quinta-feira, 14 de julho de 2011

Sobre darwinismo universal e vida em outros planetas

Os cientistas, portanto, estão acostumados a lidar com a dúvida e a incerteza. Todo conhecimento científico é incerto. Essa experiência com a dúvida e a incerteza é importante. Eu acredito que ela é de grande valor e se estende além das ciências. Eu acredito que para se resolver qualquer problema nunca resolvido antes, você tem que deixar a porta para o desconhecido entreaberta.
Richard Feynman em The meaning of it all (1998, p. 27)

Em uma recente discussão aqui na universidade, Letícia Alabi, estudante de graduação em Biologia e pesquisadora em Astrobiologia, perguntou:
Ao contrário das estrelas, que ainda nascem o tempo todo, as galáxias estão todas na primeira e única geração e com a mesma idade. Embora tenham colidido, fundido, fragmentando-se e se metamorfoseado em novas formas e cores, nenhuma nova galáxia nasceu desde que o cosmos era bebê. Nesse sentido (...) podemos extrapolar o Darwinismo Universal [e, consequentemente a idéia de seleção natural] à formação de estrelas e galáxias?
Desde a publicação do On the origin of species by means of natural selection por Charles Darwin, em 1859, uma série de autores têm tentado aplicar aspectos da teoria da evolução para explicar outros fenômenos naturais e sociais fora do espectro biológico propriamente dito. De estrelas e galáxias, passando pela economia, sociologia, antropologia e pela física das partículas elementares, é muito fácil encontrar os termos darwinismo e evolução fora de periódicos e livros dedicados às Ciências Biológicas. Seria isso uma evidência inquestionável do Darwinismo Universal, nos termos discutidos pelo biológico evolucionista Richard Dawkins em 1983? Considerada a questão de relance, essa poderia mesmo ser uma demonstração clara da pujança e do alto poder explanatório da teoria evolutiva. No entanto, ao analisarmos sob a lupa, fica claro o abuso intrínseco a essas extrapolações.

A ideia de Darwinismo Universal não tem nada a ver com a 'evolução' de galáxias ou estrelas. A universalidade, no caso, não significa que se pode aplicar o Darwinismo para compreender qualquer processo ou sistema que mude com o tempo. Ele, na verdade, é uma resposta à conjectura "Se existe vida em outros lugares do universo, esses organismos evoluem como evoluem os seres vivos da Terra?". Para se falar em evolução, no sentido biológico (que é aquele discutido por Darwin e Dawkins), é necessário considerar a existência de reprodução e metabolismo. O que Dawkins e outros autores defendem é que, se existe vida em qualquer lugar do universo, esses organismos sofrem pressões seletivas, devendo haver mudanças na sua constituição genética (independentemente de ser DNA, RNA, PNA ou qualquer outra molécula que carregue informação de uma geração para outra). Tais variações pré-existentes são fundamentais para a possibilidade de reprodução diferencial, i.e., seleção natural.

Segundo o filósofo Carl Emmeche (apud Darling, 2001, p. 10):
É altamente concebível que toda a vida no universo evolui por um tipo de seleção Darwiniana de interatores, cujas propriedades são em parte especificadas por um estoque de informações que pode ser replicado... A própria noção de seleção natural e replicação... parece ser específica para entidades biológicas... Essa definição é simples, elegante, geral, e cristaliza nossas idéias de um mecanismo geral da criação de sistemas vivos em uma perspectiva evolutiva.
Qual o mecanismo de informação de uma estrela? Ela tem DNA, RNA, PNA...? Estrelas só "evoluem" no sentido de mudança, não no sentido biológico. Utilizar o raciocínio evolutivo a qualquer coisa equivale, em termos de confiabilidade e relevância científica, a aplicar física quântica para explicar o comportamento humano, como celebrizado no filme "Quem somos nós" (no original inglês “What the bleep do we know”, de 2004) ou nas montanhas de bobagens esotéricas dos últimos anos que pretensamente utilizar conceitos de hard science, mas que, de fato extrapolam os resultados de pesquisas científicas muito além do contexto no qual haviam sido postulados inicialmente – para uma leitura instigante sobre abusos das ciências enfatizando a filosofia pós-moderna, leia “Imposturas intelectuais”, de Alan Sokal e Jean Bricmont (2010).

