sábado, 21 de janeiro de 2012

Breves resenhas: Antologia 2, de Isaac Asimov

A primeira vez em que me deparei com o nome Isaac Asimov foi nos idos de 1990, quando estreou no Brasil a finada revista Isaac Asimov Magazine. Era um pulp fiction publicado pela Editora Record que trazia histórias de ficção-científica escritas pelo "bom Doutor" e por outros autores internacionais (depois de alguns números, também de autores nacionais). Como à época crianças de 10 anos não tinham absolutamente nenhuma renda (nada de mesada lá em casa!), menti para os meus pais dizendo que precisava desesperadamente comprar aquela revista "de ciências" para a escola. Vendendo gibis para alguns colegas, consegui comprar os números 2 e 3 da revista. Os outros 22 (ela foi até a edição 25), só obtive quase 20 anos depois, em sebos.

Sempre fui um grande admirador de Asimov. Ele foi doutor em Bioquímica, divulgador da ciência e escritor de ficção-científica premiado que se vangloriava por ter um apetite infindável por conhecimento, o que se refletiu em sua vastíssima bibliografia, com mais de 400 títulos lançados em vida. Uma vez, quando perguntado o que faria se um médico o diagnosticasse com uma doença que o deixaria apenas pouco tempo de vida, ele respondeu "Datilografaria mais rápido!".

Seus romances não são alta literatura - ele mesmo se dizia um "escritor de idéias", pouco se importando com o que a maioria chamaria de qualidade literária. Seus ensaios científicos às vezes parecem simples, quando não simplórios. No entanto, ler a obra de Asimov é constantemente renovar a esperança no poder da ciência e do desenvolvimento humano.

Nesse Antologia 2, uma coletânea de 16 artigos escritos entre 1974 e 1989, há uma pequena amostra do amor de Asimov pelo conhecimento científico. A coletânea traz alguns textos um pouco datados, na temática e no estilo (especialmente se considerarmos a facilidade com que conseguimos informações técnicas na internet), mas outros, mais opinativos, são profundamente humanos e até mesmo emocionantes. Além disso, é difícil ficar impassível perante um sujeito que idolatra seu trabalho a ponto de dizer coisas como "Chegará o dia em que será escrito o últimos deles [seus ensaios], e não faço idéia de qual será o seu número. Quando esse dia chegar e eu me despedir da vida, suponho que poucas coisas hei de lamentar tanto quanto a impossibilidade de escrever estes ensaios eternamente" (p. 217).

