domingo, 31 de julho de 2011

Conto: Cada um no seu galho


O conto abaixo é o primeiro de uma série de histórias que discutirão conceitos e teorias evolutivas para um público infanto-juvenil. Ele já saiu nesse blog há algum tempo mas, dado o projeto em andamento, segue a reprise...


É julho. As aulas acabaram e as crianças não conseguem conter a excitação pelos dias de descanso que as esperam.
Jean e Margô estão ainda mais contentes. Eles vão visitar seu vovô, Carlos Roberto, na fazenda. Seu primo Alfredo vai junto.
No domingo, o pai de Margô e Jean limpa o carro, checa o estepe e, com a ajuda das crianças, prepara as guloseimas para a viagem.
A fazenda do vovô não é longe, apenas meia hora de carro da cidade.
De repente, quando acabam de passar pela entrada da fazenda, surge um animal muito estranho, diferente de tudo o que aquelas crianças já tinham visto, e emparelha com o carro, voando. O bicho em tudo se parece com uma ave, mas têm dentes no bico! Alfredo, sentado junto à janela direita do veículo, fica maravilhado.
__ Vejam, esse passarinho tem dentes!
Então, de súbito, todos no carro ouvem um estampido, como uma pequena explosão.
__ Acho que o pneu do carro furou – é o pai quem fala. Eles encostam junto à estradinha de terra que leva até a casa de vovô Carlos, que já pode ser vista ao longe.
__ Lá está a casa do vovô. Faltava tão pouco...
Mas as crianças não parecem preocupadas com o pneu. Elas continuam entretidas com a estranha ave que seguiu o carro. Fora do veículo, eles tentam segurar o pássaro, que voa baixo por sobre suas cabeças.
__ Ele é lindo! – Margô.
Quando o pai fecha o capô do carro, depois de pegar o estepe, o barulho assusta o animal, que sai voando em disparada, em direção à pequena mata que se estende até os fundos da casa do vovô.
__ Não, ele vai fugir! – Alfredo, sem pestanejar, sai correndo atrás do pássaro. O mesmo faz seus primos Jean e Margô.
O pai, sem saber o que fazer, tenta impedi-los, mas as crianças já estão embrenhadas na floresta.
No meio da mata, ninguém consegue encontrar o estranho pássaro. As crianças estão próximas umas das outras, com um pouco de medo.
__ Alfredo, você sabe onde estamos?
__ Sei, acho que sim... não...
Jean, o mais velho, tenta tomar as rédeas da situação.
__ O bicho foi para lá! – ele aponta para cima quando vê o pássaro voando mata adentro.
As crianças correm atrás do bicho, passando por árvores, troncos caídos, pequenos riachos...
__ Não tô vendo nada! – Margô, meio chorosa.
__ Calma, ele não pode ir muito longe. Ou pode? – Alfredo.
__ Eu vi! Ele está indo para aquela árvore!
Na frente deles, a mata se abre em uma grande clareira.
__ Olhem, o passarinho vai pousar no galho lá no alto...
Então, na clareira aberta no meio da floresta, as crianças se deparam com algo que nunca tinham visto antes. O pássaro estranho se acomoda em um galho bem alto de uma árvore com muitos outros galhos, cheia de bichos diferentes pendurados, dormindo. É a árvore da vida!
Jean, Margô e Alfredo estão sem fôlego!
__ Que coisa fantástica! – Jean – vocês estão vendo quantos bichos diferentes estão nessa árvore?
__ Olha lá nosso passarinho! – é Alfredo – tem um outro bicho no galho do lado. Aquilo é um papagaio?
__ Não, é um tucano!
__ Tem um macaco lá perto!
__ E um monte insetos! Tem até uma aranha!
__ Margô, aranha não é inseto.
__ Tá, tá...
O encantamento das crianças é interrompido por uma voz meio preguiçosa.
__ Crianças...
__ De onde vem essa voz? – pergunta Jean.
__ Sou eu aqui embaixo – o som vem de uma coisa estranha parecida com um vaso muito colorido – eu sou Eifelia. Sou uma esponja.
__ Você fala? – Margô se aproxima da árvore e chega bem perto do animal falante.
__ Aqui eu falo.
__ Você falou que era uma esponja – pergunta Alfredo – dá pra tomar banho com você?
__ Não, comigo não, mas eu tenho uma irmã que é bem fofinha...
__ Dona Eifelia, eu nunca vi uma esponja pendurada em árvore...
De repente, uma borboleta pousa no nariz de Alfredo.
__ Vejam, uma borboleta!
__ Meu nome é Lepi. Eu moro lá em cima, junto com um monte de irmãos: as moscas, as baratas, as formigas e todos os outros insetos.
__ Minha mãe sempre diz “Eca! Que bicho nojento!” quando vê uma barata... mas você é tão bonita!
Um macaquinho deitado em um galho no alto da árvore acorda e desce para encontrar as crianças.
