quinta-feira, 29 de maio de 2025

Múmias extraterrestres?

Arquivo X foi uma das séries de TV mais icônicas dos anos 1990. Uma vez por semana, os agentes do FBI Fox Mulder e Dana Scully se envolviam em investigações sobre atividade paranormal, seres espetaculares, monstros pré-históricos ressuscitados, pés-grandes, teorias conspiratórias mundiais e monstrengos extraterrestres. A abertura da série, além da música tema marcante, terminava com um punch: "A verdade está lá fora". Eu adorava essa série e a acompanhava fielmente, todos os domingos, na TV aberta.

Mulder, o co-protagonista, tinha um pôster pregado em seu escritório no FBI com a frase "Eu quero acreditar" logo abaixo da imagem de um disco voador.

Sobre a possibilidade de existência de vida extraterrestre, não é suficiente querer acreditar. Eu quero saber. E saber com base em evidências sólidas. 

Em 12 de setembro de 2023, o jornalista e ufólogo Jaime Maussan apresentou, em um evento na Câmara dos Deputados do México, o que seriam dois cadáveres mumificados de uma espécie alienígena. Segundo Maussan, os tais ETs haviam sido recuperados de um sítio arqueológico no Peru em 2017. As imagens divulgadas mostram seres humanoides diminutos, muito semelhantes aos extraterrestres retratados em centenas de filmes de Hollywood (que a literatura ufológica costuma chamar de "greys", dado o aspecto cinzento de sua pele). 

Seriam essas múmias evidências da existência de seres extraterrestres, provavelmente inteligentes e capazes de viagens interestelares?

É preciso ter muita calma nessa hora…

Não é a primeira vez que corpos de hipotéticos extraterrestres são apresentados como reais. Em 1995, o vídeo de uma suposta autópsia de ETs "capturados" em 1947 na cidade de Roswell, nos EUA, bombou nos programas de TV. O Fantástico, revista eletrônica da TV Globo que tristemente anunciava o final do domingo, deu grande destaque à gravação. Mesmo em tempos pré-internet, a tal autópsia viralizou. Lembro bem de como eu e meus colegas do colégio ficamos impressionados com o nível de detalhes do vídeo. Parecia autêntico. Não estávamos sós no universo!

Só que a gravação era falsa. Pouco mais de dez anos depois, Ray Santilli, um empresário britânico, admitiu que tudo havia sido criado em estúdio. 

Vídeos como o da autópsia fajuta de Roswell e imagens de avistamentos de objetos voadores não-identificados (os chamados OVNIs) vez por outra aparecem na internet. É possível encontrar vários no YouTube. No entanto, as falsificações grosseiras costumam ser prontamente identificadas. 

No caso dos "extraterrestres" revelados por Maussan, a Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) rapidamente se pronunciou dizendo que nada tinha a ver com o relato, ainda que o ufólogo tenha dito que pesquisadores da instituição investigaram amostras das múmias, atestando sua antiguidade e a presença de DNA alienígena. Vale lembrar que Maussan esteve envolvido em outras controvérsias semelhantes à atual (como a das múmias de Nazca, também apontadas por ele como extraterrestres).

Material como o apresentado no México não é descartado pela ciência de imediato ou considerado falsificação sem ser analisado. Em 2018, por exemplo, um grupo de pesquisadores, liderados por Sanchita Bhattacharya, da Universidade da Califórnia, publicou um belo trabalho na revista Genome Research analisando um esqueleto humanoide encontrado no Deserto do Atacama, no Chile. O espécime tinha um fenótipo estranho, com pouco mais de 13 centímetros, menos costelas do que o esperado para um Homo sapiens e crânio alongado. Quando da sua descoberta, ufólogos não tardaram a considerar o cadáver uma forma de vida extraterrestre. A equipe de Bhattacharya mostrou, de forma inequívoca, que o esqueleto era de uma menina recém-nascida, portadora de uma série de mutações genéticas (nos genes COL1A1, COL2A1, KMT2D, FLNB, ATR, TRIP11, PCNT) ligadas à malformações do crânio e costelas.

Há inúmeros relatos de testemunhos de OVNIs e abduções, estátuas que choram sangue, aparições de espíritos e fantasmas. Talvez a grande maioria dos relatos de testemunhas de OVNIs e abduções seja de fraudes explícitas. Em raros casos, não são. Alguém que passou por experiências aparentemente inexplicáveis pode se perguntar: "Como assim fraude? Tenho certeza que vi essas coisas!". Será mesmo? Nossas observações nunca são livres de hipóteses prévias. Muitas vezes, vemos apenas o que queremos, ou o que o nosso entorno nos sugere.

