er5fWfuKRsKUJw5AOxEJm0t45olxBaJWXXoH16BD9U/s1600/Fig1a.jpg" height="312" width="640" /></a></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Pensem sobre as coisas perversas que são decretadas pela religião. A mutilação dos genitais de crianças, por exemplo. Quem faria isso, se não fosse, visivelmente, uma promessa selada com Deus? Quem iria dizer, ao receber um recém-nascido, ‘Parece perfeito, mas precisa ser mutilado na genitália antes de ficar realmente ok’? Somente a religião levaria as pessoas a fazer algo tão horrível, tão insano.</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<span style="text-align: justify;">Os que alegam conhecer a mente de Deus estão tentando investir-se de autoridade humana - a sua própria - sob um disfarce divino. E não fazem isso porque querem poder no outro mundo, senhoras e senhores, irmãs e irmãos. Fazem isso porque querem poder neste mundo.</span></blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Quem alega saber de fato já dispõe de toda a informação da qual precisa e não quer que mais perguntas sejam formuladas. Quem diz, como diriam os muçulmanos: “Já temos um Livro, o que mais vocês querem?” “Temos a última palavra e a palavra final”. “Todas as demais perguntas são desnecessárias”, esses são os inimigos da liberdade, os inimigos do pensamento, os inimigos da sociedade. </blockquote>
<div style="text-align: center;">
<b>Christopher Hitchens (2007), <i>Deus não é grande</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhH4ma5lG8FXV3MWcS5YBU_MNOh-qPzy9X1xh_cvCJs9vKgt7ehn2tagrnHGLMyovBwSLqttcdXlA1REEbPbNtw6FSJjFGq6iHDkPPfSnMJeKYyoNrQrTihTUFHOMUEWuHFK2r_WpCh1DU/s1600/Fig1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhH4ma5lG8FXV3MWcS5YBU_MNOh-qPzy9X1xh_cvCJs9vKgt7ehn2tagrnHGLMyovBwSLqttcdXlA1REEbPbNtw6FSJjFGq6iHDkPPfSnMJeKYyoNrQrTihTUFHOMUEWuHFK2r_WpCh1DU/s1600/Fig1.jpg" height="225" width="400" /></a></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
‘Se há um Deus que desempenha um papel no nosso mundo, eu comerei todos os chapéus desta cidade’ – e no entanto não pude evitar ser pego pelo espetáculo desta adoração à rocha, exemplo, para mim, do aspecto mais pavorosamente retardado da mente humana.</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Você pode sair por aí beijando todos os muros do mundo, e todas as cruzes, e fêmures, e tíbias de todos os santos mártires abençoados que já foram trucidados pelos infiéis e, de volta ao escritório, ser um filho da puta para os seus funcionários e em casa um perfeito pentelho para a família.</blockquote>
<div style="text-align: center;">
<b>Philip Roth (1986), <i>O avesso da vida</i></b></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMajhhJRE9BCcscsg-xNYaKShWb9jhIwwDhLDk6mZYiWBTy5HVlQekjtuzT8VrUrhL1PQryLNXUlOlTwgUKYr61TtLlOfXYVIv7CqKfja6Uj0MjpkYY1M5TteF2YyrZb7eP6SwyH9PGis/s1600/Fig2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMajhhJRE9BCcscsg-xNYaKShWb9jhIwwDhLDk6mZYiWBTy5HVlQekjtuzT8VrUrhL1PQryLNXUlOlTwgUKYr61TtLlOfXYVIv7CqKfja6Uj0MjpkYY1M5TteF2YyrZb7eP6SwyH9PGis/s1600/Fig2.jpg" height="266" width="400" /></a></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Com grande freqüência os líderes espirituais cerraram fileiras no sentido de apoiar o escravismo, direta ou indiretamente. Não eram poucos os que justificavam o seqüestro forçado dos negros africanos para a escravidão americana, dizendo que estes, dessa forma, eram convertidos ao cristianismo e que a salvação de suas almas compensava amplamente a escravidão de seus corpos.(...) E quem é o maior beneficiário de uma religião que se propõe a suprir as necessidades espirituais de escravos e servos, assegurando a estes que sua condição terrena representa a vontade de Deus e prometendo-lhes uma vida de eterna bem-aventurança após a morte, contanto que não cometam o pecado de se rebelar contra essa vontade? Será o escravo, cuja vida poderá tornar-se mais suportável pela contemplação dos Céus? Ou será o senhor de escravos, que poderá ficar menos preocupado em mitigar o pesado fardo dos oprimidos e despreocupado quanto a uma possível revolta. </blockquote>
<div style="text-align: center;">
<b>Issac Asimov (1989), <i>Antologia 2: os melhores ensaios científicos de Asimov</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjBxB640BVC-CeZvCFWdQDuSd1Wvq_0FsShD1Ky77AORB-9oPr6980ppY8v2UswcIeCqXzHduqmpuMK46R58J4dB-0Q4RpnqMJP7ZV0yV-5y7zpwE7nm0oZ_QPm2bj3tXkGSRIiRjd0gKg/s1600/Fig3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjBxB640BVC-CeZvCFWdQDuSd1Wvq_0FsShD1Ky77AORB-9oPr6980ppY8v2UswcIeCqXzHduqmpuMK46R58J4dB-0Q4RpnqMJP7ZV0yV-5y7zpwE7nm0oZ_QPm2bj3tXkGSRIiRjd0gKg/s1600/Fig3.jpg" height="272" width="400" /></a></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Os desígnios de deus são inescrutáveis, nem nós, anjos, podemos penetrar no seu pensamento, Estou cansado da lengalenga de que os desígnios do senhor são inescrutáveis, respondeu caim, deus deveria ser transparente e límpido como cristal em lugar dessa contínua assombração, deste constante medo, enfim, deus não nos ama, Foi ele quem te deu a vida, A vida deram-ma meu pai e minha mãe, juntaram carne à carne e eu nasci, não consta que deus estivesse presente no acto, Deus está em todo lado, Sobretudo quando manda matar, uma só criança das que morreram feitas tições em sodoma bastaria para o condenar sem remissão, mas a justiça, para deus, é uma palavra vã (...)</blockquote>
<div style="text-align: center;">
<b>José Saramago (2009), <i>Caim</i> </b></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioT-OSO9hRqu6gP6MqTnglfRcVky4WTtzZ3NIMtZzxZBL_UFIMNelP6K8u6Z0lgJSVpzzCjgE-QkmkqyNSnlmZUpBW7EOy1mC3AQR4Y8PkGePi9HL1pSZhS1o0DCcFjTVv7qud52LABjs/s1600/Fig5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioT-OSO9hRqu6gP6MqTnglfRcVky4WTtzZ3NIMtZzxZBL_UFIMNelP6K8u6Z0lgJSVpzzCjgE-QkmkqyNSnlmZUpBW7EOy1mC3AQR4Y8PkGePi9HL1pSZhS1o0DCcFjTVv7qud52LABjs/s1600/Fig5.jpg" height="232" width="400" /></a></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Os filósofos ampliam o significado das palavras até que elas pouco conservem de seu significado original: ao chamar de “Deus” alguma abstração vaga que criaram para si mesmos, eles se apresentam como deístas, crentes, ante o mundo; podem até se orgulhar de terem atingido uma ideia mais elevada e mais pura de Deus, embora o Deus deles não passe de uma sombra sem substância e não seja mais a personalidade poderosa da doutrina religiosa.</blockquote>
<div style="text-align: center;">
<b>Sigmund Freud (1927), <i>O futuro de uma ilusão</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<div style="text-align: center;">
<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/g0GYd-rmr2Y" width="560"></iframe></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing">
<b>Fig1: </b>http://en.wikipedia.org/wiki/Crusades#mediaviewer/File:Philippe_Auguste_arrivant_en_Palestine.jpg</div>
<div class="MsoNoSpacing">
<b>Fig2: </b>http://www.smh.com.au</div>
<b>Fig3: </b>http://nypost.com<br />
<b>Fig4: </b>http://colunas.revistaepoca.globo.com<br />
