quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Ensinar a pensar: o desafio da alfabetização científica


Quando o homem nasce, é fraco e flexível; quando morre é impassível e duro. Quando uma árvore nasce, é tenra e flexível; quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte; a flexibilidade e a fraqueza são a frescura do ser. Por isso, quem endurece, nunca vencerá.
do filme Stalker (1979), de Andrei Tarkovski

Em 1831, então com 20 anos, o matemático francês Évariste Galois, publicou um artigo no Gazzete des Écoles intitulado "Sobre o ensino de ciências, os professores, os trabalhos, os examinadores". Galois, que morreria precocemente aos 21 anos, foi um dos pioneiros na teoria de grupos, fundamental para a compreensão do conceito de simetria.

O texto de Galois, segundo o astrofísico e matemático israelense (nascido na Romênia) Mario Livio, foi "um manifesto impressionante exigindo uma reforma completa no ensino das ciências" (Livio, 2008, p. 152). Ele seleciona dois trechos do artigo, que reproduzo aqui. Apesar de falarem da França do século XIX, são absolutamente atuais e válidos também para a realidade brasileira:

Até quando os pobres jovens serão obrigados a ouvir ou a repetir o dia inteiro? Quando lhes será concedido algum tempo para refletir sobre esse acúmulo de conhecimento, para ser capaz de coordenar essa infinidade de proposições, nestes cálculos sem relação? (...) Os alunos estão menos interessados em aprender e mais interessados em passar nos exames.
Por que os examinadores não propõem aos candidatos perguntas formuladas de uma outra maneira que não ludibriosa? Parece que eles temem ser compreendidos por aqueles a quem estão interrogando: qual é a origem desse deplorável hábito de complicar as perguntas com dificuldades artificiais?
Esses fragmentos ecoam alguns dos resultados apresentados em um artigo  publicado na revista Science por Louis Deslauriers e colaboradores em 2011, que mostra como aulas de ciências baseadas em atividades e resolução de problemas, isto é, em um comportamento ativo do aluno, são mais eficientes que aulas tradicionais, nas quais apenas o professor fala e os estudantes ouvem. Os pesquisadores, da University of British Columbia (do Canadá), mediram o aprendizado de um conjunto específico de tópicos e objetivos em uma aula de Física quando ensinados a partir de uma palestra de três horas, dada por um professor experiente, e a partir de três horas de instruções voltadas à resolução de problemas fornecidas por um instrutor bem treinado mas inexperiente. Os resultados apontaram para um melhor aproveitamento e participação dos estudantes quando eles tiveram participação ativa no processo. Para isso, os estudos foram estimulados a usar seu tempo na atividade de "pensar cientificamente" através da construção e teste de predições e argumentos sobre tópicos relevantes da disciplina, e também a partir da crítica ao seu próprio raciocínio e aos dos colegas. 

"Pensar cientificamente" parece a chave para uma educação científica mais eficiente e menos voltada à simples memorização. Para isso, a ciência tem que ser vista e tratada como um processo, e não como um conjunto de realizações prontas e postas à mesa tal qual um catálogo de curiosidades. Aqui a filosofia da ciência pode ser uma ferramenta extraordinariamente útil tanto para professores quanto para alunos. Filosofia e ensino de ciências tem uma conexão extraordinariamente forte mas que costuma não ser levada em conta. Muitas das discussões de pensadores como Popper, Kuhn, Lakatos e Feyerabend podem ser utilizadas para a construção de modelos pedagógicos que rompem com o tradicional caráter linear e atemporal do ensino, substituindo-os por uma visão mais dinâmica do processo ensino-aprendizagem.

O filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994) considera a imaginação o princípio motor da ciência. Segundo ele, cientistas formulam hipóteses e estas são testadas através da experimentação. Se tais hipóteses mostrarem-se inadequadas, criam-se outras, que serão sujeitas a novos testes, em um processo contínuo que aumenta o poder explanatório das teorias, aproximando-as cada vez mais da verdade. A ciência é essencialmente transitória, pois, em um dado momento, a melhor teoria é a que melhor suporta as tentativas de refutação. Assim, o pensamento científico se desenvolve através da relação indissociável entre hipóteses, confirmações e refutações. A atitude crítica é fundamental: aprendemos com os erros.

Para Popper, apenas hipóteses que podem ser falseadas são de fato científicas (nesse sentido, a ciência avança não pela comprovação de sentenças básicas, mas pela rejeição das mesmas, o que demanda a inferência de novas hipóteses). Contrariando a linha positivista da indução, Popper afirma que o pensamento científico é baseado em hipóteses e experimentos/deduções: “Não há, pois, indução (...), nunca argumentamos passando dos fatos para as teorias”. Todo experimento ou observação é influenciado por hipóteses existentes.

O falseacionismo popperiano foi reinterpretado pelo húngaro Imre Lakatos (1922-1974), no que ficou conhecido como falseacionismo sofisticado. Para Lakatos, as hipóteses são científicas se puderem ser falseadas não por um único experimento, mas por um corpo de idéias que possa substituir a hipótese original. Esse ‘programa de pesquisa’ engloba teorias, experimentos e a observação. Outro austríaco, Paul Feyerabend (1924-1994) defendia que o desenvolvimento das ciências dava-se por um processo dinâmico: quanto mais teorias, melhor. Ele considera a ciência um empreendimento anárquico, que não deve seguir princípios fixos ou metodologias específicas. Para Feyerabend, tudo vale na investigação científica.

Já o norte-americano Thomas Kuhn (1922-1996), no livro A estrutura das revoluções científicas, baseou-se na história das ciências físicas para estabelecer que o padrão de desenvolvimento da ciência está fundamentado na mudança de ‘paradigmas’ por meio de ‘revoluções’. Paradigmas são conjuntos de hipóteses aceitos pela comunidade científica e que fornecem, por um tempo, problemas e soluções às questões levantadas pelos praticantes da ciência. Para Kuhn, os cientistas passam grande parte do tempo refinando os paradigmas aceitos – tais períodos de ciência dita ‘normal’ são pontuados por ‘explosões revolucionárias’, em que o consenso paradigmático é contestado e substituído por um novo conjunto de hipóteses. Dessa maneira, a imagem de realizações científicas acabadas, desvinculadas de um contexto histórico, compromete a compreensão do processo de construção da ciência.

A transitoriedade das teorias científicas não é discutida no ensino de ciências nos níveis fundamental e médio e, por vezes, sequer no superior. Há professores que tendem a tratar a ciência como um conjunto de invenções e descobertas individuais, herméticas e fixas, visão essa reforçada por parte dos livros didáticos e pela grande mídia, que se limitam a expor as idéias centrais das teorias e suas aplicações imediatas, sem considerar o processo subjacente à construção dessas hipóteses. Os alunos nunca são estimulados a "pensar cientificamente" ou a construir raciocínios científicos, o que poderia levá-los a compreender o âmago do processo de criação das ciências, facilitando, assim, a sua apreensão de teorias e hipóteses. Se a ciência é ensinada como uma coleção de nomes e curiosidades que devem ser decoradas, os alunos tornam-se meros repetidores, tais quais robôs a quem não é dada a possibilidade de pensar por si próprios! Esse cenário tétrico foi o encontrado pelo físico (e tocador de bongô!) ganhador do Nobel Richard P. Feynman quando da sua passagem pelo Brasil, na década de 1950. Infelizmente, mais de cinquenta anos depois, a situação nas nossas escolas parece ter mudado muito pouco:
Depois de muita investigação, finalmente descobri que os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o que queria dizer (...) eles podiam passar nas provas, ‘aprender’ essa coisa toda e não saber nada, exceto o que eles tinham decorado. 
(...) Uma outra coisa que nunca consegui que eles fizessem foi perguntas. Por fim, um estudante explicou-me: ‘Se eu fizer uma pergunta para o senhor durante a palestra, depois todo mundo vai ficar me dizendo: Por que você está fazendo a gente perder tempo na aula? Nós estamos tentando aprender alguma coisa, e você o está interrompendo, fazendo perguntas’.
Era como um processo de tirar vantagens, no qual ninguém sabe o que está acontecendo e colocam os outros para baixo como se eles realmente soubessem. Eles todos fingem que sabem e se um estudante faz uma pergunta, admitindo por um momento que as coisas estão confusas, os outros adotam uma atitude de superioridade, agindo como se nada fosse confuso, dizendo aquele estudante que ele está desperdiçando o tempo dos outros.
Expliquei a utilidade de se trabalhar em grupo para discutir as dúvidas, analisá-las, mas eles também não faziam isso porque estariam deixando cair a máscara se tivessem de perguntar alguma coisa a outra pessoa. Era uma pena! Eles, pessoas inteligentes, faziam todo o trabalho, mas adotaram essa estranha forma de pensar, essa forma esquisita de autopropagar a ‘educação’, que é inútil, definitivamente inútil!.
(Feynman, 1985 (2000), p. 238-241)
No ensino de ciências, a adoção de uma perspectiva dinâmica, baseada na idéia de teorias transitórias, seria benéfica e poderia facilitar a reversão de um quadro que perdura há décadas – e que parece a cada dia mais difícil de ser modificado. Uma visão menos "mastodôntica" da ciência, menos cerimoniosa, contrapõe-se à linearidade e à falta de contextualização histórica encontradas nas escolas de nível médio e fundamental (e mesmo superior), e pode ser uma ferramenta útil para a formação de alunos críticos e com capacidade de reflexão, distante de um sistema de auto-propagação, no qual os professores ensinam os estudantes a passarem nas provas, mas ninguém sabe nada ou pensa a respeito do que estaria pretensamente aprendendo. Como disse o filósofo Bertrand Russell, "a uma certa porcentagem de crianças é dada o hábito de pensar; uma das metas de educação é curá-las desse hábito" (Russell, 2007 [1925], p. 65). A filosofia da ciência pode servir como guia para que o ensino de ciências escape desse cenário vexatório.

Ao assumi-la desde o preparo da aula até a sua exposição, o professor aproximará o aluno do processo de construção do conhecimento, levando-o a desenvolver uma concepção própria do mundo natural sem perder a noção dos princípios científicos. A orientação do professor deve deixar claro que a ciência não é apenas o reflexo de sensações individuais sobre o mundo, mas uma fusão destas às hipóteses e teorias construídas na tentativa de explicar a realidade para além do que é percebido por nossos sentidos físicos.

O positivismo ainda presente na prática pedagógica desconsidera o aluno como sujeito da ação científica e o transforma em simples receptor passivo do produto ‘final’ dessa atividade. Tratar a ciência como verdade absoluta, resultado do trabalho de cientistas geniais, desestimula e distancia o aluno, desvinculando o ensino de ciências da própria ciência. A atividade científica procura se aproximar da verdade – dentro de um ponto-de-vista de que existe uma realidade subjacente – mas não propõe SER ela a própria verdade. A partir do momento que uma teoria científica for considerada verdadeira, no sentido de que não pode ser questionada ou falseada por hipóteses alternativas ou evidências adicionais, ela deixa de fazer parte do domínio da ciência.

A ciência deve ser encarada por professores e alunos como uma atividade passível de erros – fundamentais na construção do conhecimento –, desempenhada por pesquisadores atuantes em uma comunidade científica que faz parte do complexo de relações e interações da sociedade. A desmistificação do cientista também recairá sobre o professor, a partir do momento em que ele apresentar seu campo de estudo como aberto a mudanças e críticas. 

