Os organismos conhecidos, com poucas exceções, compartilham as mesmas instruções relacionadas à síntese das proteínas – o chamado código genético. O mesmo códon está ligado à síntese de um determinado aminoácido em organismos tão díspares quanto uma medusa, uma planária e um golfinho. Esse caráter universal do código genético é uma forte evidência de que todos os seres vivos descendem de um ancestral comum.
Além da molécula armazenadora de informação, também deve ter aparecido na primeira forma de vida algum tipo de membrana limitante, talvez formada por lipídios e outros componentes orgânicos associados, funcionando como barreira seletiva entre o meio externo e o meio interno, além de permitir a passagem de água, nutrientes e resíduos metabólicos. A célula é a unidade fundamental de todos os seres vivos, com exceção dos vírus, que são acelulares e parasitas obrigatórios (até mesmo de outros vírus, como recentemente reportado). A célula é um compartimento envolvido por uma membrana e contendo, no seu interior, uma solução aquosa concentrada de substâncias químicas.
Segundo a teoria evolutiva, todos os organismos existentes têm um ancestral comum em algum momento de sua história biológica, já que novas espécies surgem a partir de um processo de descendência com modificação de espécies pré-existentes. Dessa maneira, todas as células, constituintes de qualquer espécie orgânica (animais, vegetais, algas, protistas), descendem de uma célula ancestral comum, simples, sem envoltório nuclear ou organelas citoplasmáticas membranosas. No interior dessa "célula ancestral", provavelmente alguma via metabólica simples, semelhante aos processos fermentativos existentes hoje, era empregada para a disponibilização de energia a partir do alimento – as principais rotas metabólicas (fermentação, respiração, fotossíntese e quimiossíntese) apareceram nos primórdios da evolução da vida. A partir desse ancestral, mutações aleatórias e recombinações genéticas, aliadas à seleção natural e a eventos estocásticos, que alteram as freqüências gênicas nas populações, levaram ao aparecimento de novas variedades de células, aptas a sobreviverem em ambientes diversos.
O primeiro organismo constituído por uma membrana limitante e uma molécula replicadora responsável pelo seu conteúdo informacional com certeza foi mais simples que qualquer forma de vida existente hoje. Dentre as várias hipóteses aventadas no correr dos anos, um dos mais propensos candidatos a sistema replicador ancestral é um determinado tipo de RNA capaz de se multiplicar e de catalisar reações químicas, agindo como uma enzima. O surgimento de uma grande variedade de organismos baseados nessa molécula teria originado algo como um “mundo de RNA”. Pesquisas recentes, entretanto, apontam para um cenário pré-RNA, no qual ácidos nucléicos ainda menos complexos teriam ação enzimática e capacidade de auto-replicação. Um destes sistemas genéticos talvez se assemelhasse ao TNA (do inglês Threose Nucleic Acid, ácido treonucléico), um polímero simples sintetizado em laboratório contendo um açúcar de quatro carbonos em contraposição aos cinco carbonos dos açúcares constituintes do RNA e DNA (riboses e desoxirriboses, respectivamente). Em laboratório, o TNA forma duplas-hélices estáveis com fitas de RNA e DNA complementares, o que sugere que essa molécula (ou outra quimicamente semelhante) tenha precedido os dois ácidos nucléicos existentes hoje na natureza. Alguns estudos trabalham com hipóteses alternativas de moléculas ancestrais, tais como o PNA (ácido nucléico peptídico) e o ácido nucléico derivado de glicerol, todas mais simples que o RNA.
Sob a forma de organismos microscópicos unicelulares, a vida evolui por bilhões de anos, até o surgimento dos organismos como envoltório nuclear, os eucariotos.
Eucariotos
Afora as bactérias verdadeiras, as arqueobactérias e os vírus, todas as formas de vida no planeta são eucariotos, organismos que apresentam o núcleo envolto por uma membrana chamada carioteca. Os eucariotos apareceram há pelo menos um bilhão de anos (estimativas conservadoras falam em 600 milhões de anos de história do grupo, enquanto extrapolações ousadas elevam esse número para 2 bilhões). As características estruturais das células procarióticas – membrana plasmática, citoplasma, ribossomos e material genético – mantêm-se nos eucariotos. Entretanto, esses organismos são mais complexos que as bactérias. No seu citoplasma, espalham-se diversas organelas relacionadas à funções intracelulares específicas.
Após o surgimento do envoltório nuclear e sobretudo com a evolução dos processos respiratórios e a possibilidade de um maior saldo energético à disposição das células, a vida entrou em uma fase de explosão de complexidade. No seu último bilhão de anos, o planeta presenciou a aurora de uma gigantesca diversidade orgânica, que só pouco a pouco começa a ser compreendida.
Muitas ainda são as dúvidas a respeito da origem da vida. Não há consenso sobre quando ou onde tudo começou. Os primeiros organismos surgiram na Terra ou em algum outro planeta? Como um ser vivo carregado de informação genética emergiu de matéria-prima inerte, não-viva, também é uma incógnita. Teria sido através de processos auto-ordenadores, intrínsecos da matéria? A “sopa primordial” continua quente, mas suas bases têm sido constantemente reavaliadas a partir de novas descobertas – hipóteses diferentes surgem quase todos os meses. A única certeza sobre a forma de vida inicial é a sua complexidade mínima (é a “parede à esquerda” da qual falava o falecido paleontólogo Stephen Jay Gould).
Não sabemos se estamos sozinhos no Universo ou se o cosmo pulsa vivo. A vida pode ser uma propriedade inerente à matéria, mas tudo talvez não passe de uma confluência de eventos única e sem paralelos em nenhum planeta. Se voltássemos a fita da história da Terra, qualquer pequena alteração na gigantesca cadeia de eventos que levou até o momento em que você lê essas linhas poderia resultar em um mundo indescritivelmente distinto daquele do lado de fora (e de dentro!) da sua janela. Entender como surgiu a vida e como ela evoluiu nos últimos 4 bilhões de anos é prestar um tributo à contingência e à idéia de que alguns dos aspectos aparentemente mais banais da natureza são paradoxalmente os mais improváveis e os mais maravilhosos.
Post-scriptum: Há uma vasta bibliografia sobre esses temas, com diferentes abordagens. Alguns livros têm tradução para o português: “O que é a vida?” de Erwin Schrödinger (o livro, de 1944, está compreensivelmente defasado, mas ainda é instigante); “O que é a vida? 50 anos depois” (vários autores, entre eles o supracitado S.J.Gould, Stuart Kauffman e Roger Penrose); e “O quinto milagre”, do físico Paul Davies. Sobre a contingência na evolução, os primeiros e os últimos capítulos do “Vida maravilhosa” (originalmente publicado em 1989), de S.J. Gould, são muito interessantes – há um extraordinário filme de Frank Capra, de 1946, chamado “It's a wonderful life” (no Brasil intitulado, sabe-se lá o porquê, "A felicidade não se compra”) que também trata do assunto. Sobre reconstruções de como seriam possíveis organismos extraterrenos, “Cosmos” (tanto a série quanto o livro), de Carl Sagan, é uma boa introdução.
Um comentário:
Adorei..........principalmente quem escreveu...........
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