<b>Fig5: </b>http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Inquisition.jpg</div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com10tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-5669716047188605502015-02-14T20:30:00.002-02:002015-02-14T20:33:02.051-02:00Treinando macacos para o circo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCHuVUKVEnaKM7IVKLpcbYj5AzKIMM27X3NQKB3B3kqMrGtBZQtAroVfbTxGgtoZoU-Ii3Yc3U6sEBYZ710nAdo2oGf-q0CYP_vLDlaZUMg68rAiB10nAcChS41FMXyk_7N849zblrkMw/s1600/Monkey+traiing+for+a+circus.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCHuVUKVEnaKM7IVKLpcbYj5AzKIMM27X3NQKB3B3kqMrGtBZQtAroVfbTxGgtoZoU-Ii3Yc3U6sEBYZ710nAdo2oGf-q0CYP_vLDlaZUMg68rAiB10nAcChS41FMXyk_7N849zblrkMw/s1600/Monkey+traiing+for+a+circus.jpg" height="414" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 17pt;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
Dê uma boa olhada nessa foto. Analise a expressão do macaco esperando ser ensinado pelo seu professor a fazer malabarismos e agradar às milhares de pessoas ávidas por diversão e entretenimento. Tente imaginar o que se passa na sua mente dita primitiva.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nossa espécie, o <i>Homo sapiens</i>, é apenas um dentre mais de um bilhão de ramos da árvore da vida que viceja no planeta Terra. Infelizmente, nossos sistemas sociais ainda baseiam sua organização ética na centralidade humana, o que ignora realidades já compreendidas pela ciência e justifica a utilização instrumental que o homem faz da natureza. Essa prática especista dá ao <i>Homo sapiens </i>o auto-instituido direito de subjugar quaisquer outros organismos, explorando-os de forma cruel, escravizando-os e, muitas vezes, assassinando-os sem cerimônia.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há mais de 130 anos, Charles Darwin (1809-1882) escreveu no <i>The Descent of Man</i> (A ancestralidade do homem): "O fato de que os animais inferiores são estimulados pelas mesmas emoções que nós mesmos está tão bem estabelecido que não será necessário cansar o leitor com detalhes. Atos de terror agem da mesma maneira neles e em nós, causando tremores nos músculos, o coração a palpitar, o relaxamento dos esfíncteres e o arrepio dos cabelos". A despeito do uso do termo <i>inferior</i>, Darwin nos dizia que todas as espécies do planeta compartilham atributos, mesmo que elas estejam evolutivamente muito distantes. Nós temos características em comum com amebas, planárias, baobás, cogumelos, moluscos, baratas, caranguejos, tartarugas, golfinhos, gatos, vacas e pandas. E macacos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Agora dê outra boa olhada na foto acima. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em Suzhou, na província de Anhui (na China), onde a foto foi tirada, existem mais de 300 trupes de circo. O fotógrafo responsável pelo registro é Yongzhi Chu, premiado na categoria Natureza na World Press Photo of the Year (2014).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Imagem: </b><a href="http://www.worldpressphoto.org/awards/2015/nature/yongzhi-chu?gallery=2900401">http://www.worldpressphoto.org/awards/2015/nature/yongzhi-chu?gallery=2900401</a></div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-2060124807163464072014-11-22T13:46:00.002-02:002014-11-22T13:54:17.044-02:00Breves resenhas: Thomas Piketty e o segredo dos ricos<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmLa7e4uP84dhA03nRhU5L49zEFnNuIFXbVPLj_tj9ceWWA9Bn0S04EdidkVU4i32FN4a_wPU3hL9h6gxjNCHWpo-EpHt5Y1l2wGpij-SfdqE3l9FbWrvKZDVd0ksYb4K4Q9RSKI_xCMk/s1600/piketty_otu_img_0.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmLa7e4uP84dhA03nRhU5L49zEFnNuIFXbVPLj_tj9ceWWA9Bn0S04EdidkVU4i32FN4a_wPU3hL9h6gxjNCHWpo-EpHt5Y1l2wGpij-SfdqE3l9FbWrvKZDVd0ksYb4K4Q9RSKI_xCMk/s1600/piketty_otu_img_0.jpg" height="200" width="193" /></a></div>
Em 2013, o economista francês Thomas Pikkety publicou "O capital no século XXI", um estudo sobre a crescente concentração de renda e a evolução da desigualdade nos últimos cem anos. A obra de Piketty foi traduzida para o português e publicada recentemente. Também este ano, o LeMonde Diplomatique lançou uma coletânea de breves ensaios discutindo alguns dos aspectos centrais da obra do economista francês. O livro é de fácil compreensão e traz dados estarrecedores (incluindo informações sobre o Brasil), corroborando a hipótese de que o aumento da desigualdade no século XX tem sido brutal, e apontando algumas das suas possíveis consequências sociais, políticos e econômicas.<br />
<br />
Um dos ensaios deste livreto é especialmente interessante. O autor - Hervé Kempf, jornalista francês - apresenta quais podem ser os efeitos dessa crescente desiguldade global no meio ambiente e nas políticas ambientais. Seguem trechos selecionados de "Como os ricos estão destruindo o mundo" (os destaques são meus):</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Em nível mundial, <b>o número de pessoas em situação de pobreza absoluta, ou seja, que vivem com menos de dois dólares por dia, é da ordem de dois bilhõe</b>s, enquanto a Organização para a Alimentação e Agricultura estima em 820 milhões o número de seres humanos desnutridos. (p.45)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
[Nos EUA], até a década de 1970, os executivos das [500 maiores] empresas ganhavam cerca de 35 vezes o salário médio de seus empregador (...) nos anos 2000, o salário dos executivos correspondia a cerca de 130 vezes o da média dos empregados. (...) A oligarquia acumulou rendimentos e patrimônio em um grau que não se via há um século. (p.45)</blockquote>
<div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
[O economista Thorsten] Veblen afirma que a tendência à competição é inerente à natureza humana. Cada um de nós tem uma propensão a se comparar com os outros, procurando manifestar, por meio de traços exteriores, uma pequena superioridade, uma diferença simbólica em relação às pessoas com quem vivemos. Veblen não afirmou que a natureza humana resume-se à essa caracteristica, e não fazia um julgamento moral, apenas uma constatação. Baseando-se em numerosos depoimentos de etnógrafos de sua época, ele também observou que essa forma de rivalidade simbólica é observada em todas as sociedades. (...) todas as sociedades produzem com bastante facilidade a riqueza necessária para atender suas necessidades de alimentação, habitação, educação das crianças, convívio, etc. No entanto, costumam produzir uma quantidade de riqueza bem superior à satisfação dessas necessidades. Por quê? Porque se trata de permitir que seus membros distingam-se uns dos outros. (p.47)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Veblen (...) observou que existem frequentemente várias classes dentro de uma sociedade. Cada uma delas é regida pelo princípio da rivalidade ostentatória. E, em cada classe, os indivíduos tomam como modelo o comportamento vigente na classe social superior, que mostra o que é bom, o que é chique fazer. A camada social imitada toma como exemplo aquilo que se localiza acima dela na escala da fortuna. Essa imitação reproduz-se de baixo até o alto, de modo que a classe no topo define o modelo cultural geral daquilo que é prestigiado, daquilo que impressiona. (p.47)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Como a oligarquia bloqueia as mudanças necessárias para prevenir o agravamento da crise ambiental? Diretamente (...), pelos poderosos instrumentos – políticos, econômicos e midiáticos – de que dispõe e que utiliza para manter seus privilégios. Mas também indiretamente, o que tem a mesma importância, por meio desse modelo cultural de consumo que impregna toda a sociedade e define sua normalidade. (p.48)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Prevenir o agravamento da crise ambiental, e até começar a recuperar o meio ambiente, é um princípio