A aula não pode se ater à superficialidade dos livros didáticos. Um professor que apenas repete o conteúdo de seus manuais, sem acrescentar algum tipo de discussão filosófica, histórica, ou mesmo suas concepções pessoais a respeito do que ensina, dificilmente formará um aluno com capacidade de leitura crítica do mundo. Como apontam Deslaurier e seus colaboradores no artigo de 2011, conteúdos discutidos com a participação ativa dos alunos, através da resolução de problemas e do exercício de argumentação, contra-argumentação e teste de hipóteses, podem ser aprendidos de maneira orgânica, que não pressupõe a repetição ad nauseam e não criteriosa do que é apresentado em sala de aula. Não obstante, há uma grande quantidade de ferramentas disponíveis na internet, tais como blogs, revistas de divulgação científica, portais com obras completas de autores consagrados das ciências e da filosofia, e sítios com apresentações, exercícios e documentários que podem ser importantes fontes de informação tanto para os docentes quanto para os alunos, especialmente quando orientados de forma adequada. Sem contar as cada vez mais vazias bibliotecas...

É papel do professor aproximar os alunos do conhecimento científico, mostrando-lhes que novas teorias sempre partem de idéias prévias (em menor ou maior grau), seja sob a forma de aperfeiçoamentos e refinamentos de hipóteses existentes ou através de críticas profundas a teorias possivelmente ultrapassadas e com menor poder explanatório que as novas proposições. A ele cabe tratar a ciência como um processo contínuo, não hermético, de corroboração e refutação de teorias, melhorias e rearranjos de hipóteses, e constante busca por evidências, possibilitando ao aluno aceitar o novo e estimulando, paralelamente, a reflexão e a análise crítica, com criatividade e imaginação.

Assumir que a investigação científica não termina com os resultados obtidos nos laboratórios, mas parte de hipóteses de trabalho iniciais para se desenvolver, é um dos caminhos para um ensino de ciências menos apático e mais associado à prática científica. O estímulo à reflexão e à crítica fundamentadas pode auxiliar na formação de cidadãos conscientes, capacitados a avaliar problemas da sua sociedade sob pontos-de-vista diversos, e que não simplesmente aceitam, sem questionamento, o que lhes é imposto. Se os educadores e os responsáveis governamentais pela educação – não apenas na área de ciências – continuarem a ignorar o “desnível de complexidade” que vem se formando entre os bancos escolares e a realidade fora dos muros da escola (com os primeiros ainda presos a concepções medievais), dificilmente o sistema educacional como um todo conseguirá escapar do colapso.

Referências sugeridas
Calor, A.R. & Santos, C.M.D. 2004. Filosofia e ensino de ciências: uma convergência necessária. Ciência Hoje, 210, 29-31
Deslauriers, L., Schelew, E. & Wieman, C. 2011. Improved Learning in a Large-Enrollment Physics Class. Science, 332, 862-864
Feynman, R. (1985) [2000]. Deve ser brincadeira, Sr. Feynman! Editora da Universidade de Brasília.
Livio, M. 2008. A equação que ninguém conseguia resolver: como um gênio da matemática descobriu a linguagem da simetria. Editora Record.
Russell, B. 2007 [1925] No que acredito. L&PM Editores. 

12 comentários:

none disse...

Por estes tempos tenho achado que é preciso uma mescla entre memorização e interpretação. Uma parte substancial de memorização de fato parece ser importante (também pelo exercício neuronal que importa) para dar substância à teoria.

Mal comparando os fatos isolados memorizados servem como vocabulário e a teoria como a gramática que coordenada tais fatos em um conjunto coerente.

[]s,

Roberto Takata

Charles Morphy D. Santos disse...