O questionamento sobre a existência de vida fora do planeta Terra não é recente. Remonta à Grécia Antiga. Hoje em dia, há discussões profundas e cientificamente embasadas sobre exoplanetas, luas e mesmo cometas abrigarem algum tipo de vida. A área de investigação conhecida como Astrobiologia assumiu parte da responsabilidade de estudar a origem e evolução da vida no universo. O interesse pela Astrobiologia foi reavivado em 1996, com o anúncio, feito por cientistas norte-americanos, de possíveis microrganismos fósseis marcianos no meteorito ALH84001, ejetado de Marte há cerca de 4 bilhões de anos e encontrado na continente antártico em 1984. As dúvidas sobre esses relictos marcianos continuam até nossos dias. 

Para a Astrobiologia, é possível que, ao menos em parte, padrões e processos da evolução da vida na Terra se repitam em outros planetas universo afora. Há autores, como o biólogo britânico Richard Dawkins, que defendem que toda a vida existente em qualquer parte do universo passa por um processo análogo à seleção natural, resultando em taxas de sobrevivência e reprodução diferenciais a partir de variabilidade que surge, principalmente, por mutações e recombinações do material genético constituinte dos organismos. Esse "darwinismo universal" permitiria que reconhecêssemos formas de vida em qualquer ambiente extraterrestre. A intrincada trama da sensacional ficção-científica Devoradores de Estrelas, de Andy Weir, parte dessa premissa.

Há pesquisadores, no entanto, que consideram que formas de vida extraterrestres seriam muito distintas das que somos capazes de identificar - no clássico da ficção-científica Solaris, publicado em 1961, o escritor polonês Stanislaw Lem fala sobre a descoberta de um oceano inteligente, o que nos parece, hoje, quase impossível de imaginar. Ainda assim, se pensarmos que o universo visível tem um diâmetro aproximado de 93 bilhões de anos-luz (cerca de 930 sextilhões de quilômetros), talvez a existência de formas de vida inimagináveis para a nossa espécie seja regra. 

A busca por vida fora do planeta Terra traz, no seu íntimo, algumas das questões filosóficas e científicas mais profundas já levantadas pela nossa espécie: O que é vida? Como identificar o que é vivo em comparação ao que não é? Por que parte das coisas que existem são vivas? Por que as coisas vivas são encontradas em uma grande diversidade de formas? Por que alguns seres vivos têm consciência e de que maneiras ela pode se manifestar? Toda vida no cosmo depende de informação codificada em moléculas de DNA ou de processos baseados na bioquímica do carbono? Como encontrar uma definição de vida que se aplica não somente ao que conhecemos? Reconheceríamos algum tipo de vida extraterrestre? 

Questionamentos como esses são legítimos e orientam pesquisas há muitos anos. É dever da ciência vislumbrar além do que acontece na nossa frente, aqui e agora. Para isso, no entanto, precisamos nos armar das ferramentas certas, algo como um "kit de detecção de bobagens", como dizia o astrofísico e divulgador científico Carl Sagan. É ele que pode nos permitir separar hipóteses científicas, ou seja, baseadas em evidências robustas, daquelas pseudocientíficas ou fraudulentas. O desejo de acreditar que não estamos sós no universo não pode prevalecer sobre a ciência rigorosa.

Se extraterrestres de fato, as múmias apresentadas na Câmara dos Deputados do México seriam a maior revelação científica de todos os tempos, capaz de nos forçar a realinhar muito do que julgamos conhecer sobre a vida, o universo e tudo o mais. Porém, alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias, e não apenas sensacionalismo midiático sem base científica. Seguimos olhando para o céu em busca de indícios de que realmente há alguém, ou algo, lá fora.

Leituras sugeridas:

Bhattacharya, S., Li, J., Sockell, A., Kan, M.J., Bava, F.A., Chen, S.C., Ávila-Arcos, M.C., Ji, X., Smith, E., Asadi, N.B., Lachman, R.S., Lam, H.Y.K., Bustamante, C.D., Butte, A.J., Nolan, G.P. (2018) Whole-genome sequencing of Atacama skeleton shows novel mutations linked with dysplasia. Genome Research, 28(4), 423-431. http://www.genome.org/cgi/doi/10.1101/gr.223693.117.

Darling, D. (2001) Life everywhere: the maverick science of Astrobiology. Basic Books, New York.

Dawkins, R. (1983) Universal Darwinism. Em: Bendall, D.S. (ed.) Evolution from molecules to man. Cambridge University Press, 403–425.

Sagan, C. (2006). O mundo assombrado pelos demônios. Companhia das Letras: São Paulo.

Sokal, A. & Bricmont, J. (2010) Imposturas intelectuais: o abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos. Editora Record, São Paulo.

Foto: Divulgação/Congresso Mexicano 

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