bastante simples: basta que a humanidade reduza seu impacto sobre a biosfera. Chegar a isso também é um princípio muito simples: significa reduzir nossas retiradas de minerais, madeira, água, ouro, petróleo, etc., e reduzir nossas emissões de gases de efeito estufa, resíduos químicos, materiais radioativos, embalagens, etc. Ou seja, <b>reduzir o consumo material global de nossas sociedades</b>. Essa redução é a alavanca essencial para mudar a situação ambiental. (p.48)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Estima-se que 20% a 30% da população mundial consumam de 70% a 80% dos recursos retirados anualmente da biosfera. Portanto, é desses 20% a 30% que a mudança tem de vir(...) [nas] socidades superdesenvolvidas, <b>não é aos pobres, aos beneficiários de programas sociais, aos modestos assalariados que vamos propor uma redução do consumo material</b>. Mas também não são apenas os super-ricos que precisam fazer esse redução (...) É ao conjunto da classe média ocidental que deve ser proposta a redução do consumo material. Vemos aqui que a questão da desigualdade é central: a classe média não aceitará seguir a direção do menor consumo material se perdurar a atual situação de desigualdade, se a mudança necessária não for equitativamente adotada. (p.49)</blockquote>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Uma civilização que escolha a redução do consumo material abrirá as portas para outras políticas. Com a transferência de riqueza que reduziria as desigualdades, ela poderia estimular as atividades humanas socialmente úteis e de baixo impacto ambiental. Saúde, educação, transportes, energia, agricultura – são muitos os domínios em que as necessidades sociais são grandes e as possibilidades de ação, importantes. <b>Trata-se de renovar a economia pela ideia da utilidade humana, em vez da obsessão pela produção material; de promover os laços sociais, em vez da satisfação individual. </b>Diante da crise ambiental, temos de consumir me nos para distribuir melhor. Para podermos viver melhor juntos, em vez de consumir sozinhos. (p.50)</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Referência:</b></div>
<div style="text-align: justify;">
Kempf, H. Como os ricos estão destruindo o mundo. Em: Bava, Sílvio Caccia (Org.). 2014. <i>Thomas Piketty e o segredo dos ricos, </i>p.42-50. São Paulo: Editora Veneta. </div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-35682580899161581462014-10-28T11:21:00.003-02:002014-10-28T11:22:06.483-02:00Manifesto da Sociedade Brasileira de Paleontologia<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJaSdKG-thglyn_54wBFFPX6LoeZJGzX67sD1aCuJbHZ_KRLd0iXBMxKbAmLWlu9r4HGrSbls4_rPb9NsPjIh6fjIWYvQDKfYRoopL_jtwCK-O5HFhDcmuUjkzddYr_1Xd_hF-6IpxKDE/s1600/CreationismWitchDoctor.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJaSdKG-thglyn_54wBFFPX6LoeZJGzX67sD1aCuJbHZ_KRLd0iXBMxKbAmLWlu9r4HGrSbls4_rPb9NsPjIh6fjIWYvQDKfYRoopL_jtwCK-O5HFhDcmuUjkzddYr_1Xd_hF-6IpxKDE/s1600/CreationismWitchDoctor.gif" height="238" width="400" /></a></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: inherit; line-height: 20px; text-align: justify;"><br /></span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: inherit; line-height: 20px; text-align: justify;">A Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP) publicou um manifesto em sua página oficial (</span><a href="http://l.facebook.com/l.php?u=http%3A%2F%2Fwww.sbpbrasil.org%2F&h=oAQFcDCTF&s=1" rel="nofollow nofollow" style="background-color: white; color: #3b5998; cursor: pointer; font-family: inherit; line-height: 20px; text-align: justify; text-decoration: none;" target="_blank">http://www.sbpbrasil.org/</a><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: inherit; line-height: 20px; text-align: justify;">) defendendo a validade da Evolução Biológica e do seu ensino nas escolas do país (no contexto das discussões sobre o "design inteligente"). Fui um dos colaboradores na escrita do manifesto.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O objetivo principal da SBP é esclarecer que declarações de grupos <span style="background-color: white; color: #141823; line-height: 20px;">criacionistas e defensores do chamado “Design Inteligente” acerca de temas fundamentais como o estudo de fósseis, da </span><span style="background-color: white; color: #141823; line-height: 20px;">origem do universo e da vida como a conhecemos não possuem respaldo na comunidade acadêmica e não devem ser </span><span style="background-color: white; color: #141823; line-height: 20px;">consideradas de natureza científica. Como diz o texto: "Tais declarações são comumente enganosas e prestam um </span><span style="background-color: white; color: #141823; line-height: 20px;">desserviço à sociedade brasileira, que muitas vezes possui poucas ferramentas para identificar os </span><span style="background-color: white; color: #141823; line-height: 20px;">equívocos veiculados".</span></span></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #141823; line-height: 20px;"><span style="font-family: inherit;">O manifesto pode ser lido na íntegra no endereço:</span></span></div>
<span style="background-color: white; color: #141823; line-height: 20px;"><span style="font-family: inherit;">
</span></span>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #141823; line-height: 20px;"><span style="font-family: inherit;"><a href="https://www.dropbox.com/s/ybfcoys6exg0wk2/Manifesto%20final.pdf?dl=0" rel="nofollow nofollow" style="color: #3b5998; cursor: pointer; text-decoration: none;" target="_blank"><b>https://www.dropbox.com/s/ybfcoys6exg0wk2/Manifesto%20final.pdf?dl=0</b></a></span></span></div>
<span style="background-color: white; color: #141823; line-height: 20px;"><span style="font-family: inherit;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">Crédito da imagem: http://www.durangobill.com/</span></div>
</span></span>Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-55711929889974394222014-07-14T21:10:00.000-03:002014-08-18T15:09:54.255-03:00Um longo argumento vai virar livro!<div style="text-align: justify;">
Caros amigos,</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Finalizei minutos atrás a revisão, ampliação e atualização de alguns dos ensaios publicados neste blog. Eles farão parte de um breve livro de ensaios, intitulado <i>O hipopótamo de Tal: reflexões sobre o conhecimento científico.</i> Tão logo eu tenha informações mais concretas sobre o lançamento - que deve acontecer no segundo semestre de 2014 - eu postarei aqui. A introdução é a que segue:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiE5u1LMD5PUb7HCIt43fhMnomTboEI_gXcI7SYva50CmT1jiL6KOLz_IhLPyJFWePt0oM6LJlmZnjaGKoe-_aK7zcEqcO5RFmkHSzOWJ_Xg7Gg1RObyY-DRC4xPTeZkEhPQ0BG2VJnxs/s1600/classic-book.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="color: black;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiE5u1LMD5PUb7HCIt43fhMnomTboEI_gXcI7SYva50CmT1jiL6KOLz_IhLPyJFWePt0oM6LJlmZnjaGKoe-_aK7zcEqcO5RFmkHSzOWJ_Xg7Gg1RObyY-DRC4xPTeZkEhPQ0BG2VJnxs/s1600/classic-book.jpg" height="191" width="320" /></span></a></div>
<div style="text-align: center;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: large;">Hipopótamo de Tal: reflexões sobre o conhecimento científico</span></b></div>
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<br /></div>
<div>
<div style="text-align: left;">
<b>Introdução</b></div>
<div style="text-align: justify;">
