Diferentemente do que foi dito, as modificações no ensaio original forçaram a sua divisão não em três, mas em quatro partes. Essa é a terceira parte do artigo, publicado em uma versão reduzida na revista Ciência Hoje de Novembro de 2004 (volume 35, número 210, páginas 59-61).
Filosofia e ensino de ciências: uma convergência necessária – parte 3
As teorias científicas não podem ser dissociadas do ambiente em que foram criadas, e isso independentemente do modo como surgiram: através de insights, sonhos, estudo, trabalho árduo. A teoria da evolução é um exemplo. Tida como o princípio unificador da biologia, ela quase sempre é considerada pela grande mídia ou pelos livros didáticos como o produto da mente brilhante do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), desconsiderando todos os seus inúmeros predecessores e as influências que construíram o arcabouço que tornou possível a delimitação desse programa de pesquisa tão abrangente. Quando a teoria evolutiva for exposta e comentada em aula, vale a pena reconstruir o histórico da sua construção – mesmo que de maneira generalizada –, além dos problemas e questões levantadas e, principalmente, os erros cometidos pelos pesquisadores anteriores e posteriores à Darwin (e mesmo os do próprio Darwin!), da antigüidade grega aos tempos atuais, e suas implicações.
Um dos exemplos mais acabados de figura histórica negligenciada é o francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829). Ele teve importância capital no desenvolvimento do evolucionismo, apesar de suas hipóteses errôneas referentes ao uso e desuso e à herança dos caracteres adquiridos – que não eram criação dele, remontando ao pensamento aristotélico, e que toda a comunidade científica da época tomava como quase certas. Poucos livros didáticos mostram Lamarck (figura ao lado) como um pioneiro da crítica ao ‘fixismo’ na biologia, por ter enfatizado o papel do tempo para a origem das espécies, hipótese aproveitada pelas teorias evolutivas posteriores.
A teoria lamarckista era condizente com uma das correntes filosóficas predominantes na Europa dos séculos XVII-XIX, para a qual a natureza estava sempre em harmonia (equilíbrio). Sendo assim, para Lamarck, a única maneira da manutenção do equilíbrio do mundo natural, cujas mudanças constantes eram perceptíveis, seria a ocorrência de alterações também nos organismos. A idéia de que as espécies se transformavam no tempo, dando origem a espécies diferentes, era diametralmente oposta à perspectiva essencialista, segundo a qual à tudo no mundo natural corresponde uma essência fixa, imutável. Além disso, Lamarck cunhou o termo biologia e foi só a partir dele que passaram a ser analisadas as características comuns a todos os seres vivos, que permitiam que fossem estudados por uma área da ciência especificamente voltada a eles.
Além de Lamarck, é necessário destacar o papel do naturalista britânico Alfred Wallace (1823-1913), também pai da teoria da evolução pela seleção natural mas no geral desconhecido pelo grande público. Foi a partir da publicação conjunta em 1858, na mesma edição da revista da sociedade real britânica, de um artigo de Wallace (figura ao lado) e um de Darwin, que o evolucionismo passou a ser discutido de fato, agora baseado em um processo de seleção das variedades que, de alguma maneira, tivessem maior sucesso reprodutivo que outras. O Origem das espécies de Darwin – que traz ecos do trabalho de Wallace – só viria a ser publicado no ano seguinte.
O pensamento evolutivo moderno deve muito a autores como Conde de Buffon, Erasmus Darwin, Lamarck, Leopold von Buch, Wallace – predecessores ou contemporâneos de Darwin – e também a muitos autores que desenvolveram as idéias darwinianas iniciais, ajudando a moldar o que conhecemos hoje como teoria da evolução (August Weissman, Ernst Mayr, Theodosius Dobzhansky, James Watson, Francis Crick, Alfred Wegener, Willi Hennig, León Croizat, Stephen Jay Gould, Richard Dawkins e uma série de outras figuras proeminentes nas ciências naturais nos século XX e começo do XXI).
Filosofia e ensino de ciências: uma convergência necessária – parte 3
As teorias científicas não podem ser dissociadas do ambiente em que foram criadas, e isso independentemente do modo como surgiram: através de insights, sonhos, estudo, trabalho árduo. A teoria da evolução é um exemplo. Tida como o princípio unificador da biologia, ela quase sempre é considerada pela grande mídia ou pelos livros didáticos como o produto da mente brilhante do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), desconsiderando todos os seus inúmeros predecessores e as influências que construíram o arcabouço que tornou possível a delimitação desse programa de pesquisa tão abrangente. Quando a teoria evolutiva for exposta e comentada em aula, vale a pena reconstruir o histórico da sua construção – mesmo que de maneira generalizada –, além dos problemas e questões levantadas e, principalmente, os erros cometidos pelos pesquisadores anteriores e posteriores à Darwin (e mesmo os do próprio Darwin!), da antigüidade grega aos tempos atuais, e suas implicações.
Um dos exemplos mais acabados de figura histórica negligenciada é o francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829). Ele teve importância capital no desenvolvimento do evolucionismo, apesar de suas hipóteses errôneas referentes ao uso e desuso e à herança dos caracteres adquiridos – que não eram criação dele, remontando ao pensamento aristotélico, e que toda a comunidade científica da época tomava como quase certas. Poucos livros didáticos mostram Lamarck (figura ao lado) como um pioneiro da crítica ao ‘fixismo’ na biologia, por ter enfatizado o papel do tempo para a origem das espécies, hipótese aproveitada pelas teorias evolutivas posteriores.
A teoria lamarckista era condizente com uma das correntes filosóficas predominantes na Europa dos séculos XVII-XIX, para a qual a natureza estava sempre em harmonia (equilíbrio). Sendo assim, para Lamarck, a única maneira da manutenção do equilíbrio do mundo natural, cujas mudanças constantes eram perceptíveis, seria a ocorrência de alterações também nos organismos. A idéia de que as espécies se transformavam no tempo, dando origem a espécies diferentes, era diametralmente oposta à perspectiva essencialista, segundo a qual à tudo no mundo natural corresponde uma essência fixa, imutável. Além disso, Lamarck cunhou o termo biologia e foi só a partir dele que passaram a ser analisadas as características comuns a todos os seres vivos, que permitiam que fossem estudados por uma área da ciência especificamente voltada a eles.
Além de Lamarck, é necessário destacar o papel do naturalista britânico Alfred Wallace (1823-1913), também pai da teoria da evolução pela seleção natural mas no geral desconhecido pelo grande público. Foi a partir da publicação conjunta em 1858, na mesma edição da revista da sociedade real britânica, de um artigo de Wallace (figura ao lado) e um de Darwin, que o evolucionismo passou a ser discutido de fato, agora baseado em um processo de seleção das variedades que, de alguma maneira, tivessem maior sucesso reprodutivo que outras. O Origem das espécies de Darwin – que traz ecos do trabalho de Wallace – só viria a ser publicado no ano seguinte.
O pensamento evolutivo moderno deve muito a autores como Conde de Buffon, Erasmus Darwin, Lamarck, Leopold von Buch, Wallace – predecessores ou contemporâneos de Darwin – e também a muitos autores que desenvolveram as idéias darwinianas iniciais, ajudando a moldar o que conhecemos hoje como teoria da evolução (August Weissman, Ernst Mayr, Theodosius Dobzhansky, James Watson, Francis Crick, Alfred Wegener, Willi Hennig, León Croizat, Stephen Jay Gould, Richard Dawkins e uma série de outras figuras proeminentes nas ciências naturais nos século XX e começo do XXI).
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