A notícia veiculada recentemente sobre a posição do Brasil no ranking da educação feito pela Unesco (88º em 127 países analisados!) vai ao encontro do cenário apresentado pelo físico ganhador do Nobel Richard P. Feynman quando da sua passagem por aqui, na década de 1950. Os trechos são do Surely you’re joking, Mr Feynman! (1985), traduzido para o português como Deve ser brincadeira, Sr. Feynman! e lançado em 2000 pela Editora da Universidade de Brasília. As ênfases são minhas.
“Depois de muita investigação, finalmente descobri que os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o que queria dizer”.
p. 238
“Então, você vê, eles podiam passar nas provas, ‘aprender’ essa coisa toda e não saber nada, exceto o que eles tinham decorado”.
p. 239
“Uma outra coisa que nunca consegui que eles fizessem foi perguntas. Por fim, um estudante explicou-me: ‘Se eu fizer uma pergunta para o senhor durante a palestra, depois todo mundo vai ficar me dizendo: Por que você está fazendo a gente perder tempo na aula? Nós estamos tentando aprender alguma coisa, e você o está interrompendo, fazendo perguntas’.
Era como um processo de tirar vantagens, no qual ninguém sabe o que está acontecendo e colocam os outros para baixo como se eles realmente soubessem. Eles todos fingem que sabem e se um estudante faz uma pergunta, admitindo por um momento que as coisas estão confusas, os outros adotam uma atitude de superioridade, agindo como se nada fosse confuso, dizendo aquele estudante que ele está desperdiçando o tempo dos outros.
Expliquei a utilidade de se trabalhar em grupo para discutir as dúvidas, analisá-las, mas eles também não faziam isso porque estariam deixando cair a máscara se tivessem de perguntar alguma coisa a outra pessoa. Era uma pena! Eles, pessoas inteligentes, faziam todo o trabalho, mas adotaram essa estranha forma de pensar, essa forma esquisita de autopropagar a ‘educação’, que é inútil, definitivamente inútil!”.
p. 240-241
“Daí eu disse: ‘O principal propósito da minha apresentação é provar aos senhores que não se está ensinando ciência alguma no Brasil’”.
p. 242
“Por fim, eu disse que não conseguia entender como alguém podia ser educado neste sistema de auto-propagação, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada”.
p. 244
“O outro estudante que havia se saído bem em sala de aula tinha algo semelhante a dizer. O professor que eu havia mencionado levantou-se e disse: ‘Estudei aqui no Brasil durante a guerra quando, felizmente, todos os professores haviam abandonado a universidade: então aprendi tudo lendo sozinho. Dessa forma, na verdade, não estudei no sistema brasileiro’.
Eu não esperava aquilo. Eu sabia que o sistema era ruim, mas 100 por cento – era terrível!”.
p. 244
O ensaio 'O americano, outra vez', do qual forem extraídos esses trechos, deveria ser leitura obrigatória tanto para docentes quanto para alunos de ciências de qualquer escola brasileira.
“Depois de muita investigação, finalmente descobri que os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o que queria dizer”.
p. 238
“Então, você vê, eles podiam passar nas provas, ‘aprender’ essa coisa toda e não saber nada, exceto o que eles tinham decorado”.
p. 239
“Uma outra coisa que nunca consegui que eles fizessem foi perguntas. Por fim, um estudante explicou-me: ‘Se eu fizer uma pergunta para o senhor durante a palestra, depois todo mundo vai ficar me dizendo: Por que você está fazendo a gente perder tempo na aula? Nós estamos tentando aprender alguma coisa, e você o está interrompendo, fazendo perguntas’.
Era como um processo de tirar vantagens, no qual ninguém sabe o que está acontecendo e colocam os outros para baixo como se eles realmente soubessem. Eles todos fingem que sabem e se um estudante faz uma pergunta, admitindo por um momento que as coisas estão confusas, os outros adotam uma atitude de superioridade, agindo como se nada fosse confuso, dizendo aquele estudante que ele está desperdiçando o tempo dos outros.
Expliquei a utilidade de se trabalhar em grupo para discutir as dúvidas, analisá-las, mas eles também não faziam isso porque estariam deixando cair a máscara se tivessem de perguntar alguma coisa a outra pessoa. Era uma pena! Eles, pessoas inteligentes, faziam todo o trabalho, mas adotaram essa estranha forma de pensar, essa forma esquisita de autopropagar a ‘educação’, que é inútil, definitivamente inútil!”.
p. 240-241
“Daí eu disse: ‘O principal propósito da minha apresentação é provar aos senhores que não se está ensinando ciência alguma no Brasil’”.
p. 242
“Por fim, eu disse que não conseguia entender como alguém podia ser educado neste sistema de auto-propagação, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada”.
p. 244
“O outro estudante que havia se saído bem em sala de aula tinha algo semelhante a dizer. O professor que eu havia mencionado levantou-se e disse: ‘Estudei aqui no Brasil durante a guerra quando, felizmente, todos os professores haviam abandonado a universidade: então aprendi tudo lendo sozinho. Dessa forma, na verdade, não estudei no sistema brasileiro’.
