terça-feira, 20 de abril de 2021

Breves resenhas: Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas


Uma das grandes vantagens de vivenciar o ambiente acadêmico universitário é a possibilidade de trocar ideias, impressões, conhecimento e visões de mundo com colegas professores, pesquisadores, discentes e servidores.

Ainda que estejamos muito distantes da normalidade nos dias de hoje, mediando nossos contatos sociais e profissionais por telas de computador e smartphones (para os privilegiados com a chance de trabalhar de forma remota), os momentos de compartilhamento de experiências continuam fundamentais para nosso desenvolvimento intelectual e humano.

Há alguns meses, o grande amigo João Paulo Gois, companheiro docente na Universidade Federal do ABC, me indicou a leitura de "Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas", de David Epstein. Descobri que o livro constava da lista de leitura de Bill Gates para o ano de 2020 (curiosamente, tanto Gois quanto Gates são especialistas em computação).

A obra discute conceitos muitos caros à academia nos dias de hoje: interdisciplinaridade, construção transversal do conhecimento científico, e necessidade de visão ampla e múltipla para a resolução de problemas complexos. Seguem abaixo alguns trechos:
O desafio que todos enfrentamos é como manter os benefícios da amplitude, da experiência diversificada, do pensamento interdisciplinar e da concentração tardia em um mundo que cada vez mais incentiva (e até exige) a hiperespecialização.

Nossa maior força é exatamente o oposto da especialização estrita. É a capacidade de fazer uma integração ampla.

(...) as características que significam boas notas [na universidade] não incluem capacidade crítica de qualquer significado amplo

Os alunos vêm preparados com óculos científicos, mas não saem carregando o canivete suíço do raciocínio científico. (...) Eles devem aprender a pensar antes de aprenderem sobre o que pensar.

Quanto mais limitado e repetitivo for um desafio, mais provavelmente ele será automatizado, enquanto grandes recompensas serão acumuladas para aqueles que conseguirem obter conhecimento conceitual de um problema ou domínio e aplicá-lo de maneira totalmente nova.

Tolerar grandes erros pode criar as melhores oportunidades de aprendizado.

O pensamento analógico profundo é a prática de reconhecer similaridades em múltiplos campos de conhecimento ou cenários que, superficialmente, parecem ter muito pouco em comum.

(...) as pessoas que melhor resolvem problemas são as mais capazes de determinar sua estrutura profunda antes de determinar uma estratégia de resolução.

(...) o inesperado torna-se uma oportunidade para se aventurar por um novo caminho — e analogias servem como guias nas terras selvagens.

(...) os laboratórios mais capazes de transformar descobertas inesperadas em conhecimento novo para a humanidade criavam muitas analogias, e as criavam a partir de uma grande variedade de áreas. (...) Em algumas reuniões de laboratório, uma nova analogia era proposta, em média, a cada quatro minutos, algumas delas vindas de áreas completamente alheias à Biologia.

O truque mais importante, disse ele, é manter-se sintonizado para perceber quando mudar é simplesmente falta de perseverança e quando se trata do astuto reconhecimento da existência de projetos mais adequados.

(...) uma mente aberta sempre levará algo de toda nova experiência.

Sua pessoa de agora é passageira, assim como todas as outras que você já foi. (...) aprendemos quem somos apenas vivendo, e não antes.

Os criadores de previsões mais profícuos afastam-se do problema em questão e examinam eventos não relacionados, mas com similaridades estruturais, em vez de confiarem na intuição baseada na experiência pessoal ou em apenas uma área de especialização.

Quando tudo o que você tem é um vulcanologista, aprendi, toda extinção tem como origem um vulcão.

Parte do problema, argumentou ele, é que os cientistas jovens são obrigados a se especializar antes de aprenderem a pensar.

(...) trabalhos que conectam áreas díspares do conhecimento têm menor probabilidade de serem financiados, menos chance de serem publicados em periódicos famosos, maior probabilidade de serem ignorados após sua publicação e, assim, maior probabilidade, em longo prazo, de serem um grande sucesso na biblioteca do conhecimento humano.

(...) O progresso científico em uma frente ampla é resultado do livre brincar de intelectos livres, trabalhando em assuntos de sua própria escolha, de uma forma ditada por sua curiosidade pela exploração do desconhecido.

Compare a si mesmo com seu eu de ontem, e não com pessoas mais jovens e que não sejam você. Cada um de nós avança em um ritmo diferente, então não permita que alguém faça com que você se sinta atrasado. Provavelmente, você nem sequer sabe com exatidão para onde está indo, e sentir-se em desvantagem não ajuda em nada.
O trabalho de Epstein é celebrado como um livro de negócios, mas as discussões que o autor apresenta são pertinentes para qualquer área em que seja necessário investigar soluções para questões amplas. Vale a leitura!

Referência:
Epstein, D. 2020 [2019]. Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas. Tradução: Marcelo Barbão e Fal Azevedo. Editora Globo Livros.

2 comentários:

Peterson Lopes disse...

Eu me interessei por esse livro a partir dessa resenha! Cada vez mais sinto que, apesar da tal "globalização" (sem trocadilho intencional com o nome da editora), as pessoas têm se isolado mais nas respectivas bolhas; esse movimento social, na academia, tem se reproduzido nos laboratórios e na sala de aula. Estamos diante de um enorme desafio dialógico!

Charles Morphy D. Santos disse...

Grande Peterson!
Obrigado pelo comentário.
Concordo contigo. A ultra-especialização impossibilita um olhar em perspectiva (nas aulas, no laboratório, na atividade administrativa...). Esse isolamento em bolhas de interesses, no meu entender, é uma das causas da über polarização político-ideológica que vivemos na contemporaneidade.
Abraço!