Caro Takata,

Obrigado pelo comentário.
Concordo com você. Se não existir conteúdo, é impossível que sejam feitas relações.
Penso que iniciativas como o novo modelo do ENEM, em que se preza pouquíssima memorização, não são boas, pois podem sugerir que o conhecimento do senso comum é suficiente.
A prática dentro da sala de aula precisa mesclar informação e formação, algo que não se vê corriqueiramente. Alunos não são treinados, nos seus anos escolares, no exercício do questionamento, do raciocínio lógico e do ceticismo. Quando (e se) chegam à universidade, trazem todo esse ranço "instrumentalista", no sentido de enxergar a educação apenas como um meio imediato para fins objetivos (ganhar mais dinheiro, ter um bom emprego, etc).
É contra esse tipo de "lógica perversa" que a educação científica precisa se voltar, na minha opinião.
Abraço,
Charles

Unknown disse...

É prazeroso saber que existem pessoas que lutem por um ensino de qualidade, que não aceitam o estado atual em que encontramos nosso país, e é mais prazeroso ainda poder ter aula e aprender tanto com uma pessoa assim, mas é triste e revoltante ler palavras escritas há mais de um século que descrevem EXATAMENTE o cenário em que nos encontramos hoje. Mas nós somos o motor dessa revolução, que fará as pessoas pensarem por conta própria, e não apenas esperar que "gênios" o façam por elas. Estou me sentindo muito honrado em ter aulas com uma pessoa com tais opiniões e que toma atitudes para propagar suas ideias.
Adorei ler este ensaio, estou ainda mais animado para ser um propagador do "pensamento científico", talvez não em sala de aula, mas em todo lugar que eu estiver.
Meus parabéns pelo ensaio, está excelente!
Gabriel V. Scocca

Charles Morphy D. Santos disse...

Caro Gabriel,
Obrigado pelo comentário e pelas suas palavras.
Como você disse, uma mudança revolucionária (usando o jargão do T. Kuhn) na educação científica depende de um esforço conjunto de professores, cientistas, alunos e órgãos governamentais tomadores de decisão. Às vezes, mesmo iniciativas pequenas e projetos de menor escopo podem proporcionar alterações valiosas.
Grande abraço!
Charles

Thallita Grande disse...

Boa noite. Gostaria de poder fazer o download deste texto (ou mesmo recebê-lo por email: tata9go@hotmail.com), por sinal bastante interessante e reflexivo. É possível? Agradeço.

Luciano Queiroz disse...

Sempre aprecio muito seus ensaios Charles. Você tem um capricho com o texto invejável, parece que você fica dias trabalhando nele até ficar ideal, para você e seu leitor. Acho que daria para escrever outro texto, respondendo e comentando suas colocações, mas vou me ater a uma única. Nós cientistas (apesar deu ainda estar em formação), nos ausentamos completamente de debates sociais e políticos, por acreditarmos que nosso papel é único e simplesmente publicar a maior quantidade possível de artigos. Deixando de lado discussões importantes para a sociedade como um todo. Apesar de todo o trabalho que o cientista brasileiro já tem, temos que deixar um espaço em nossas agendas para a política, assim conseguiremos alcançar patamares mais altos de educação e consequentemente uma sociedade questionadora e crítica.

Charles Morphy D. Santos disse...

Olá, Thallita!

Bom dia.
Os textos aqui no blog podem ser utilizados livremente. Só peço, por favor, que você cite a fonte.
Estou organizando os ensaios que posto aqui e pretendo publicá-los em um livro. Espero que consiga fazer isso ainda esse ano. Quando tiver mais novidades, aviso!

Abraço!

Charles Morphy D. Santos disse...

Olá, Luciano!