Eu não esperava aquilo. Eu sabia que o sistema era ruim, mas 100 por cento – era terrível!”.
p. 244
O ensaio 'O americano, outra vez', do qual forem extraídos esses trechos, deveria ser leitura obrigatória tanto para docentes quanto para alunos de ciências de qualquer escola brasileira.
9 comentários:
É fato: não se ensina ciência no Brasil. Feynman é um físico e considera a situação ruim em sua própria área... O que dizer da biologia? Nunca tive qualquer contato com a teoria evolutiva por conta dos meus professores do Ensino Médio, e foram ótimos professores! Se não entrasse na universidade quiçá jamais entenderia que a biologia não se trata de dar nomes e decorar funcões, mas de um exercício de observação, análise e inferência, ou seja: se trata de uma ciência.
O mais assustador não é apenas ver egressos da educação básica com este pensamento, mas ter provas concretas de que alguns professores doutores podem muitas vezes se equivocar ao pôr a biologia em um patamar meramente descritivo - afinal, mais importante que a diferença entre o Ipê e o Flamboyant é o entendimento de como estes dois seres vivos foram selecionados positivamente, como suas proteínas são sintetizadas, como podemos fazer uso destas duas espécies e qual seu papel ecológico. Enfim... é comum ver grupos religiosos dizendo que a síntese evolutiva é ensinada como 'factual'; mas sequer a vejo sendo ensinada como ciência. Dúvidas devem ser levantadas contra a síntese evolutiva sim, como devem ser levantadas dúvidas sobre a gravitação (e foram!), sobre a geometria Euclidiana, e sobre qualquer outra área do conhecimento; dúvidas fazem parte do processo do que é ciência, mas essas dúvidas não devem ser pragmáticas.
Talvez - e digo apenas talvez por conta dos profissionais que colocariam isso em prática - o ensino brasileiro se beneficiaria de uma explicação sobre o que é ciência, uma discussão prolongada através de todos os anos de formação acerca da parcimônia de dados, de como tirar conclusões que estejam mais ou menos se aproximando da verdade, enfim de como serem cientistas e montar longos argumentos. É importante hoje também desmistificar a questão da matematização do conhecimento... Quantos pesquisadores concordam com isso? Quantas provas se tem para suportar uma teoria? - essas são perguntas frequentes mas de nenhuma valia. Pergunte quantos pesquisadores concordavam que a Terra era chata, ou quantos calculos suportavam essa hipótese. A avaliação do conhecimento científico deveria se dar de forma qualitativa mais que quantitativa: quão plausível é uma teoria? como o que apreendemos da realidade se ajusta a uma ou outra teoria?
Infelizmente parece que estamos longe de desenvolver tantos pesquisadores capazes deste tipo de pensamento.
Bem, vamos ver se o caminho começa a mudar.
O primeiro passo ja esta ocorrendo: o reconhecimento d que metemos o pé na jaca.
Que venham os segundos.
E teremos de ser um tanto quanto criativos pois a coisa não está nada boa.
Esaú, abstração vai ser a única forma de traduzir a atual realidade de ensino e transmutá-la a níveis compreensíveis a mente humana.
Somos mesmo limitados pela nossa linguagem, então pq não inventar outros métodos. Que são exatamente as ferramentas.
Como equações, regras matemáticas, geram um montam de imagens. Pq é isso q nosso espécie precisa: enxegar. O problema? Quando algumas coisas não são possíveis de veer (pelo menos c/ as atuais ferramentas). Poucos compreendem. E vai depender de outros Feynman(s)traduzirem a uma linguagem acessível a grande limitação que nossa espécie tem: que é a própria linguagem.
O que é mais complicado são os próprios da mesma espécie mal conseguirem se interpretar. É um diz que me diz, q me diz q não entende.
A subjetividade deverá ser entendida como imaginar a beleza que não podemos ver (ainda).
Essa questão trazida pelo professor é interessante, triste. Triste, mas interessante.
Acredito ainda em novos Feynman (s) brasileiros. Acredito!
Abraços...