Este livro começou a ser escrito há exatamente dez anos, quando publiquei, pela primeira vez, uma série de artigos científicos em um jornal da cidade de Ribeirão Preto, interior do Estado de São Paulo. Apesar da pequena tiragem do semanário, por alguns meses pude exercitar a divulgação das bases do raciocínio científico para um público não especializado. Continuei esse exercício quando lancei meu blog “Um longo argumento”, em meados de 2007. Nele tenho escrito ensaios sobre diversos aspectos da biologia evolutiva, da filosofia da ciência e da educação científica, buscando levar a minha perspectica sobre esses assuntos para os leitores que tenham paciência de meu ouvir. As primeiras versões dos textos do presente volume podem ser encontradas lá.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Meu interesse pela divulgação científica é muito anterior à qualquer tipo de educação formal em ciências. Eu era apaixonado pela revista <i>Superinteressante </i>no seu início (foi lançada em setembro de 1987 e vinha encartada na <i>Playboy</i>, que meu pai assinava e disponibilizava para os clientes no seu salão de cabeleireiro). Em 1990, entrei em contato com o saudoso e genial Isaac Asimov através da versão brasileira da <i>Isaac Asimov Magazine</i>, publicada pela editora Record (e que, infelizmente, durou apenas 25 números). Lembro-me que, para comprar o volume de estréia – por muitos anos eu só tive os três primeiros! – eu enganei minha mãe dizendo que precisava muito daquela revista para levar para a escola e que, se eu não fizesse, talvez ficasse de recuperação...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao final do colegial, escolhi seguir a carreira de Jornalismo. Estudei por um ano na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, mas não consegui me adequar à maneira como o conhecimento era tratado nas disciplinas (com algumas poucas exceções). Pouco antes de decidir largar o curso, li na biblioteca vários trechos do <i>Biologia Evolutiva</i>, um clássico das Ciências Biológicas escrito por Douglas Futuyma. Parecia o caminho a seguir. Menos de seis meses depois, eu me matriculava no curso de Biologia da Universidade de São Paulo. Mesmo assim, nunca deixei de gostar de comunicação. A oportunidade de escrever para um jornal, quando eu já estava na pós-graduação, uniu essas minhas grandes paixões intelectuais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Durante toda a minha formação acadêmica, sempre tive um respeito absoluto pela figura do professor. Se hoje sou capaz de me expressar de forma minimamente coerente e apresentar ideias científicas através das minhas aulas e dos meus textos, devo muito aos vários mestres que cruzaram meu caminho. Alguns inesquecíveis, outros nem tanto, mas todos com alguma contribuição a dar. Aqui, agradeço especialmente aos professores Luis Evandro Tavares, Fernando Sérgio Zucoloto, Antônio Carlos Marques, Dalton de Souza Amorim e Nelson Papavero, que me apresentaram as bases do que será discutido neste livro de ensaios. E também agradeço a amigos e contemporâneos, hoje também mestres, que fizeram parte dessa jornada, direta ou indiretamente: Adolfo Ricardo Calor, Gustavo Acrani, André Eterovic, Fernando Gibran, Eduardo Almeida, Guilherme Ribeiro, Daniel Carretiero, Renato Capellari e Sarah Oliveira. O professor Gibran fez a revisão técnica do livro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Finalmente, sou grato à minha esposa Patricia Kiss, minha incentivadora incansável, com sua mente artística e seu olhar para o detalhe. À ela dedico este livro. </div>
<div id="sdfootnote1">
</div>
</div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-83454019843795549782014-06-10T19:41:00.002-03:002014-06-10T19:45:00.641-03:00Da relação entre evolução biológica e esportes<div style="text-align: right;">
<i>Eu perdi mais de 9.000 arremessos em minha carreira. Eu perdi quase 300 jogos. Em 26 vezes, confiaram em mim para dar o lance vencedor e eu errei. Eu falhei muitas e muitas e muitas vezes na minha vida. E foi por isso que tive sucesso</i>.</div>
<div>
<div style="text-align: right;">
Michael Jordan</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em tempos de Copa do Mundo da Fifa e da seleção da Confederação Brasileira de Futebol, a biologia evolutiva pode ser uma ferramenta interessante para se discutir o papel dos esportes na natureza humana. Questões sobre as origens das competições esportivas e porque elas atingiram tamanha centralidade nas culturas contemporâneas não são de interesse exclusivo dos programas de debate jornalístico e das mesas-redondas pós-jogo nos domingos à noite. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8xXZzZxhKyfbNWFvzf5Jx5H445_jPYTP4M3lAOsrVqk5iwPJpIjEck1OWt4GtjjKHfStUJY2DcDATk2tgR335bM9MhZG-RmUwl5EjtQ6RyN4fMLB_E1fb0DLoMCNGHOw6OqVwy_u9-kE/s1600/Lions+playing.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8xXZzZxhKyfbNWFvzf5Jx5H445_jPYTP4M3lAOsrVqk5iwPJpIjEck1OWt4GtjjKHfStUJY2DcDATk2tgR335bM9MhZG-RmUwl5EjtQ6RyN4fMLB_E1fb0DLoMCNGHOw6OqVwy_u9-kE/s1600/Lions+playing.jpg" height="266" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fonte: http://www.etravelphotos.com/ </td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Na sua obra magna <i>On the origin of species</i> (publicada originalmente em 1859), o naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882) defendia que os organismos estavam em luta perpétua pela vida e que somente os mais bem-adaptados sobreviveriam, deixando uma maior quantidade de filhotes e, consequentemente, aumentando a frequência de suas características na população de uma geração para outra. O raciocínio darwiniano partia da existência de variação prévia nas populações. Os organismos, portanto, adaptam-se às condições ambientais que enfrentam e esse processo, se continuado por longo períodos, pode levar ao surgimento de novas espécies.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Adaptações são as propriedades dos seres vivos que os tornam capazes de sobreviver e de se reproduzir na natureza. Segundo a teoria evolutiva clássica, qualquer atributo que leve um organismo a deixar mais descendentes do que a média da população, isto é, que permita taxas diferenciais de reprodução, terá frequência maior nas gerações subsequentes.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Para que a seleção natural ocorra são necessárias algumas condições:</div>
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<br /></div>
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1. Os organismos precisam ser capazes de reproduzir;</div>
<div style="text-align: justify;">
2. Suas características devem ser hereditárias;</div>
<div style="text-align: justify;">
3. Deve existir variação de caracteres individuais entre os membros de uma população; </div>
<div style="text-align: justify;">
