Essa é a parte dois do ensaio publicado originalmente na revista Ciência Hoje de Novembro de 2004 (volume 35, número 210, páginas 59-61).
Filosofia e ensino de ciências: uma convergência necessária – parte 2
A filosofia da ciência (especialmente a perspectiva popperiana) pode servir como guia para várias etapas do processo de ensino- aprendizagem, em diferentes níveis do ensino. Ao assumi-la desde o preparo da aula até a sua exposição, o professor aproximará o aluno do processo de construção da ciência, levando-o a desenvolver uma concepção própria do mundo natural sem perder a noção dos princípios científicos. A orientação do professor deve deixar claro que a ciência não é apenas o reflexo de sensações individuais sobre o mundo, mas uma fusão destas às hipóteses e teorias construídas na tentativa de explicar a realidade para além do que é percebido por nossos sentidos físicos.
O positivismo ainda presente na prática pedagógica desconsidera o aluno como sujeito da ação científica e o transforma em simples receptor passivo do produto ‘final’ dessa atividade. Tratar a ciência como verdade absoluta, resultado do trabalho de cientistas geniais, desestimula e distancia o aluno, desvinculando o ensino de ciências da própria ciência. A atividade científica procura se aproximar da verdade - dentro de um ponto-de-vista de que existe uma realidade subjacente - mas não propõe SER ela a própria verdade. A partir do momento que uma teoria científica for considerada verdadeira, no sentido de que não pode ser questionada ou falseada por hipóteses alternativas ou evidências adicionais, ela deixa de fazer parte do domínio da ciência.
A ciência deve ser vista como uma atividade passível de erros – fundamentais na construção do conhecimento – desempenhada por pesquisadores atuantes em uma comunidade científica que faz parte do complexo de relações e interações da sociedade. A desmistificação do cientista também recairá sobre o professor, a partir do momento em que ele apresentar seu campo de estudo como aberto a mudanças e críticas. Para o educador brasileiro Maurício Tragtenberg (1929-1998), o professor é dono de um saber inacabado e o aluno de uma ignorância transitória.
Considerar o contexto histórico durante a exposição dos conteúdos evita a distorção da real prática da ciência e permite ao professor definir essa atividade como a busca pela compreensão da natureza, pela solução de problemas e pela geração de tecnologias dentro de um determinado contexto social. Cientistas não vivem em torres de marfim, isolados do mundo externo, enlouquecidos pelo seu trabalho e suas experiências. Aquela imagem do pesquisador com os cabelos eriçados e a roupa amarrotada não condiz (muito) com a prática corriqueira da atividade científica, a qual, obviamente, têm suas idiossincrasias, mas que não se distancia tanto de outros ramos do conhecimento.
Uma possível complicação da abordagem histórico-filosófica no ensino está no fato de que o professor se arrisca a encenar um monólogo ao propor a troca, por parte dos alunos, da certeza do senso comum pela incerteza científica. Nesse caso, o resultado poderia ser um aumento ainda maior do desinteresse do estudante em relação à ciência. É importante considerar essa possibilidade, embora ela signifique um julgamento negativo, a priori, das qualidades e potencialidades dos alunos, além de também desconsiderar a capacidade do docente de envolver e estimular a sala com o seu discurso. Nesse sentido, ferramentas didáticas complementares à aulas expositivas são bem-vindas.
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