sexta-feira, 23 de maio de 2008

Filogenia como base para a investigação

Para Kuhn (1962), paradigmas são hipóteses, métodos e problemas típicos que determinam, para uma comunidade científica em um dado momento histórico, quais as questões prementes e quais as melhores maneiras de respondê-las. Há praticamente 150 anos, após os trabalhos de Alfred Wallace (1858) e especialmente de Charles Darwin (1858, 1859), despontou um corpo de hipóteses que veio a ser conhecido como teoria evolutiva e que se transformou no paradigma central da biologia. Talvez a maior revolução científica de toda a história humana (Gould, 2002), rivalizando apenas com a física de Newton, a teoria da evolução foi a principal responsável pela derrocada do antropocentrismo e pela introdução da idéia de que todos os seres vivos no planeta, incluindo aí também as espécies extintas, compartilham um ancestral comum em algum nível hierárquico, o que faz com que estejam historicamente conectados. Carl Sagan (1985) costumava dizer que somos todos poeira das estrelas. A partir dos trabalhos de Darwin e Wallace – que se basearam em predecessores como Lamarck, Buffon, e de Candolle – percebemos que conexão entre todos os componentes do mundo biológico não se dá apenas no nível atômico: somos todos herdeiros do processo evolutivo, materialista e inexorável.

O pensamento evolutivo, especialmente após a teoria sintética da evolução que tomou forma em meados dos anos 1940 (Mayr, 1982; Larson, 2006), influenciou todas as áreas das ciências biológicas (não apenas as voltadas para as causas distantes, i.e., históricas, mas também aquelas relacionadas às causas próximas). A sistemática, que muitos vêem como a real base do trabalho biológico (Nelson, 1994), não foi diferente. No entanto, a introdução da idéia de ancestralidade comum na prática de organizar a diversidade, na tentativa de reconstruir sua estrutura hierárquica subjacente, teve que esperar mais de 100 anos após a publicação do Origem das Espécies (Darwin, 1859). Foi apenas com o entomólogo Willi Hennig, e seu Grundzüge einer Theorie der phylogenetischen Systematik” (Hennig, 1950), posteriormente revisto e traduzido para o inglês sob o nome Phylogenetic Systematics (Hennig, 1966), que apareceu um método objetivo para a inferência das relações de parentesco entre os grupos biológicos. Esse conjunto de regras ficou conhecido como sistemática filogenética ou cladística.

O botânico italiano León Croizat (1964) definiu a biologia como o estudo da vida em seus três elementos: forma, tempo e espaço. Assim, seria impossível compreender as mudanças da forma (e.g., estruturas morfológicas, seqüências de bases nitrogenadas, padrões comportamentais) com o passar das gerações se for desconsiderado o elemento espacial da evolução. Com Croizat, a idéia de filogenia se funde à investigação dos padrões e processos que levam à distribuição dos organismos, tendo como arcabouço a geologia cambiante do nosso planeta (Wegener, 1924), e não mais o fixismo darwiniano. Nesse sentido, a biogeografia, que estuda exatamente a distribuição espacial dos organismos e suas causas, depende do arcabouço filogenético. Em suma, estudar os organismos no espaço depende de resultados de análises cladísticas, que utilizam o método criado por Hennig (1950, 1966) com vistas a tornar a prática de organizar o conhecimento biológico em uma atividade de fato científica, possibilitando que as inferências evolutivas derivadas dessas classificações também tivessem um viés de cientificidade, como aquele das ciências exatas, e não fossem mais uma mistura de ciência e arte, como defendia o paleontólogo G. G. Simpson (1961).

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