4. É necessária a ocorrência de variação da aptidão (fitness) do organismo, de acordo com o estado de um determinado caráter herdável. Por aptidão entende-se o número médio de descendentes diretos deixados por um membro médio da população.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Darwin não foi capaz de explicar qual o mecanismo da hereditariedade. Esse problema só encontrou solução quando as ideias de Gregor Mendel (1882-1884) passaram a constituir a teoria da hereditariedade aceita, a partir da década de 1920. Ronald Fisher (1890-1962), J.B.S. Haldane (1892-1964) e Sewall Wright (1889-1988) conseguiram demonstrar que a seleção natural poderia operar em conjunto com a genética mendeliana. Assim estabeleceu-se o que se conhece hoje como a Síntese Moderna da Evolução ou Teoria Sintética da Evolução, por muito tempo tido como o paradigma da teoria evolutiva, centrada no papel preponderante da seleção natural atuando na variedade pré-existente originada a partir de mutações aleatórias e recombinações cromossômicas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Na perspectiva da Síntese Moderna, a seleção natural leva à evolução a partir das mudanças no ambiente, em decorrência do surgimento de uma nova forma que sobrevive melhor do que a forma vigente. A variação seria resultado de mutações aleatórias, ocorridas durante a replicação do DNA, e da recombinação cromossômica, no processo de meiose que ocorre durante a formação dos gametas. Ao surgir um novo genótipo recombinante não existiria qualquer tendência dele estar relacionado a uma melhora adaptativa. Nessa visão, a pressão seletiva sobre as características dos indivíduos, provenientes de fatores ambientais, leva à fixação de determinados atributos em detrimento de outros. Esse fenômeno é conhecido como mudança da frequência genética nas populações.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Em linhas gerais, a seleção natural é tida como a explicação para a existência de adaptação. Sua atuação proporciona o surgimento de um pico adaptativo no qual o organismo com maior valor de aptidão para um determinado caráter tem vantagem sobre outro com um valor de aptidão menor – a pressão de seleção encaminharia os indivíduos a um estado adaptativo ótimo ou sub-ótimo. Como diz o escritor Max Barry, em seu livro <i>Homem-máquina</i> (originalmente publicado em 2011, página 201):</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Ninguém pode ser perfeito na maior parte do tempo. Ninguém pode ser perfeito apenas em alguns momentos. Ou você é perfeito ou não é. E eu não acho que a biologia trabalhe com a noção de perfeição. Biologia é eficiência aproximada. É uma questão de ser razoavelmente boa. Um vácuo é perfeito. Pi é perfeito. A vida não.</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
A psicologia evolutiva baseia-se em cenários selecionistas para explicar a evolução do comportamento humano. Por muito tempo após a publicação do <i>On the origin of species</i>, estudos sociais, comportamentais e psicológicos passaram ao largo da teoria evolutiva darwiniana. Segundo professor de psicologia David Buss, da Texas University, a psicologia evolutiva é uma tentativa de reunir todas as disciplinas humanas, antes fragmentadas e muitas vezes contraditórias, em um todo logicamente integrado que incorpore os conceitos da teoria da evolução de forma correta e exclua, ao mesmo tempo, todas as percepções e crenças tradicionalmente aceitas que não façam sentido no contexto evolutivo. A psicologia evolutiva pode ser vista como um programa de pesquisa que busca compreender a origem do ciúme, habilidades de raciocínio, processos decisórios, linguagem, preferências de acasalamento, status social, agressão e sexo. Para Buss, como todo tipo de comportamento depende de mecanismos psicológicos complexos, e todos os mecanismos psicológicos, ao menos em algum nível, resultam de um processo de evolução por seleção natural, todas as teorias psicológicas são implicitamente teorias psicológicas evolutivas. A evolução é responsável por quem somos hoje.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNbdhlxLNONTvP31zLCxUakEWlJ7ZH0rClvsPmkMyATVS9INnNJG12Z6Rgf_XHVEoh0_8yoqUFhWt3gRgX2Epsg3UaYEhVgEvPjHq2OjewnF4aGiUilm-aG7apDWlfjCobxlBpXhPcCp0/s1600/Pandas+playing.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNbdhlxLNONTvP31zLCxUakEWlJ7ZH0rClvsPmkMyATVS9INnNJG12Z6Rgf_XHVEoh0_8yoqUFhWt3gRgX2Epsg3UaYEhVgEvPjHq2OjewnF4aGiUilm-aG7apDWlfjCobxlBpXhPcCp0/s1600/Pandas+playing.jpg" height="373" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fonte: http://www.animalgalleries.org/</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
É nesse contexto que se pode discutir a conexão entre esportes e evolução, mais especificamente os mecanismos da seleção natural e da seleção sexual, tanto para se analisar o esporte como analogia à competição no mundo orgânico, quanto para se tentar entender a relação entre torcer / praticar esportes e algum tipo de vantagem seletiva surgida durante a história evolutiva dos hominídeos.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Apesar da sua importância em todas as sociedades humanas desde tempos imemoriais, no geral o esporte tem recebido pouca atenção de biólogos evolucionistas. Isso é surpreendente porque a universalidade dos esportes sugere que sua origem possa ser bem compreendida no contexto da biologia evolutiva.</div>
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<br /></div>
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Segundo Michael Lombardo, do Departamento de Biologia da Grand Valley State University:</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
As características das brincadeiras entre animais sugerem que os esportes se originaram dessa forma. As brincadeiras entre mamíferos jovens, incluindo humanos, frequentemente mimetizam comportamentos (por exemplo, captura de presas, fuga de predadores, lutas) necessários à sobrevivência. O comportamento de humanos brincando também mimetiza aqueles presentes em muitos esportes (correr, perseguir oponentes, lançar e interceptar projéteis). Em animais não-humanos, as brincadeiras tendem a ocorrer durante um período crítico para o desenvolvimento do cerebelo e para a diferenciação de fibras musculares. Diferentemente das brincadeiras entre os não-humanos, as nossas podem persistir até a idade adulta. </blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Complexas organizações se desenvolveram, especialmente ao longo dos últimos 150 anos, para regular e promover competições atléticas. Tais competições são importantes eventos sociais, com público de mais de dezenas de milhares de espectadores nas partidas (por exemplo, nos jogos olímpicos e em finais de campeonatos de futebol ou basquetebol). Apesar dessas competições atléticas serem frequentemente simples (por exemplo, quem corre por 100 metros mais rápido?), envolverem poucos participantes e não terem, aparentemente, um propósito biológico direto (como vencer a corrida dos 100 metros afeta a sobrevivência e sucesso reprodutivo do campeão?), elas afetam boa parte da população mundial. A significância social e política global das Olimpíadas de Berlim em 1936, em pleno governo nazista na Alemanha e às portas da Segunda Guerra Mundial, também não pode ser negligenciada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Competições atléticas são parte importante do tecido social nas sociedades contemporâneas e é interessante notar que, no geral, mais homens do que mulheres, em todas as idades, praticam e assistem a esportes, ao vivo ou pela televisão. Como conjectura a psicologia evolutiva, é possível dizermos que atletas campeões alcançariam maior status dentro dos seus grupos sociais e, dessa forma, aumentariam suas oportunidades de sobrevivência/reprodução. Isso sugere a influência da seleção natural em moldar as características dos atletas e dos esportes dos quais eles participam. </div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Essas observações levantam importantes questões sobre o papel do esporte na