__ Psiu! Falem baixo vocês! Todos os bichos estão dormindo!
Ele fica de frente à Margô, a mais baixinha do grupo. Ela coloca o dedo no nariz do macaco.
__ Nossa, você parece gente! Tem olhos de gente, mãos de gente, pernas de gente...
__ Eu sei. Aquele velhinho sempre fala isso para mim...
Os olhos das crianças saltam.
__ Você conhece o vovô Carlos?
__ Claro, ele vem aqui todos os dias...
Alfredo, no entanto, continua intrigado com a árvore.
__ Seu macaco, eu ainda não entendi uma coisa.
__ Por favor, pode me chamar de Pan.
__ Seu Pan, por que esse monte de bichos está dormindo nessa árvore?
__ A árvore é nossa casa. E cada um tem um lugarzinho especial nela.
Margô pergunta:
__ Mas e os micróbios, aquelas coisinhas pequenininhas que a gente não consegue ver e que todo mundo fala que existe?
__ Eles moram numa outra árvore aqui perto.
__ E vocês dormem sempre assim, uns pertinho dos outros?
__ É. Eu fico lá em cima, perto dos cachorros, dos passarinhos, dos sapos... Nós temos muitas coisas parecidas!
Alfredo fala, enquanto tenta colocar a mão nos tentáculos de uma medusa que está lá perto.
__ Eu não faria isso se fosse você – diz Seu Pan – eles não gostam muito de ser incomodados.
Alfredo dá um passo atrás, constrangido.
__ Você disse que dorme do lado dos cachorros e dos sapos porque vocês são parecidos. É por isso que aquele caramujo tá do lado do polvo? E aquela estrela-do-mar tá do lado daquele, daquele... daquele bicho cheio de espinhos? – pergunta Jean.
__ É. Aquilo é um ouriço-do-mar.
O ambiente é, então, preenchido por chamados e gritos de adultos.
__ Crianças!
__ Jean, Margô, Alfredo!
__ Meninos!
As crianças entram em polvorosa.
__ Vovô! O vovô veio buscar a gente!
O macaco dá de ombros.
__ Eu falei que ele vinha aqui todos os dias...
Quando vovô Carlos chega, Margô corre em sua direção e pula nos seus braços. Ele é um velhinho simpático, careca e barrigudo, com uma longa barba branca.
__ Vovô, a gente viu um passarinho muito bonito e ele tinha dentes e ele tinha bico e ele...
__ Calma, Margô, assim seu avô não entende nada... – é uma outra voz.
__ Tio Vili! – Jean grita. O homem vem atrás do vovô Carlos.
__ O pai de vocês está muito preocupado – ele fala, apontando para Jean e Margô – ele foi procurar os perdidos na floresta lá do outro lado...
__ Vovô, você já viu essa árvore? – Alfredo aponta para o achado – tem um monte de bichos dormindo nela!
Vovô Carlos dá uma longa e gostosa risada.
__ Sim, minhas crianças. Eu conheço essa árvore. É a árvore da vida.
__ Mas eu não vi nenhum microbiozinho... eles não são vivos? – Margô, ainda no colo do avô.
__ São sim... esse aqui é só um pedaço da árvore da vida – tio Vili completa – nela moram todos os animais que a gente conhece.
__ Por isso ela é assim tão grande e cheia de galhos? – Jean.
Dona Eifelia, ainda sonolenta, responde para a menina:
__ Exatamente, menino. E levou um tempão para ela ficar assim.
O vovô Carlos intervém.
__ Bem, crianças, acho que é hora de ir para casa. Amanhã cedo nós podemos voltar aqui para conversar com os bichos depois deles acordarem.
__ Eu tô com fome – Alfredo.
__ Tchau, dona Eifelia! Tchau, seu macaco! Tchau, Lepi! – Margô.
Um tempo depois, já à noite, a casa do vovô está em silêncio. O velho senhor está sentado na sala, lendo à luz de uma vela.
De repente ele se levanta, segurando a vela, e caminha em direção aos quartos.
Em um deles, tio Vili e seu irmão, pai de Jean e Margô, estão dormindo. No outro, Jean, Margô e Alfredo dividem uma cama grande de casal.
Vovô Carlos vai até perto dos netos e verifica se tudo está bem.
__ Durmam bem, crianças... – ele sussurra, enquanto ajeita o cobertor.
O velhinho sai do quarto e vai até a varanda.
De repente, voando, vem um pássaro ao seu encontro.
Um pássaro muito diferente de tudo que já se viu, com dentes no bico. Ele pousa no ombro do vovô Carlos Roberto.
E o velhinho sorri.
FIM

Um comentário:

Luciano Queiroz disse...

Muito boa a história.
Na minha opinião escrever para criança é mais difícil do que para adulto. E você conseguiu deixar a história com um clima bem infanto-juvenil, bem legal.
Me lembrou muito as Crônicas de Nárnia, mas, é melhor. No lugar de um guarda-roupa temos uma floresta e de um tio temo um avô. Parabéns pelo blog, muito bom.