Philip Roth (2011) [2010] Nêmesis.
Um dos favoritos do autor desse blog, Philip Roth, em seu 31º livro, mais uma vez acerta. A história se passa nos anos 1940, em meio a um surto de poliomielite e às terríveis notícias vindas do front aliado durante a Segunda Guerra Mundial.
O personagem central é Eugene "Bucky" Cantor, jovem de 23 anos que não pode se alistar no exército por conta de sua forte miopia, e que ganha a vida como fiscal do pátio em uma escola em Newark, maior cidade do estado norte-americano de Nova Jersey.
Uma obra curta, dura, singular, sem malabarismos formais ou experimentalismos estéreis, como tem sido toda a produção de Roth nas últimas décadas. Se ele não for logo laureado com o prêmio Nobel de literatura (está sempre no topo das listas de apostas, ano após ano), pior para o Nobel...
194 páginas.
Editora Companhia das Letras (tradução Jorio Dauster)
Alguns trechos:
Mas o que talvez não tivesse ocorrido à família Michaels não passou despercebido ao Sr. Cantor. Não que ele próprio houvesse ousado questionar Deus por levar seu avô quando o velho chegou a uma idade em que as pessoas costumam mesmo morrer. Mas por matar Alan de pólio aos doze anos? Pela existência da poliomielite? Como poderia haver perdão - e ainda mais aleluias - diante de uma crueldade tão insana? Ao sr. Cantor pareceria uma afronta menor caso aquelas pessoas unidas pelo luto se declarassem celebrantes do Astro Rei, filhos de uma imutável divindade solar e, no estilo fervoroso das antigas civilizações pagãs de nosso hemisfério, se abandonassem a uma dança ritual em torno da sepultura do menino - melhor isso, seria melhor sacrificar e aplacar os raios não refratados do Grande Pai Sol do que se submeter a um ser supremo capaz de perpetrar os crimes mais atrozes ao Seu bel-prazer.Sim, muito melhor louver o insubstituível gerador que vem sustentando nossa existência desde o começo - muito melhor honrar com nossas preces o encontro diário com aquele olho ubíquo no céu e seu poder imanente de incinerar a Terra - do que engolir a mentira oficial de que Deus é bom e se intimidar diante de um assassino de crianças a sangue-frio. Melhor em termos de nossa dignididade pessoal, de nosso senso de humanidade, do valor que damos a nós próprios, sem falar na dúvida cotidiana sobre que merda é essa que estamos fazendo por aqui. (p. 58)
Será que ele queria dizer que era um enigma teológico? Seria essa sua versão corriqueira da doutrina gnóstica, incluindo um demiurgo malevolente? O divino contrário à nossa presença aqui na Terra? As provas que ele podia extrair de sua experiência, cumpria reconhecer, não eram insignificantes. Só um espírito maligno poderia ter inventado a poliomielite. Só um espírito maligno poderia inventar Horace. Só um espírito maligno poderia inventar a Segunda Guerra Mundial. Somando tudo isso, o espírito maligno é o vencedor, ele é onipotente. A concepção que Bucky fazia de Deus, segundo eu imaginava, era de um ser onipotente cuja natureza e propósito deviam ser deduzidos não a partir de um duvidoso testemunho bíblico, e sim das irrefutáveis provas históricas colhidas durante uma existência passada nesse planeta em meados do século. A concepção que ele fazia de Deus era de um ser onipotnte que representava a união não de três pessoas em uma Divindade, como preconizava o cristianismo, mas de apenas duas: um filho da puta maluco e um gênio do mal. (p. 184)
Não há ninguém menos passível de ser salvo do que um sujeito bom destroçado. (p. 190)
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