Para Dawkins (1983):
A perspectiva universal me leva a ressaltar a distinção entre o que pode ser chamado ‘seleção uma única vez’ [tradução livre para one-off selection] e ‘seleção cumulativa’. A ordem no mundo não-vivo pode resultar de processos descritos como um tipo rudimentar de seleção. Os seixos à beira-mar são organizados pelas ondas, de forma que os grandes seixos acabam se dispondo em camadas separadas dos menores. Podemos considerar isso um exemplo de seleção de uma configuração estável a partir de uma maior desordem aleatória inicial. O mesmo pode ser dito dos padrões orbitais ‘harmoniosos’ dos planetas ao redor das estrelas, dos elétrons em torno dos núcleos, dos formatos dos cristais, bolhas, das gotículas e até mesmo da dimensionalidade do universo em que nos encontramos (...) Mas isso é ‘seleção uma única vez’. Ela não dá origem à evolução contínua porque não há replicação nem sucessão de gerações. Adaptação complexa requer muitas gerações de seleção cumulativa, sendo a mudança de cada geração construída a partir do que havia antes. Na ‘seleção uma única vez’, um estado estável se desenvolve e é mantido. Ele não se multiplica ou gera prole.

Na vida, a seleção que acontece em uma geração é ‘seleção uma única vez’ análoga à organização dos seixos na praia. A característica peculiar da vida é que gerações sucessivas de tal seleção desenvolvem, progressiva e cumulativamente, estruturas que são eventualmente complexas o suficiente para criar a forte ilusão de design. ‘Seleção uma única vez’ é um lugar comum da física, e não pode originar complexidade adaptativa. Seleção cumulativa é a marca registrada da biologia e é, eu acredito, a força subjacente a toda complexidade adaptativa.
No mesmo artigo, Dawkins pondera sobre o fator limitante para a vida no universo. Na opinião dele, “se uma forma de vida apresenta complexidade adaptativa, ela deve possuir um mecanismo evolutivo capaz de gerar complexidade adaptativa. Independentemente de quais sejam esses mecanismos evolutivos, se alguma generalização puder ser feita sobre a vida no universo, eu aposto que ela sempre será reconhecida como vida Darwiniana”.


Muitos podem discordar da visão de Dawkins. Sim, certamente a vida em outros planetas pode ser muito distinta do que concebemos hoje em dia. Nas palavras do físico e astrônomo David Darling (2001, p. 12), “a vida em outros lugares pode ser tão estranha que, se basearmos nossas expectativas muito rigidamente em padrões terrestres, nós talvez tenhamos problemas em reconhecê-la”. No entanto, ele continua (p.13, o grifo é dele), “A abordagem adotada pela comunidade científica é simples, direta e prática: procurar pelo tipo de vida que conhecemos, com possíveis adaptações para diferentes ambientes”. Ou seja: se podemos identificar vida em outros planetas, ela deve estar dentro dos limites que definimos como vida, certo? Se sim, podemos dizer que, dada a existência de vida alienígena (uma vez que fomos capazes de identificar um organismo extraterrestre como tal), ela evolui da mesma forma que algo na Terra. Isso não significa, porém, que coisas completamente diferentes do que consideramos a priori não possam existir. Mas, se existirem, como conseguiremos dizer que são vivos, se não se encaixam na nossa definição pré-estabelecida?

No geral, o que fazemos é extrapolar nossa Biologia para o universo. Mesmo que outras Biologias existam, por mais que estejam debaixo dos nossos narizes, provavelmente não temos (ainda) a competência para identificá-las. A não ser, obviamente, que estendamos nossos conceitos, para que sejamos capazes de desvendar formas alternativas de vida (alienígenas), talvez presentes mesmo no nosso planeta, na chamada “biosfera sombria”.

A busca por uma conexão íntima entre a origem da vida na Terra e o Cosmo pode ser o início de uma “teoria geral da Biologia, uma estrutura de conceitos que sustentaria o desenvolvimento da vida onde quer que ela exista” (Darling, 2001, p. xiii). Essa conexão cósmica “não apenas ajudaria a explicar alguns dos problemas mais agudos da nossa Biologia e a extrema velocidade com que a vida se disseminou aqui. Ela também sugeriria que outras formas de vida no universo poderiam compartilhar muito da mesma base química” (Darling, 2001, p. 50).

É claro que não podemos ser arrogantes a ponto de considerar que chegaremos de fato a responder quais são as condições para a vida em todo o universo. Ainda desconhecemos muito do nosso próprio planeta! Astrobiologia é sobre saber se podemos extrapolar as condições que reconhecimentos como essenciais para a existência de vida para o restante do universo. Precisamos aceitar a limitação de que só podemos identificar o que podemos identificar... A Astrobiologia não vai ser capaz de dizer, de forma peremptória, como aparece a vida em qualquer parte do cosmo. Vai apenas criar possibilidades, metodologias e técnicas para saber se, fora da Terra, existem formas de vida como dentro da Terra (ou pelos como concebíveis pela nossa espécie).

Mesmo a tentativa de extrapolar a nossa Biologia para o resto do universo é extraordinariamente válida e interessante. É uma questão crucial e com implicações sociais e filosóficas gigantescas. Mas temos que ter a dimensão exata da nossa ignorância e da nossa condição diminuta frente ao Cosmos. É o que o físico prêmio Nobel Richard Feynman dizia "A imaginação da natureza é muito, muito maior que a imaginação do homem. Todos que não tiverem ao menos uma idéia vaga dessa observação não poderem nem imaginar quão maravilhosa a natureza é” (Feynman, 1998, p. 10).

Essa não é uma "visão utilitarista" da ciência, como alguns podem pensar. Penso na ciência como um conjunto de ferramentas e visões de mundo que desenvolvemos para compreender a vida, o universo e tudo mais. Penso, no entanto, que é dever dos cientistas conhecer suas limitações e o escopo do seu trabalho, por mais amplo que seja, sempre buscando extrapolar sua perspectiva circunscrita para fazer avançar o conhecimento. Ainda nas palavras de Feynman (1998, p. 24), “(...) as extrapolações são as únicas coisas que tem algum valor [científico] real”.

Partir do pressuposto que vamos conseguir todas as respostas e que já temos condições de chegar a elas me parece uma grande presunção (esse foi o erro da Física do final do século XIX, pouco antes do aparecimento da teoria da relatividade e da física quântica). Para o paleontólogo e evolucionista Stephen Jay Gould (1987, p. 19):
É importante que nós, cientistas atuantes, combatamos esses mitos da nossa profissão que a colocam como algo superior e à parte. (...) a longo prazo, a ciência só poderá vir a ser prejudicada por sua autoproclamada distinção como um sacerdócio capaz de preservar um rito sagrado conhecido como o método científico. A ciência é acessível a todos os seres pensantes porque aplica os instrumentos universais do intelecto aquilo que é o seu material distintivo. Entender a ciência - e nem seria preciso repetir a litania - torna-se cada vez mais crucial num mundo de biotecnologia, computadores e bombas.
Conviver com as incertezas, nunca perder o “senso de maravilhamento” perante o universo e observar (mas nem tanto) o rigor da formalização são premissas da ciência válidas para qualquer um que queira compreender a natureza e suas idiossincrasias.

Referências sugeridas:
Darling, D. (2001) Life everywhere: the maverick science of Astrobiology. Basic Books, New York.
Feynman, R.P. (1998) The meaning of it all: thoughts of a citizen scientist. Helix Books, Massachusetts.
Dawkins, R. (1983) Universal Darwinism. Em: Bendall, D.S. (ed.) Evolution from molecules to man. Cambridge University Press, 403–425.
Gould, S.J. (1981) [1987] Seta do tempo, ciclo do tempo: mito e metáfora na descoberta do tempo geológico. Companhia das Letras, São Paulo.
Sokal, A. & Bricmont, J. (2010) Imposturas intelectuais: o abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos. Editora Record, São Paulo.