natureza humana: (1) Como e por que o esporte começou?; (2) Por que os esportes são primariamente fenômenos masculinos?; (3) Por que atletas campeões em determinados esportes frequentemente alcançam maiores status, aumentando suas oportunidades de reprodução, do que atletas em outros esportes e empreitadas?; (4) Quais são os papeis relativos da seleção intra e intersexual na moldagem das características do esporte? (5) Por que os esportes obtiveram tamanha importância nas culturas modernas? </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para a psicologia evolutiva, um cenário possível para explicar a existência, permanência e diversificação dos esportes baseia-se na seleção sexual, descrita por Darwin como a luta entre indivíduos de um sexo, geralmente os machos, pela posse do outro sexo - a seleção sexual seria responsável pela evolução de todo atributo que desse aos organismos portadores alguma vantagem reprodutiva, mesmo que ele, a priori, pareça minimizar a sua capacidade de sobrevivência (<a href="https://www.youtube.com/watch?v=q0LAUt1uFIY">a cauda </a><a href="https://www.youtube.com/watch?v=q0LAUt1uFIY">frondosa de um pavão macho é um exemplo típico</a>).</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No início, o esporte teria se originado a partir de brincadeiras e treinamento para luta, caça e guerra, possibilitando ao homem um teste para suas habilidades na competição por fêmeas e também como uma forma de avaliar aliados e rivais em potencial. Os comportamentos e atributos físicos associados com o sucesso atlético seriam subprodutos de características que evoluíram no contexto das competições físicas entre machos (relacionadas à seleção sexual) e à caça e guerra em sociedades primitivas. Esses subprodutos são conhecidos como exaptações, termo cunhado pelos paleontólogos Stephen Jay Gould (1941-2002) e Elisabeth Vrba para designar mudança de função de uma estrutura durante a evolução – uma adaptação que não teria evoluído a partir de pressões seletivas relacionadas à sua função atual. A seleção sexual, portanto, explicaria porque homens são mais interessados em esportes, como praticantes e também como espectadores, do que as mulheres. Obviamente nem todos os atributos existentes nos organismos, incluindo aí o <i>Homo sapiens</i>, são resultado direto do processo de seleção natural. No entanto, é consenso entre boa parte dos evolucionistas que, a despeito de como uma característica tenha se originado, ela será selecionada positivamente se permitir maiores taxas de sobrevivência e reprodução quando comparados a outros indivíduos da mesma espécie.</div>
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<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDknTB3_ck8yE1XweMexRZBS9pw68mzD1docCN_yuI157XZW4pRpdoadToRKrUmXAo7nAFnbm07_oXsp1CIDScrfiu4NLqL-ZGS5IH7w3BvEMm3PyUg3um0QGsbz6tjnzglhe6wDYYZ6M/s1600/childrens+playing.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDknTB3_ck8yE1XweMexRZBS9pw68mzD1docCN_yuI157XZW4pRpdoadToRKrUmXAo7nAFnbm07_oXsp1CIDScrfiu4NLqL-ZGS5IH7w3BvEMm3PyUg3um0QGsbz6tjnzglhe6wDYYZ6M/s1600/childrens+playing.jpg" height="266" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fonte: http://www.picturesnew.com/</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Além de explicações sobre a origem histórica dos esportes e sua relação com a seleção natural/sexual, uma questão evolutiva fundamental a ser discutida diz respeito aos diferentes tipos de doping e às possibilidades do <i>Homo sapiens </i>mudar sua constituição física (e, talvez, suas habilidades atléticas) a partir do desenvolvimento científico-tecnológico. Esse é um dos tópicos de pesquisa do transhumanismo, filosofia que busca discutir a transcendência tecnológica da condição humana (<a href="http://charlesmorphy.blogspot.com.br/2013/05/sobre-especismo-inteligencias.html">e discutida anteriormente nesse blog</a>).</div>
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<br /></div>
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O crescimento e a recuperação muscular são controlados por sinais químicos, os quais, por sua vez, são regulados por genes. A perda muscular devido à idade ou doenças pode ser revertida pelo aumento ou bloqueio desses sinais, através da adição de um gene sintético regulador. Os atletas poderiam usar a mesma técnica para aumentar o tamanho, a força e a resistência dos seus músculos, e o tratamento seria virtualmente indetectável. Quando a terapia gênica entrar em uso clínico, pode ser difícil evitar seu abuso. Dado um quadro de busca incessante pelo ganho de desempenho em esportes de alto rendimento, a maneira de encarar o melhoramento biológico a partir da ciência e da tecnologia terá que mudar.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Na contemporaneidade, muitas realidades técnicas estão em emergência promissora. Entram aqui coisas como a confecção de medicamentos que reduzem efeitos colaterais, engenharia tecidual para a regeneração de células e órgãos, e nanotecnologia utilizada em tratamentos de saúde. A realidade potencial destas técnicas permite expandi-las para o aperfeiçoamento das propriedades naturais humanas, como o aumento das capacidades cognitivas e físicas, regulação da sensibilidade ao stress ou a dor. A possibilidade de expandir os limites físicos, criando atletas em certo sentido super-humanos, gerará impactos expressivos nos esportes, e terá que ser analisada tanto em termos econômicos quanto biológico e filosóficos. Um atleta transhumano seria ainda um <i>Homo sapiens</i> ou estaríamos já falando de uma pós-humanidade? Teriam que ser criadas competições específicas para transhumanos? Torceríamos com igual paixão para o Transhuman Football Club? </div>
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<br /></div>
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A relação entre esportes e a teoria evolutiva, especialmente o mecanismo da seleção natural e seu papel no aumento da aptidão local, ainda precisa ser investigada com mais detalhes. É possível que exista uma relação entre a prática e o apreço por esportes e possíveis estratégias evolutivas surgidas há milhões de anos entre os hominídeos. Isso vale também para as implicações sociais dos esportes, relativas à psicologia evolutiva e à uma moralidade e éticas pós-darwinianas, que discute como o desenvolvimento científico-tecnológico influencia o futuro da nossa espécie.</div>
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<br /></div>
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A biologia evolutiva é capaz de construir cenários para responder a questões como “O que representaria um jogo em termos evolutivos?”, “Por que torcemos?”, “Por que praticamos esportes?” e “Há limites aceitáveis para a melhoria do desempenho atlético?”. Mais do que apenas entretenimento ou procrastinação, os esportes remontam a comportamentos muito anteriores à origem dos hominídeos e, além de arraigadas à história evolutiva dos animais, estão no cerne de contendas sociais e científicas com potencial profundamente explosivo. Pense nisso na próxima vez em que estiver assistindo ao bate-bola na televisão!</div>
