"Tudo o que tem a fazer é escrever uma frase verdadeira. Escreva a frase mais verdadeira que souber (...) Se começasse a escrever rebuscadamente, ou como se estivesse defendendo ou apresentando alguma coisa, achava logo que podia cortar esses floreados ou ornamentos, jogá-los fora e começar com a primeira proposição afirmativa verdadeira e simples que tivesse escrito".
O filósofo John Wilkins, no seu artigo The roles, reasons and restrictions of science blogs, publicado na edição de agosto da Trends in Ecology and Evolution, define um blog como "fundamentalmente uma página da web atualizada constantemente, com entradas ('postagens') que têm uma data, tempo e, se muitos autores contribuírem para o blog, selos com autor e nome". Para ele, um das razões flagrantes para a existência de blogs é a comunicação científica. Além disso, essa também é uma forma de desmistificar a ciência e de fazer frente a perspectivas contrárias, presentes no discurso público (e.g., anti-evolucionistas), àquelas científicas. Ainda segundo Wilkins, um blog que representa uma comunidade científica ou subdisciplina irá ele mesmo se transformar em uma comunidade.
Tomadas em conjunto, essas idéias parecem expressar, no geral, o que pensam as pessoas que se dedicam a escrever nesses veículos que - erroneamente - são considerados como web 2.0 (essa denominação foi usada inclusive no artigo sobre blogs científicos veiculado na edição de julho da Scientific American Brasil. A tal web 2.0 - discutida por muitos teóricos que trabalham com cibercultura, entre eles o brasileiro André Lemos - demandaria muito mais interação e possibilidade de interferência que o simples postar-comentar-responder dos blogs). Porém, há sempre o outro lado da moeda, que o próprio Wilkins lembra: blogs carecem de controle de qualidade e editoração adequada. Além disso, ainda há o preconceito da "velha guarda" da ciência (sem conotação pejorativa), que privilegia o trabalho "real" em detrimento do que é divulgado na rede.
Assim como o papel das revistas de hard-science, blogs são meios para a divulgação de idéias. É inocente quem pensa que o trabalho publicado (impresso) passa por um crivo tão grande de qualidade quanto seria de se esperar - basta relembrarmos dos recentes episódios de manipulação de dados em artigos da prestigiada Science. Além do mais, mesmo publicações de menor índice de impacto, mas de vital importância para áreas específicas das ciências, também têm problemas com o peer-review. Pesquisadores da "periferia" da ciência, como os brasileiros, sempre sofrem mais para terem seus artigos publicados, sendo eles valiosas contribuições para o campo de escrutínio ou não. Enquanto isso, profusões de textos "copy-and-paste" saem todos os meses, mais onerando do que desenvolvendo as ciências como um todo.
Nesse ínterim, o que talvez conspire contra os blogs seja o próprio rótulo 'blog', comumente relacionado a diários pessoais on-line que, para muitos, caracterizam a geração e-mail (geração web? geração internet? geração orkut?). Blogs científicos podem significar muito mais do que isso. Para tanto, ao serem preparados, e independentemente da linha de argumentação ou do assunto comentado, as postagens precisam ser cuidadosamente construídas e divulgadas. É claro que a ciência exposta não deve ser vetusta e hermética, sob o risco de afastarmos ainda mais o público já pouco afeito a exposições aprofundadas sobre o conhecimento científico. No entanto, não há motivos para que uma postagem em um blog não seja tão zelosa sobre seu conteúdo e forma quanto um texto para uma revista tradicional. Quem leu o artigo do Wilkins pôde perceber claramente que não há nada ali que já não havia sido discutido anteriormente na própria blogosfera.
Um outro aspecto interessante, levantando no Roda de Ciência, diz respeito ao papel dos blogs na educação. Escrevi anteriormente em um artigo publicado na Ciência Hoje e apresentado aqui em uma versão "sem cortes" o seguinte parágrafo:
"A aula não pode se ater à superficialidade dos livros didáticos, devendo ser acrescida das discussões filosóficas e históricas pertinentes. A leitura é fundamental para o professor, incluindo as obras originais e compêndios sobre os tópicos estudados. Atualmente, há ferramentas disponíveis na internet, tais como blogs, revistas de divulgação online, portais com obras completas de autores consagrados das ciências e da filosofia, e sítios com apresentações, exercícios e documentários que podem ser importantes fontes de informação para o docente – e também para os alunos, especialmente quando orientados de forma adequada".
Blogs não são substitutos da divulgação tradicional (em papel) e não devem ser vistos dessa forma. Não obstante, eles são ferramentas complementares, que permitem uma dimensão extra para a publicação da pesquisa científica, com recursos próprios que permitem grande dinamismo e um maior alcance para o que é discutido. Obviamente, a importância dos blogs para a comunidade científica ainda não pode ser analisada em uma perspectiva histórica, mas seu impacto no ensino de ciências, por exemplo, pode ser notado por muitos dos que utilizam tal ferramenta.
Independentemente do rótulo, o que se escreve deve ser "verdadeiro", como Hemingway diz. O meio faz parte, mas não é ele próprio a mensagem.
PS: Wilkins reclamou em seu blog da tradução do seu artigo publicada no Roda de Ciência. Ao meu ver, sua atitude foi arrogante e contrária ao espírito da blogosfera científica. Apesar de idioma universal das ciências, o inglês não é o único. A idéia da tradução foi facilitar o acesso à informação para aqueles que não podem conseguir o artigo original ou não conseguiriam decifrá-lo. De qualquer maneira, como foi comentado acima, não há idéias originais no artigo de Wilkins - ele simplesmente é um síntese.