9 comentários:

dos quarks aos quasares... disse...

Para um Longo Argumento, um contra-longo outro:


A ideia de se extrapolar o darwinismo universal aos problemas que não biologicos de Cosmos como replicador, de se propor o principio de Darwin da seleção natural como sendo apenas uma fração fractal de um principio universal gerador de vida que impulsiona também evolução das estrelas, galáxias e o próprio cosmos foi contra-argumentado tb pelo proprio Dawkins em “implications of natural selction and the laws of physics dawkins” refutando as ideias dos que a defendem (alguns nomes a citar dos defensores: James Gardner, John Von Neumann; Lee Smolin; E. Harrison; Louis Crane).


Talvez a melhor passagem que traduza esse abismo entre Darwinismo Universal biologico ou não biologico a que delimitamos seja o que Feynman escreve
"O que eu não posso construir eu não compreendo"

Por isso, talvez seja precipitado dizer que não é valido extrapolar os mecanismos biologicos a não biologicos seria como não saber imaginar o q poderia vir a ser o mecanismo de hereditariedade fisica/cosmologica’ (a forma como estamos imaginando e construindo o cenário de evolução de estrelas galáxias e afins em nossas cabeças é o q leva ao engano..uma vez q isso não é trivial tampouco intuitivo trocar DNA, RNA e afins por constantes, leis da fisica).


Sendo assim, a ideia de darwinismo universal não aplicado a surgimento de galaxias, estrelas e a fins cosmologicos é impossível de se provar (no momento). E toda discussão se encerra. Não podemos contra-argumentar algo que não se pode provar.

Basta lembrarmos que as ideias de Darwin não surgiram neutramente, se nao influenciadas pelas ideias do capitalismo da inglaterra do sec XIX, além de suas observações de seleção artificial dos animais. Darwin deu uma extrapola legal!!Mas q soube detalhar os mecanismos.



No entanto, a discussão permaneceria válida, curiosa intrigante quando nos põe a pensar se existe mesmo esse limite entre o não biologico e o biologico.
Nesse sentido a discussão torna-se um palimpsesto profundo, por envolver mais que compreender apenas o Darwinismo - seja aqui ou fora- implica em entender o limite do biologico, e portanto "do" Vida.

dos quarks aos quasares... disse...

Como você disse Charles, sobre nunca perder o senso de maravilhamento, acho isso quase que impossível quando se é alimentado diariamente em longos argumentos nessa brevíssima vida em Terra. Haveria vidas mais longas - tao longas quanto não podemos imaginar- capaz de compreender por completo?! É tão bela, extravagante, espantosa, criativa essa natureza que nos permite imaginar que sim, e ainda assim isso não seria suficiente, o que se torna tão contraditório - nem com a vida mais longa seria possível findar essa compreensão por completo ..

..já que " não há como mensurar a compreensao em sua completude, uma vez que Heisenberg a limita se for completo nao poderá ser coerente e se for coerente não poderá ser completo" nos resta maravilhados viver junto a essa incerteza na tentativa de qualquer compreensão...

Paulo Rebeque disse...

Excelente texto Charles... essa leitura me abriu para pensamentos novos a respeito "do pensar e fazer ciência"!!! Sempre devemos nos questionar, sobre tudo. A ciência não é obrigada a responder todas as perguntas, se é que existem respostas para todas as perguntas. Por outro lado isso não pode nos intimidar a não fazer mais perguntas!!! Esse é o espírito do cientista... sempre fazer perguntas!!!

Arthur J. disse...

Um dos melhores textos que li nos últimos meses sobre ciência. Gostei bastante da comparação das incompreensões da física quantica com as más aplicações que a teoria da evolução sofreu desde sua formulação.

Parabéns professor Charles pelo texto, e Letícia, pela pergunta que o desencadeou.

Anônimo disse...

Desde una perspectiva comunicacional podemos decir que todo existe o deja de existir en el lenguaje. Es decir para discutir la categoría de ser vivo o no.. es necesario comprender los signos que se han establecido para esta denominación.