Caro Orientador,
É fato o problema do ensino e aprendizagem. Acredito que isso possa ser mudado com a maior valorização dos métodos que buscam motivar a capacidade de raciocínio e não os que buscam cobrar "o que foi imposto quase como um dogma do século passado" em sala de aula. Cada uma das partes têm seus valores. O método científico é preferido didaticamente, pois tem como base, teórica, o "exercício da observação" como Esaú ressaltou.
Parabéns Doc.
Att
Concordo com o seu texto e com o que o professor Feynman escreveu. Mas ensinar qualquer coisa no nosso sistema de ensino é díficil. Línguas é decorar regras, não se ensina a pensar e nem os motivos que as regras existem. Garanto que muita gente, inclusive eu gostaria bem mais de estudar línguas.
Ensinar Ciência é tão complicado quanto, como ensinar química, física e matemática sem que os alunos possam aplicar esses ensinamentos em experimento simples em um laboratório ou em uma aula diferente fora da escola?
Hoje você precisa ensinar o aluno a fazer prova para passar no vestibular, ensina ele a decorar milhoões de fórmulas para fazer os testes e só na faculdade ele vai descobrir que não sabia nada, pois na faculdade que ele é exigido a pensar.
Ensinar antes de tudo é ensinar ao aluno a pensar e ajudar o aluno a aplicar o que aprendeu. O professor tem experiência para isso, basta que tenha condições de trabalho satisfatórias. Há professores que fazem milagres, mas esses são casos isolados.
Todos os dias me cobro como ensinar Química para os meninos e fazer eles verem a beleza que eu enxergo!
Abraços
Caros colegas,
Obrigado pelos comentários!
A questão proposta, na minha opinião, não diz respeito apenas aos docentes. O sistema educacional, pelo fato de ser um "sistema", é bem mais complexo que isso.
Já falei centenas de vezes em aula para os alunos tentarem esquecer, nem que seja por apenas alguns minutos, coisas como CR (Coeficiente de Rendimento), CA (Coeficiente de Aproveitamento), médias ponderadas, notas e afins.
Infelizmente, o discurso é sempre o mesmo "Mas professor, precisamos de nota p/ aumentar o CR. Só assim vamos conseguir bolsas de IC, depois de Mestrado, Doutorado, etc". E a roda continua a girar sem mudança alguma...
Os professores precisam mudar sua visão e os alunos também! Para isso, apenas palavras não bastam: atitude e sobretudo responsabilidade são essenciais. Tenho, nos últimos tempos, disponibilizado minhas avaliações muito dias antes delas acontecerem de fato, para que os alunos possam discutir entre si, pensarem a respeito dos problemas e construirem suas linhas de raciocínio. No entanto, sei que grande parte deles deixa pra estudar na última hora...
Ainda, nosso sistema educacional reflete uma série de outras decisões baseadas em "numerologia": na universidade, professores são cobrados pela quantidade de artigos que publicam, programas de pós-graduação recebem nota segundo o número de trabalhos publicados em revistas X e Y nos últimos três anos, etc...
O ensino brasileiro se deixou levar pela tecnocracia e ficou apagado, burro, pouquíssimo criativo e com potencial transformador praticamente nulo.
Abraços a todos!
A questão do ensino no Brasil é realmente muito complexo. Tudo começa já na cultura de nossa população. O nosso ensino é utilitarista, não estuda-se para aprender, estuda-se para ter cargo para ter dinheiro, se der pra fazer isso sem aprender melhor. Na escola tive professores que tentaram fazer o diferente, e foram questionados por pais de alunos sobre a "utilidade" daquilo. É difícil fazer qualquer coisa nesse país, sem um fim definido. Outro problema é que nosso ensino se baseia na exclusão.
Ainda tem o problema da avaliação, como já foi comentado pelos colegas inúmeras vezes.
Para a coisa mudar de verdade, tem que ocorrer em todas as instâncias, desde a mudança na forma da população de conceber a educação, até as políticas governamentais, passando pela maior valorização do docente, tanto por si próprio como pelos demais profissionais.
Vamos continuar aprovando o pessoal só para não ferir os sentimentos dos pobres alunos...Não é isso que se prega por ai!!! A consequência tá ai!!! hehehe Aprova o pessoal...vamos gerar um bando de analfabedo funcional que não tem capacidade de raciocinar!!!
Ja encontrei alguém para conversar sobre o Feynman o/
Tenho tentado basear minha prática docente na observação, experimentação, reflexão, discussão em relação as formas de vida para a construção de mentes com algum senso crítico, porém sem muito sucesso ainda por conta do sistema de ensino e na cultura arraigada, se o professor não escrever no quadro a aula ainda não começou...
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