Este post pertence ao Roda de Ciência. Por favor, insira seus comentários aqui.
Ernest Hemingway, A moveable feast (Paris é uma festa), p. 29
O filósofo John Wilkins, no seu artigo The roles, reasons and restrictions of science blogs, publicado na edição de agosto da Trends in Ecology and Evolution, define um blog como "fundamentalmente uma página da web atualizada constantemente, com entradas ('postagens') que têm uma data, tempo e, se muitos autores contribuírem para o blog, selos com autor e nome". Para ele, um das razões flagrantes para a existência de blogs é a comunicação científica. Além disso, essa também é uma forma de desmistificar a ciência e de fazer frente a perspectivas contrárias, presentes no discurso público (e.g., anti-evolucionistas), àquelas científicas. Ainda segundo Wilkins, um blog que representa uma comunidade científica ou subdisciplina irá ele mesmo se transformar em uma comunidade.
Tomadas em conjunto, essas idéias parecem expressar, no geral, o que pensam as pessoas que se dedicam a escrever nesses veículos que - erroneamente - são considerados como web 2.0 (essa denominação foi usada inclusive no artigo sobre blogs científicos veiculado na edição de julho da Scientific American Brasil. A tal web 2.0 - discutida por muitos teóricos que trabalham com cibercultura, entre eles o brasileiro André Lemos - demandaria muito mais interação e possibilidade de interferência que o simples postar-comentar-responder dos blogs). Porém, há sempre o outro lado da moeda, que o próprio Wilkins lembra: blogs carecem de controle de qualidade e editoração adequada. Além disso, ainda há o preconceito da "velha guarda" da ciência (sem conotação pejorativa), que privilegia o trabalho "real" em detrimento do que é divulgado na rede.
Assim como o papel das revistas de hard-science, blogs são meios para a divulgação de idéias. É inocente quem pensa que o trabalho publicado (impresso) passa por um crivo tão grande de qualidade quanto seria de se esperar - basta relembrarmos dos recentes episódios de manipulação de dados em artigos da prestigiada Science. Além do mais, mesmo publicações de menor índice de impacto, mas de vital importância para áreas específicas das ciências, também têm problemas com o peer-review. Pesquisadores da "periferia" da ciência, como os brasileiros, sempre sofrem mais para terem seus artigos publicados, sendo eles valiosas contribuições para o campo de escrutínio ou não. Enquanto isso, profusões de textos "copy-and-paste" saem todos os meses, mais onerando do que desenvolvendo as ciências como um todo.
Nesse ínterim, o que talvez conspire contra os blogs seja o próprio rótulo 'blog', comumente relacionado a diários pessoais on-line que, para muitos, caracterizam a geração e-mail (geração web? geração internet? geração orkut?). Blogs científicos podem significar muito mais do que isso. Para tanto, ao serem preparados, e independentemente da linha de argumentação ou do assunto comentado, as postagens precisam ser cuidadosamente construídas e divulgadas. É claro que a ciência exposta não deve ser vetusta e hermética, sob o risco de afastarmos ainda mais o público já pouco afeito a exposições aprofundadas sobre o conhecimento científico. No entanto, não há motivos para que uma postagem em um blog não seja tão zelosa sobre seu conteúdo e forma quanto um texto para uma revista tradicional. Quem leu o artigo do Wilkins pôde perceber claramente que não há nada ali que já não havia sido discutido anteriormente na própria blogosfera.
Um outro aspecto interessante, levantando no Roda de Ciência, diz respeito ao papel dos blogs na educação. Escrevi anteriormente em um artigo publicado na Ciência Hoje e apresentado aqui em uma versão "sem cortes" o seguinte parágrafo:
"A aula não pode se ater à superficialidade dos livros didáticos, devendo ser acrescida das discussões filosóficas e históricas pertinentes. A leitura é fundamental para o professor, incluindo as obras originais e compêndios sobre os tópicos estudados. Atualmente, há ferramentas disponíveis na internet, tais como blogs, revistas de divulgação online, portais com obras completas de autores consagrados das ciências e da filosofia, e sítios com apresentações, exercícios e documentários que podem ser importantes fontes de informação para o docente – e também para os alunos, especialmente quando orientados de forma adequada".
Blogs não são substitutos da divulgação tradicional (em papel) e não devem ser vistos dessa forma. Não obstante, eles são ferramentas complementares, que permitem uma dimensão extra para a publicação da pesquisa científica, com recursos próprios que permitem grande dinamismo e um maior alcance para o que é discutido. Obviamente, a importância dos blogs para a comunidade científica ainda não pode ser analisada em uma perspectiva histórica, mas seu impacto no ensino de ciências, por exemplo, pode ser notado por muitos dos que utilizam tal ferramenta.
Independentemente do rótulo, o que se escreve deve ser "verdadeiro", como Hemingway diz. O meio faz parte, mas não é ele próprio a mensagem.
PS: Wilkins reclamou em seu blog da tradução do seu artigo publicada no Roda de Ciência. Ao meu ver, sua atitude foi arrogante e contrária ao espírito da blogosfera científica. Apesar de idioma universal das ciências, o inglês não é o único. A idéia da tradução foi facilitar o acesso à informação para aqueles que não podem conseguir o artigo original ou não conseguiriam decifrá-lo. De qualquer maneira, como foi comentado acima, não há idéias originais no artigo de Wilkins - ele simplesmente é um síntese.
Este post pertence ao Roda de Ciência. Por favor, insira seus comentários aqui.