El signo contiene tres elementos REFERENTE (nombramiento anterior), SIGNIFICANTE (Parte física o imagen mental), SIGNIFICADO (Concepto)...

En la escuela desde pequeños nos han enseñado que el SIGNO (SER VIVO) tiene tres significantes (hombre, plantas y animales).

Excelente discusión, no hablo ni escribo portugués, sin embargo intenté comprenderlo.

Saludos Cordiales,

Sofía Cabrera
Quito- Ecuador

Unknown disse...

Existe algo que me parece fundamental en este ensayo: lo interesante que puede resultar extrapolar las ciencias biológicas a otros aspectos de la naturaleza y la realidad.

Como bien se menciona, esta idea no es nueva y se ha hecho en varias ciencias, entre ellas la economía (como hago yo. No obstante, en esta última se presenta un problema que señala el texto.

La física mecánica newtoniana hace parte de la escuela clásica de filosofía de la ciencia, en la cual se creía que la ciencia podría llegar a todas las respuestas y lo que sabemos es lo cierto; esto se ha demostrado plenamente falso por la misma física. Sin embargo, la economía actual mantiene su "Imitación" de la ciencia física newtoniana del s. XIX.

Lo preocupante, es que la economía, que actualmente es una de las ramas del conocimiento que más impacta en la vida de las personas, siga manteniendo una postura ya superada por esa misma ciencia que imita.

Es necesario superar esto cambiando la actitud de la ciencia y lograr un progreso general. En esto, aprender de la biología em parece un paso importante

Charles Morphy D. Santos disse...

Caros todos,
Obrigado pelos comentários à postagem.

Cara Quark,
Extrapolar é importante e absolutante necessário para a ciência. Como você mesma colocou, extrapolações são válidas desde que se saiba detalhar os mecanismos - algo que não acontece na idéia de darwinismo aplicada à estrelas, galáxias e afins. O pensamento científico, pois mais livre que seja, precisa estar sedimentado em definições conceituais robustas. O "vale tudo", como preconiza Paul Feyerabend no clássico da filosofia da ciência 'Contra o método', pode parecer atraente para nossos desejos anarco-revolucionários mas, na prática, me parece ter pouca valia.

Caro Paulo,
Obrigado pelo comentário. Adoto na minha vida o "mantra" do Theodore Sturgeon: "Ask the next question". A ciência é extraordinária justamente porque se baseia no questionamento. É uma das poucas atividades em que seus praticantes acham excitante não saber das coisas!

Caro Arthur,
Se tiver oportunidade, leia o "Imposturas intelectuais", que citei na postagem. É um livro bem interessante sobre como se pode abusar da ciência em qualquer discurso. Algo semelhante para a teoria da evolução seria bastante interessante, não? Quem sabe um dia...

Caro Anônimo,
Você tem razão quando invoca Saussure. Realmente nos ensinam uma visão limitada do que é ser vivo na escola - a biologia moderna (nem tão moderna assim, é verdade) torna mais fluida a definição de vida; quem sabe a biologia do futuro não possa ser ainda mais inclusiva? Essa é uma das premissas da Astrobiologia.

Caro César,
O raciocínio científico vale mesmo fora da ciência. Talvez utilizá-lo para compreender outros aspectos da natureza e da realidade que não aqueles considerados tradicionalmente dentro do âmbito das ciências ditas "duras" seja ainda mais fundamental que extrapolar algumas das idéias das ciências biológicas. No mais, são as limitações humanas que separam o conhecimento em diferentes ramos, como se eles pudessem ser compreendidos separadamente. Assim como a evolução da vida, caracterizada por inúmeros eventos de "transferência horizontal de genes", o conhecimento humano também ganha quanto visto de uma perspectiva multi-facetada.

Abraços a todos!

Alessandro Moisés disse...

Excelente texto!