Bom dia.
Obrigado pelo comentário e pelas palavras.
Não sei te dizer exatamente qual o processo de construção dos meus textos. Alguns saem rapidamente, outros levam um pouco mais de tempo. Algo que faço é sempre refletir a respeito do que vou falar - ou do que pretendo falar em algum momento -, às vezes muito antes de começar a organizar as ideias. Isso me permite "escrever" mesmo quando não estou escrevendo. Depois do texto pronto, leio como se não o tivesse escrito. Se eu não entendi algo, se uma passagem não me parece autoevidente, se o argumento não ficou claro, reescrevo cortando as "gorduras".
Concordo com você que a ciência tem cada vez mais se tornado um veículo instrumentalista para a publicação de artigos. Estes permitem a obtenção de verbas para pesquisa, mais alunos de graduação e pós-graduação, bolsas de produtividade, mais verbas, mais alunos... Na academia, pouco se discute a importância e o potencial transformador da atividade científica, muito menos sua relevância social (a não ser em momentos de comoção nacional/internacional).
Não sou contrário ao aumento da produtividade, até porque a ciência publicada é parte importantíssima da nossa prática. Porém, a atividade científica não se resume a índices H, números de citações e linhas no Lattes.
Creio não ser possível a existência de um ser humano apolítico. Para Aristóteles, a política tem como objeto principal a felicidade humana. Dessa forma, toda nossa agenda é imbuída de posicionamento político. Como você disse, ao assumir sua posição como componente fundamental da sociedade, o pesquisador/professor pode dar uma grande contribuição nessa busca pela felicidade (o que quer que ela seja).

Abraço!

Brucce Sanderson disse...

Gostaria de parabeniza-lo por esse texto. É sempre bom encontrar alguém que discuta o ensino de ciências numa perspectiva filosófica e socio-histórica. No estágio II, tive que fazer uma abordagem que contemplasse a história da ciência e inúmeros foram os ganhos com ela. Percebo que a ciência para os alunos, por exemplo, é vista como algo sobrenatural feito por gênios. Mas até que ponto nós professores contribuímos para discussões que desconstruam esse esteriótipo? Fiquei pensando muito sobre isso e vi que é difícil mudar essa realidade, mas é possível. Na maior parte das vezes nos atemos apenas aos programas pré-determinados que sequer atendem as necessidades do aluno. Não estimulamos a curiosidade deles. Ficamos no decoreba. Mas, como alfabetizar cientificamente se ignoramos os outros estatutos (antológicos, epistemológicos e socio-históricos) da Biologia e nos atemos apenas aos conceituais? Ciência é muito mais que apenas um amontoado de nomes. Muito válida a discussão apresentada aqui por você Charles. Indicarei para outras pessoas. =]

Charles Morphy D. Santos disse...

Caro Brucce,

Obrigado pelo comentário.
Costumo chamar essa abordagem da ciência como algo restrito a gênios de "eurekismo". Muitos ainda tendem a pensar que os cientistas são necessariamente seres iluminados, sem vida social, desconectados do seu entorno, que descobrem suas teorias e hipóteses em insights orgasmáticos tal qual Arquimedes e seu "Eureka!".
Enquanto alunos e professores continuarem a propagar estereótipos desse tipo, dificilmente o pensar científico se disseminará. Como você colocou, a ciência é muito mais que um apanhado de nomes e conceitos pré-determinados. Ela é uma forma de enxergar a realidade e de tentar compreendê-la.

Abraço!

Unknown disse...

Olá senhor Charles Morphy?
Quero parabenizar o texto, está atual, realista e didático. Muito bom!
Identifiquei-me com grande parte dos trechos do texto, principalmente remetendo-me ao ensino médio na educação pública (acredito que muitos alunos da educação particular também diriam isso). Quando cheguei a Universidade senti logo peso de não ter exercitado a mente o quanto poderia, ainda mais na área das Ciências Biológicas. Concordo que o aluno muitas vezes não é estimulado a buscar o conhecimento, seja ele científico ou não, e esse desestimulo leva na maioria das vezes a estagnação do aluno, não amadurecendo a curiosidade e tornando o aprendizado uma mera questão mecânica.
Como todos já disseram, é bom ver que ainda há pessoas preocupadas com a situação da educação e com as resoluções de suas questões. Parabéns!
Abraço.

Materiais de aula disse...

Gostei muito, vou tentar mudar minhas aulas...em alguns momentos sinto a inutilidade da disciplina. Com o grupo de pesquisa sinto resultados mais concretos, pois os estudantes constroem seu conhecimento.