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<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgphpoHVPUqr9Xc6TVDHowb6bKfyYJ5UJQKZf8y20DPhYFPdHEOCA-n05pp0-32nJAW5EixCz2hU_1TKFfsNqdOB4jwlyN6J4ChOtQS7GYyaSmNmFd9L3E2kmMMrvoN8j1572I4JK0JvMQ/s1600/Alan%252BFonteles%252BCardoso%252BOliveira%252B2012%252BLondon%252BxBTYqgigRx6l.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgphpoHVPUqr9Xc6TVDHowb6bKfyYJ5UJQKZf8y20DPhYFPdHEOCA-n05pp0-32nJAW5EixCz2hU_1TKFfsNqdOB4jwlyN6J4ChOtQS7GYyaSmNmFd9L3E2kmMMrvoN8j1572I4JK0JvMQ/s1600/Alan%252BFonteles%252BCardoso%252BOliveira%252B2012%252BLondon%252BxBTYqgigRx6l.jpg" height="275" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fonte: http://www.zimbio.com/</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<b></b><br />
<div style="display: inline !important;">
<b><b>Referências sugeridas</b></b></div>
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Block, A. & Dewitte, S. 2009. Darwinism and the cultural evolution of sports. <i>Perspectives in Biology and Medicine</i>, 52(1), 1–16.</div>
<div style="text-align: justify;">
Buller, D.J. 2008. Varieties of evolutionary psychology. Em: Hull, D.L. & Ruse, M. (eds.) <i>The Cambridge Companion to the Philosophy of Biology</i>, Cambridge University Press, p. 255-274.</div>
<div style="text-align: justify;">
Buss, D.M. (org.) 2005. <i>The handbook of evolutionary psychology</i>. John Wiley & Sons, Inc. </div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="http://www.nybooks.com/articles/archives/2010/may/27/not-so-natural-selection/">Lewontin, R. C. 2010. Not So Natural Selection. <i>New York Review of Books,</i> 27/05</a>. </div>
<div style="text-align: justify;">
Lombardo, M.P. 2012. On the Evolution of Sport. Evolutionary Psychology, 10(1):1–28.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sweeney, H.L. 2012. Doping genético. <i>Scientific American Brasil Especial – A surpreendente complexidade da máquina humana</i>, 28–34.</div>
<div style="text-align: justify;">
Urho, M., Kujala, U.M., Sarna, S., Kaprio, J., Tikkanen, H.O. & Koskenvuo, M. 2000. Natural selection to sports, later physical activity habits, and coronary heart disease. <i>British Journal of Sports Medicine</i>, 34, 445–449.</div>
</div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-875486407199757733.post-27715844950905768402014-06-06T01:19:00.002-03:002014-06-06T08:25:13.644-03:00Pandoravirus, chave para a biosfera oculta?<div style="text-align: right;">
A ciência é a busca de curvas simples, previsíveis, formas compactas de apresentar os dados. Existe sempre, porém, o perigo de que as curvas que vemos sejam ilusórias, como imagens de animais nas nuvens. A verdade é que sempre ficamos com uma dúvida angustiante: estamos deixando de lado algo importante? </div>
<div style="text-align: right;">
<i>George Johnson, Fogo na mente (1997)</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Há alguns meses, fui visitar a casa da minha mãe no interior do estado junto com meu irmão. No carro, começamos a conversar sobre cinema. Em certo momento, discutíamos a respeito de <i>Hellraiser: Renascido do Inferno</i>, um filme britânico de horror escrito e dirigido por Clive Barker em 1987. Discordamos frontalmente a respeito da qualidade do filme (para meu irmão, é uma porcaria; penso que a película tem momentos interessantes, especialmente se consideramos seu orçamento restrito de apenas 1 milhão de dólares).</div>
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<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcmDyvIVZRVK4YX2-SVAJDo5T5ObsgDQNxM2Q0RONAP9tW5m-J0dK9GYpXrSp3e0Q-Dp-_EH_ony_LWHJqFNjsc5l3wMsSNuZcz1B1yS_hPPSwX5p2JwOeZMs252KDkMFySJeXFE7C1-g/s1600/300952-lamarchandbox_super.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcmDyvIVZRVK4YX2-SVAJDo5T5ObsgDQNxM2Q0RONAP9tW5m-J0dK9GYpXrSp3e0Q-Dp-_EH_ony_LWHJqFNjsc5l3wMsSNuZcz1B1yS_hPPSwX5p2JwOeZMs252KDkMFySJeXFE7C1-g/s1600/300952-lamarchandbox_super.jpg" height="200" width="400" /></a></div>
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A peça chave da história é um quebra-cabeça em forma de caixa chamado “Caixa de Lemarchand”. No universo criado por Barker, a mais conhecida dessas caixas recebe o nome de Configuração do Lamento. Essa caixa é um mecanismo místico que funciona como uma porta, ou uma chave, para outro plano de existência. A resolução do quebra-cabeças cria uma ponte para essa nova dimensão, um reino de prazer eterno e inimaginável. No filme, Frank Cotton resolve o quebra-cabeças e abre o cubo, penetrando em um mundo labiríntico habitado por cenobitas, criaturas demoníacas vestidas de couro, deformadas, com escarificações e lacerações pelo corpo, que levam ao extremo o ideal sadomasoquista: alimentam-se de sensações, sobretudo dor e sofrimento, impingidas a outras pessoas. A única emoção que conhecem é o êxtase experimentado pela flagelação. Preso nessa dimensão – uma versão contemporânea e bondage do inferno bíblico –, Frank tem seu corpo dilacerado por ganchos e correntes, que rasgam sua carne em pedaços, fazendo-o experimentar o máximo de prazer através da tortura infinita (essa é a premissa do filme, não é culpa minha!<span style="background-color: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">).</span> </div>
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<br /></div>
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A caixa de Lemarchand, supostamente criada pelo arquiteto e artesão francês Phillip Lemarchand em 1749, também é conhecida como Caixa Miraculosa ou Caixa de Pandora. Na mitologia grega, Pandora – palavra derivada de <i>pan</i>, “todo”, e <i>dõron</i>, “presente” – é a primeira mulher, sobre a qual pouco se sabe. Pandora foi feita no céu por Hefasto e Atena, e cada um dos deuses teria a aperfeiçoado. Vênus deu-lhe a beleza, Mercúrio, a persuasão, Apolo, a música. Assim dotada, Pandora fora enviada à Terra e oferecida a Epimeteu. Ele tinha em sua casa uma caixa, em que guardava os artigos que considerava malignos. Pandora, tomada de curiosidade para conhecer o conteúdo daquela caixa, certo dia destampou-a. Com isso, ela liberou uma multidão de pragas que atingiram o homem, tais como a gota, o reumatismo, a cólica, a inveja, o despeito e a vingança. Vendo o que tinha causado, Pandora apressou-se em colocar a tampa na caixa, mas todo seu conteúdo havia escapado, com exceção da esperança, que ficara no fundo. </div>
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Em julho de 2013, uma descoberta extraordinária “abriu a caixa de Pandora” da biologia evolutiva, levando ao questionamento de uma série de pressupostos aceitos há mais de cem anos. Desde o <i>On the origin of species </i>de Charles Darwin (publicado em 1859), imagina-se que todos os organismos existentes no planeta estejam conectados em uma imensa árvore de vida em que cada galho corresponderia a uma espécie. É possível que tenham existido, desde o organismo primordial, mais de um bilhão de espécies, todas elas aparentadas, em graus diferentes. Tem sido difícil, ou mesmo impossível, posicionar os vírus nessa árvore. A descrição do <i>Pandoravirus salinus </i>e do <i>Pandoravirus dulcis</i>, dois super-vírus encontrados em amostras de água coletadas respectivamente no Chile e na Austrália, com cerca de 1 micrômetro de comprimento e 0.5 micrômetros de diâmetro (maiores até que alguns organismos eucariotos!), trouxe a discussão à tona mais uma vez. Eles se assemelham aos demais vírus conhecidos, mas também têm particularidades que fizeram alguns pesquisadores considerarem-nos como pertencente a um domínio exclusivo, um grupo que pode ter se diferenciado dos demais seres vivos existentes no planeta há mais de três bilhões de anos. A descoberta dos <i>Pandoravirus</i> também abre perspectivas para novos estudos sobre a possibilidade de existência de uma “biosfera oculta” na Terra, formada por potenciais formas alternativas de vida, com um bioquímica radicalmente distinta da conhecida.</div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhoDkC9kqPK7CG6enEuCpcL6Y33pZ6O8v9olkZ-HzalkYAcVqNY_r9Di96Pk9zQfMDBOQZjHblf2Hra3R-Z2AjUazyqdxM8kNDgbK1XlyXRLHNnFPV9cBcwAXO6W1wb82cXST60hN0Zf_Q/s1600/Pandoravirus.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhoDkC9kqPK7CG6enEuCpcL6Y33pZ6O8v9olkZ-HzalkYAcVqNY_r9Di96Pk9zQfMDBOQZjHblf2Hra3R-Z2AjUazyqdxM8kNDgbK1XlyXRLHNnFPV9cBcwAXO6W1wb82cXST60hN0Zf_Q/s1600/Pandoravirus.jpg" height="300" width="400" /></a></div>
