segunda-feira, 7 de julho de 2008

Ensaio: Sobre as revoluções

Esse breve ensaio foi publicado na Gazeta de Ribeirão do dia 12 de dezembro de 2004.
Ele se chamaria originalmente "De Revolutionibus", fazendo referência à obra De revolutionibus orbium coelestium, de Nicolau Copérnico (1473-1543), publicada pela primeira vez no ano da morte do seu autor.
Foi com a perspectiva heliocêntrica de Copérnico que começou a derrocada do antropocentrismo - muitos filósofos e historiadores da ciência consideram que essa talvez tenha sido a maior contribuição científica individual de toda a história humana, abrindo caminho para uma compreensão da realidade que nos cerca sem a dependência de entidades sobrenaturais.
Para muitos, o golpe final na necessidade de postular a existência da mão divina para a origem e manutenção dos mecanismos que mantém o motor da realidade girando foi dado por Charles Darwin em 1859, com o lançamento do seu Sobre a origem das espécies. O trabalho de Darwin pode não ter sido a estocada derradeira nessa visão de mundo ingênua e deísta mas, com certeza, representou uma revolução (ainda em processo) na maneira do homem enxergar sua posição perante a natureza. Darwin não matou Deus. Ele só começou a mostrar que a hipótese da Sua existência é completamente desnecessária.


Sobre as revoluções

Charles Morphy D. Santos

Em 1992, o cientista político Francis Fukuyama declarou com alarde o fim da História. Segundo ele, não haveria mais disputas ideológicas ou grandes acontecimentos que sobressaltassem o domínio exercido pela economia de livre mercado sobre o cenário mundial. A futurologia de Fukuyama, entretanto, não sobreviveu à queda do World Trade Center, que alterou o centro das discussões geopolíticas e empurrou o planeta rumo à incerteza histórica.

A História é pontuada por instabilidades e revoluções que mudam os rumos das sociedades, gerando novos problemas e expectativas. Esses períodos revolucionários são precedidos por relativa estabilidade, mesmo que mantida à força de armas, durante a qual pode-se ouvir o borbulhar da insurreição, mas nada garante que as mudanças tenham data para acontecer. Os exemplos são inúmeros. A revolução Bolchevique de 1917 desmantelou o czarismo que controlava a Rússia há gerações. O mesmo ocorreu em Cuba, em 1959. Enquanto Che Guevara e Fidel Castro pegavam em armas e inflamavam o povo, o general Fulgêncio Batista assinava acordos em interesse próprio, prática corriqueira por décadas na ilha.


Essa estase seguida de mudanças súbitas é comum também no desenvolvimento das ciências. Antes de surgir uma teoria revolucionária, a comunidade científica vive períodos caracterizados pela prática da ciência normal, que utiliza o conhecimento vigente, ou paradigma, para a execução de tarefas e resolução de problemas sem contestar seus fundamentos. O pensamento científico desenvolve-se a partir do questionamento e substituição desses paradigmas por meio de revoluções capitaneadas por outro conjunto de hipóteses que transcenda as soluções apresentadas pelo paradigma anterior. A teoria da evolução de Charles Darwin e Alfred Wallace é um exemplo de revolução científica, pois provocou a mudança de uma visão criacionista do mundo natural para um paradigma evolucionista materialista, que descarta eventos sobrenaturais para explicar a origem e diversificação dos seres vivos.

A transitoriedade das teorias é característica do pensamento científico. Nada em ciência é definitivo ou absoluto, pois apenas hipóteses que podem ser desafiadas à luz de novos conhecimentos são científicas. Não se espera encontrar a verdade em um laboratório (as revelações são típicas das religiões, essencialmente dogmáticas).

Enraizada no contexto social e histórico, a ciência é uma prática humana como outras. Sob a aparência equilibrada e estável da superfície fomentam-se golpes que podem mudar o rumo de uma área de pesquisa ou, caso eles se mostrem precipitados ou ingênuos, tornar mais forte o paradigma corrente.
A revolução é a constante global da História.

Apesar de profetas apocalípticos aparecerem pregando o fim das mudanças e a apatia sem fim, as sociedades humanas (e as ciências nela inseridas) caminham entre a estase e o ponto de mutação. As grandes mudanças derrubam alicerces e deslocam o centro das discussões, sejam elas a respeito da política de uma nação ou sobre a posição do homem entre as demais espécies. Mesmo que se apregoe a total manutenção das convicções prévias e do conhecimento estabelecido, os insurgentes podem estar escondidos, tramando a próxima manobra.

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