Nessa linha de aplicar a teoria de Darwin a outros ramos da ciência sugiro a leitura do ótimo livro:

"The Life of the Cosmos - Lee Smolin"

Nesse livro, o autor fornece uma explicação evolutiva para o porquê de nosso universo ser do jeito que é. O porquê de nosso universo ser regido pelas constantes físicas que medimos em laboratório e não por outras quaisquer.

Ele entra com a questão dos multiversos, universos-mãe e universos-filhos.

Metafísicas à parte, acho um tema bastante instigante.

Saudações

dos quarks aos quasares... disse...

Alessandro,

O problema no "The life of the cosmos" com a hipótese da replicação cosmológica seletiva na noção de "universo como replicador auto-organizador e autorreprodutor, competindo pelo sucesso da proliferação dentro de um conjunto de replicadores cósmicos dotados de diferentes poderes de replicação (seleção dos parâmetros das leis)"
não é metafísicas "à parte", pois ela é TODA parte da teoria. Tão logo o livro se não lido como científico, é bastante instigante sim. Assim como outros afins que continuam versões modificadas da conjectura de Smolin, tentam refiná-la e propor saídas aos problemas iniciais dela: (1) as leis e constantes fundamentais não parecem sintonizadas a maximização de buracos negros e (2) não é proposto nenhum mecanismo que corresponda a dois elementos essenciais do autônomo autorreplicador de von Neumann: um controlador e um duplicador. Os quais diz serem elementos essenciais de qualquer sistema replicador capaz de evolução darwiniana.
Para solucionar esses dois pontos falhos de Smolin, e na tentativa de defender esse "código cósmico" que continua evoluindo e que supostamente temos o controle ..as confusões vão desde "ontogenia cósmica", "fitness do universo" a "emergência cosmológica", "conjunto auto-catalítico cósmico". Mais ainda, que mecanismo poderia ser capaz de 'imprimir' as leis e bio-constantes? A hipótese parece insustentável ab initio. Uma biosfera cosmologicamente estendida não é sinônimo de Vida no Cosmos, é sinônimo claro do abuso intrínseco das extrapolações e analogias. Não há nenhum mecanismo sugerido para o fato das constantes de um universo bebê serem parecidas mas diferentes daquelas do universo mãe. A teoria darwiniana depende da existência anterior do forte fenômeno da hereditariedade. É preciso haver entidades autorreplicadoras (em uma população de tais entidades) que gerem entidades filhas mais parecidas consigo mesmas a população em geral.


Como se a nossa especie fosse a responsável por criar o próprio Universo e suas constantes, sendo ainda essas constantes favoráveis à vida. Nesse "universo autocriador' que pode gerar um código cósmico bioamigável de um universo mãe e gerar também o molde para produzir uma sucessão sem fim de universos bebês favoráveis à vida faz dessa "vida no cosmos" perder seu caráter de historicidade e contingência. Retorna a um diálogo teleológico. Volta-se a uma Teoria Final de tudo: uma verdadeira escatologia física do cosmos que no desejo pelo fim uno - que nossa espécie tem - desfarela toda essência da própria ciência: se houver um conhecimento total, a ciência não teria propósito algum. Se já conhecemos, já conhecemos tudo, não haveria necessidade de inferir coisa alguma.


Nas notas do professor Massimo (que não seria nada mal se escrito com "X") Pigliucci um pouco mais do Darwinismo Universal seus limites e extrapolações: http://rationallyspeaking.blogspot.com.br/2012/03/universal-darwinism-and-alleged.html


O alcance do campo de aplicação da SN é desconhecido e é em parte o que se quer descobrir: a universalidade da SN em termos biológicos vale aqui ou em qualquer lugar do Universo, e portanto, a biologia é universal assim como a física e a química? O que é certo: a universalidade do Darwinismo não se configura a sistemas não-biológicos. É interessante pensar sobre a não-universalidade do Darwinismo Universal. Faz até mesmo se aprofundar mais no que significa, de fato, a seleção natural como mecanismo de mudanças evolutivas (aqui ou em qualquer lugar do universo). Lembrando sempre claro da célebre ressalva "Estou convencido de que a SN tem sido o principal mas não exclusivo meio de modificação" (Darwin, 1859, p. 6).



Saludos!!