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É consenso dizer que os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios. Eles têm seu genoma composto por DNA ou RNA, que dirige a síntese e a “montagem” dos componentes virais, formando novos vírus, usando a maquinaria metabólica da célula parasitada. Em termos estruturais, os vírus são extraordinariamente simples, as máquinas de sobrevivência e reprodução mais eficientes e otimizadas de todo o planeta. Eles são pouco mais do que um envoltório formado por proteínas (o capsídeo) envolvendo o material genético. </div>
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Como citado acima, a despeito do seu sucesso evolutivo, os vírus não se encaixam em nenhuma posição tradicional entre os superdomínios da vida, que são três, seguindo a classificação de Carl Wöese: (1) Archaea, composto pelas bactérias extremófilas, que vivem em ambientes de alta salinidade, temperaturas altíssimas ou profundidades abissais; (2) Eubacteria, as bactérias “clássicas”; e (3) Eukarya, que reúne todos os seres vivos que portam um envoltório nuclear, a carioteca, incluindo aí organismos tão distintos quanto amebas, sequóias, moscas e dinossauros. Por não terem metabolismo próprio (conjunto de reações químicas através das quais os seres vivos constroem e mantêm seus corpos, crescem e realizam tarefas como locomoção e reprodução) e serem replicados por montagem de partes pré-formadas ao invés de se multiplicarem por fissão binária, os vírus tradicionalmente não se ajustam aos sistemas de classificação biológica. Alguns autores nem mesmo os consideram como seres vivos. Eles não são capazes de importar nutrientes e energia do meio ambiente, não se movem, não se dividem, não crescem... No entanto, vírus se reproduzem, interagem com o aparato metabólico da célula hospedeira e subvertem o metabolismo desta, utilizando-o na produção das suas réplicas. </div>
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Os <i>Pandoravirus </i>não se encaixam exatamente na descrição dos vírus tradicionais. Eles têm genes comuns aos de vírus gigantes e têm um ciclo de vida tipicamente viral, com absorção, penetração, liberação do material genético do vírus no interior da célula hospedeira, transcrição e replicação do material genético viral, montagem dos novos vírus e liberação. Nos <i>Pandoravirus</i> faltam muitas das características de organismos celulares como as bactérias (eles não produzem suas próprias proteínas, não produzem energia via ATP ou se reproduzem por divisão). No entanto, eles são maiores que muitas bactérias, não apenas em tamanho como na quantidade de bases nitrogenadas do seu material genético, como mostra a figura abaixo – <i>P. salinus </i>tem 1.9 milhão de bases enquanto <i>P. dulci </i>tem 2.5 milhões. Os <i>Pandoravirus </i>têm apenas 7% dos seus genes semelhantes aos genes conhecidos para qualquer espécie classificada entre os três superdomínios da vida.</div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi82n1nOU5zO3ELcjCR4sIsDKSSNP_Pil7feHTQ27CbBIhkgSJkVeXL1xdqYCM7_icp-CFFkBghQecm9Tk1Gb-nDqrNvBQvI7TowYG0hEpjvxnsge-lguyjhK0m_z92hW1Xsul0LFXCkv8/s1600/Pandoravirus+tamanho.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi82n1nOU5zO3ELcjCR4sIsDKSSNP_Pil7feHTQ27CbBIhkgSJkVeXL1xdqYCM7_icp-CFFkBghQecm9Tk1Gb-nDqrNvBQvI7TowYG0hEpjvxnsge-lguyjhK0m_z92hW1Xsul0LFXCkv8/s1600/Pandoravirus+tamanho.jpg" height="222" width="640" /></a></div>
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A falta de similaridade poderia ser um indicativo de que eles se originaram de um organismo anterior ao surgimento do ancestral comum de toda a vida reconhecida no planeta. Seria essa espécie viral o primeiro organismo descrito da “biosfera oculta”? Tal biosfera – ainda hipotética já que não há qualquer confirmação da sua existência – seria formada por microorganismos com processos bioquímicos e moleculares radicalmente diferentes das formas de vida conhecidas. Esse termo foi cunhado pelos pesquisadores Carol Cleland and Shelley Cooper em 2005. Para eles:</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Encontrar uma forma de vida que difere daquela que conhecemos em sua arquitetura molecular e bioquímica seria profundamente importante tanto de uma perspectiva científica quanto filosófica. Há uma quantidade convincente de evidências de que a vida conhecida hoje na Terra compartilha um ancestral comum universal [no inglês, LUCA, abreviação de Last Universal Common Ancestor]. É improvável que o LUCA tenha sido a primeira forma de vida uma vez que ele já seria muito sofisticado, tendo ácidos nucléicos e proteínas, assim como processos metabólicos complexos. Em suma, a vida como a conhecemos representa um exemplo único de um estágio muito avançado (Cleland & Cooper, 2005, p. 165). </blockquote>
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Organismos de uma “biosfera oculta” poderiam ter sobrevivido de forma independente, em seu próprio sistema de relações predador-presa, tornando-se adaptados a ambientes menos hospitaleiros para a vida microbiana que conhecemos. Ao invés de serem eliminadas, essas formas de vida talvez tivessem evoluído de maneira a não competir com os organismos familiares a nós.</div>
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É possível que os <i>Pandoravirus </i>pertençam a alguma linhagem muito distinta dos três domínios tradicionalmente aceitos para a vida no planeta, constituindo, quem sabe, representantes de um quarto domínio. Talvez estejamos às vésperas de encontrar toda uma nova biosfera, provavelmente muito distinta dos seres vivos que a ciência já descreveu. Parafraseando o bardo William Shakespeare, pode haver mais entre os mares e a Terra do que os biólogos evolutivos e seus microscópios eletrônicos poderiam imaginar.</div>
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<b>Referência sugerida</b></div>
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Cleland, C. & Copley, S. D. 2005. The possibility of alternative microbial life on Earth. <i>International Journal of Astrobiology, </i>4, 165-173.</div>
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Nadège Philippe <i>et al. </i>2013. Pandoraviruses: amoeba viruses with genomes up to 2.5 Mb reaching that of parasitic eukaryotes. <i>Science</i>, 341, 281-286.</div>
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<b>Imagens:</b></div>
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<a href="http://sciencemag.org/">http://sciencemag.org</a></div>
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<a href="http://mundotentacular.blogspot.com.br/">http://mundotentacular.blogspot.com.br/</a></div>
Charles Morphy D. Santoshttp://www.blogger.com/profile/18227877120350408172noreply@blogger.com1