No último dia 04 de julho, aos 92 anos, faleceu nos EUA o biólogo Richard Charles Lewontin (1929-2021).
Ao longo de sua carreira científica, Lewontin foi um crítico ferrenho do determinismo genético, tendo se posicionado contra a ideia de que características complexas dos seres vivos, como o coeficiente de inteligência, estivessem diretamente inscritas no DNA. Para todo atributo há um gene específico? De jeito nenhum, afirmava Lewontin. A variabilidade orgânica não podia ser resumida a um pedaço de material genético.
No seu livro de ensaios "Biology as ideology: the doctrine of DNA", de 1991 (traduzido para o português e publicado aqui em 2000), Lewontin escreveu:
(...) não temos razão a priori para pensar que haveria qualquer diferenciação genética entre grupos raciais em características como comportamento, temperamento e inteligência. Tampouco há um pingo de evidência de que as classes sociais diferem de alguma forma em seus genes, exceto na medida em que a origem étnica ou a raça podem ser usadas como forma de discriminação econômica. O absurdo propagado pelos ideólogos do determinismo biológico de que as classes inferiores são biologicamente inferiores às classes superiores (...) é precisamente isso, um absurdo. O objetivo é legitimar as estruturas de desigualdade em nossa sociedade, colocando um brilho biológico sobre elas e confundindo o que pode ser influenciado pelos genes e o que pode ser alterado por mudanças sociais e ambientais.
Em 2000, Lewontin publicou no The New York Review of Books [1] umas das mais lúcidas críticas à percepção popular - comum também entre muitos cientistas - de que o DNA é o Santo Graal da biologia, a panaceia que vai nos apontar os caminhos para resolvermos todos os nossos problemas. Para Lewontin:
(...) é necessário mais que o DNA para se fazer um ser vivo. Em certa ocasião, ouvi um dos líderes mundiais da biologia molecular, na palestra de abertura de um congresso científico, dizer que se tivesse um computador com capacidade suficiente e a seqüência completa do DNA de um organismo, ele poderia calcular o organismo, ou seja, segundo ele, seria possível descrever plenamente sua anatomia, fisiologia e comportamento. Isto está errado. Nem o próprio organismo é capaz de se calcular a partir do próprio DNA. Um organismo vivo em qualquer momento de sua vida é exclusivamente consequência de uma história de desenvolvimento resultante da interação e da determinação de forças internas e externas. As forças externas, que usualmente pensamos como “ambiente”, são elas próprias parcialmente consequência das atividades do organismo em si, enquanto produz e consome as condições da própria existência. Os organismos não encontram o mundo no qual se desenvolvem. Eles o produzem.
Lewontin foi um dos grandes colaboradores do paleontólogo Stephen Jay Gould (1941-2002). É deles o hoje clássico ensaio "The Spandrels of San Marco and the Panglossian Paradigm: a critique of the adaptationist programme", publicado em 1979. No artigo, Lewontin e Gould fazem um contraponto à visão adaptacionista estrita na biologia - a ideia de que todo e qualquer atributo existente nos organismos teria sido forjado pela seleção natural, a única responsável pelas formas orgânicas, funções e comportamentos encontrados na natureza. Mais de 40 anos após a publicação desse artigo seminal, hoje sabemos que há muito mais na biologia do que apenas a seleção natural. A identificação dos fatores e mecanismos responsáveis pela complexidade orgânica é um dos objetivos da Síntese Estendida da Evolução, que tem avançado nos caminhos abertos por Lewontin, Gould e outros autores nos já longínquos anos 1970.
Richard Lewontin foi um exemplo de biólogo que enxergava seu trabalho na genética e na biologia evolutiva para além do laboratório. Jerry Coyne, autor do belo livro "Why evolution is true" e ex-aluno de pós-graduação de Lewontin, a quem ele chamava "The Boss", conta que, à pergunta "O que te levou para as ciências?", seu orientador costumava responder "Um professor carismático" [2].
Até mais, "Boss", e obrigado pelos peixes!
Notas:
[1] O texto foi traduzido em 2002 e publicado na Revista da Adusp sob o título "O sonho do genoma humano".
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