Alguns trechos:
A existência da evolução é um fato quase tão patente quanto pode ser qualquer fenômeno não trivial. Em muitos aspectos, os detalhes exatos do mecanismo pelo qual a evolução se processo só foram explicados do ponto de vista teórico. O mecanismo, contudo, não é o aspecto fundamental. Da mesma forma, muito poucas pessoas compreendem realmente o mecanismo que move um automóvel, mas isso não leva ninguém a argumentar que o próprio automóvel não existe. (p. 7)
Não creio que os fundamentalistas sintam que qualquer coisa que eu escreva possa abalar sua fé na verdade literal do mito bíblico da criação. Eles estão certos de que são firmes como o aço, inatingíveis e imbatíveis em sua convicção, leais às suas crenças, inabaláveis pelas tempestades.
Mas o que os leva a imaginar que eu seja diferente? Alguns chegam a me enviar pequenos folhetos, panfletos e homilias, seguros de que algumas frases primárias podem me fazer abandonar três séculos de meticulosas descobertas científicas racionais, sem mais nem menos. Será que eles imaginam deter o monopólio da firmeza e da convicção? (p. 14)
Com grande freqüência os líderes espirituais cerraram fileiras no sentido de apoiar o escravismo, direta ou indiretamente. Não eram poucos os que justificavam o seqüestro forçado dos negros africanos para a escravidão americana, dizendo que estes, dessa forma, eram convertidos ao cristianismo e que a salvação de suas almas compensava amplamente a escravidão de seus corpos.
E quem é o maior beneficiário de uma religião que se propõe a suprir as necessidades espirituais de escravos e servos, assegurando a estes que sua condição terrena representa a vontade de Deus e prometendo-lhes uma vida de eterna bem-aventurança após a morte, contanto que não cometam o pecado de se rebelar contra essa vontade? Será o escravo, cuja vida poderá tornar-se mais suportável pela contemplação dos Céus? Ou será o senhor de escravos, que poderá ficar menos preocupado em mitigar o pesado fardo dos oprimidos e despreocupado quanto a uma possível revolta. (p. 23-24).
A grande massa da humanidade se terá tornado mais ética, virtuosa, decente e bondosa graças à existência da religião, ou será o estado em que se encontra a humanidade mais um testemunho do fracasso de milhões de anos de mero palavreado sobre a bondade e a virtude? Existirá indicação de que um grupo, adepto de uma religião qualquer, seja mais moral, mais virtuoso ou mais decente que outros grupos, adeptos de outras religiões o de nenhuma delas, no presente ou no passado? Nunca ouvi falar de alguma indicação nesse sentido. A ciência teria desaparecido há muito tempo se não pudesse apresentar conquistas melhores que a religião. O rei está nu, mas o temor supersticioso parece impedir que o fato seja denunciado. (p. 38)
A ciência em si, em sentido abstrato, é um instrumento autocorretivo e direcionado para a verdade. Pode haver enganos e concepções equivocadas, em razão de dados incompletos ou errôneos; no entanto, o movimento vai sempre do menos verdadeiro para o mais verdadeiro. (…) Os cientistas, todavia, não são a ciência. Por mais gloriosa, nobre e sobrenaturalmente incorruptível que ela seja, infelizmente os cientistas são humanos. (p. 67)
O que dizer, porém, de uma variação "inteligencial" totalmente diversa de tudo que se possa observar em qualquer ser humano? Seríamos capazes de apenas reconhecê-la como inteligência, por mais que a estudássemos? (p. 140)
O problema talvez se resumo, parcialmente, a uma questão semântica. Insistimos em definir o "raciocínio" de tal maneira que chegamos a conclusão automática de que somente os seres humanos raciocinam. (…) Suponhamos que se defina o "raciocínio" como a modalidade de ação capaz de levar determinada espécie a tomar as medidas específicas que melhor garantam sua própria sobrevivência. Por essa definição, todas as espécies raciocinam a partir de um mesmo feitio. O raciocínio humano se tornaria tão-somente uma variante, e não necessariamente melhor que as outras.
Se considerarmos que a espécie humana, com toda a sua capacidade de antever e de ter a exata noção do que está fazendo e do que pode acontecer, conta, não obstante, com uma enorme possibilidade de se autodestruir em um holocausto nuclear - a única conclusão lógica a que podemos chegar, na minha opinião, é que o Homo sapiens raciocina de maneira mais rudimentar e que é menos inteligente que qualquer espécie existente, ou que tenha existido, sobre a Terra. (p. 141)
Acredito que o Universo, em sua essência, seja dotado de propriedades fartais de natureza extremamente complexa e que a atividade científica compartilhe das mesmas propriedades. Logo, qualquer porção do Universo que permaneça incógnita e qualquer parte da investigação científica que permaneça sem solução, por menores que sejam em comparação ao já conhecido e solucionado, trazem em si toda a complexidade original. Jamais chegaremos a um fim. Por mais que avancemos, o caminho à frente será tão longo quanto o foi no início. Este é o segredo do Universo. (p. 214)
As idéias são ninharias. O que conta é o que a gente faz com elas. (p. 214)

Referência:
Asimov, I. (1992) [1989] Antologia 2 (1974-1989): os melhores ensaios científicos de Asimov escolhidos pelo autor. 217 páginas. Editora Nova Fronteira (tradução Júlio Fischer).

Nenhum comentário: