terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Top 10 livros do (meu) ano

Listados em ordem alfabética pelo nome do autor, seguem os 10 livros que mais me marcaram no ano de 2011.


Charles Bukowski (1982) Misto-quente.
Sobre a infância, adolescência e início da vida adulta de Henry Chinaski, espécie de alter ego de Bukowski. Livro sincero, duro e aflitivo, passado no período da Grande Depressão norte-americana do século passado. Um Bukowski pouco condescendente consigo mesmo, com seus pais, com seu país, bem distante da imagem auto-importa do velho safado. "Mas vá se aproximar e ouvir seus pensamentos escorrendo boa afora, você vai sentir vontade de cavar um buraco ao sopé de uma colina e se entrincheirar com uma metralhadora" (p. 270).

Christopher Hitchens (2010) Hitch-22.
Auto-biografia de um dos grandes jornalistas e polemistas dos últimos 30 anos. Hitchens não poupa ninguém em um tour-de-force sobre política, economia, literatura e amizades. Passagens saborosas sobre seus relacionamentos com Martin Amis, Ian McEwan, Salman Rushdie e opiniões fortes sobre a guerra, as religiões e a condição humana fazem desse livro essencial. O "controvertido" Diogo Mainardi não passa de uma pulguinha perto de Hitchens, que morreu no último dia 15 de dezembro. 

David Mazzucchelli (2009) Asterios Polyp.
Extraordinária graphic novel, do mesmo ilustrador de Batman Ano Um e A queda de Murdock, sobre um arquiteto de 50 anos que tenta refazer a vida após um acidente em seu apartamento. Diagramação genial, uso das cores e da tipografia sem paralelos em qualquer outra história em quadrinhos e um texto triste e, ao mesmo tempo, redentor. Tem talvez o melhor final que já apareceu em uma HQ (ou mesmo de qualquer obra de ficção, seja filme ou livro).

Frank Ryan (2009) Virolution.
A seleção natural, cerne da teoria sintética da evolução, é o processo suficiente para explicar a evolução dos organismos? Ryan discute a necessidade de uma extensão da síntese moderna da teoria da evolução, apontando para a importância de conceitos como simbiogênese e herança epigenética para a geração da diversidade biológica. Além disso, aqui se discute o papel dos vírus como responsáveis diretos pelo aumento da variação e porque a maioria dos questionamentos acerca esse grupo (são seres vivos? não são?) está desfocada.

Ian McEwan (2010) Solar.
Conta as desventuras de um físico ganhador do prêmio Nobel, Michael Beard, transformado em um burocrata trabalhando em um projeto governamental voltado a estudos sobre aquecimento global. McEwan é tão bom escritor que não deveria ser lido por qualquer um que sonhe em viver de literatura (a comparação sempre seria injusta, para dizer o mínimo). Descubra aqui porque você não deve tentar urinar do lado de fora da sua cabana quando estiver visitando o Ártico...

Mario Livio (2010) [2009] Deus é matemático? 
A matemática pode ser considerada uma descoberta ou uma criação humana? O astrofísico Mario Lívio sugere que ambas as respostas estão certas: a matemática surge como linguagem para descrever a natureza mas também é parte indissociável dela. Observação: o livro não fala de religião; esse "Deus" do título é o mesmo de Spinoza e de Einstein…

Philip K. Dick (2006) [1962] O homem do castelo alto.
Ficção especulativa distópica que se passa em um mundo no qual os Eixo ganhou a Segunda Guerra Mundial. O mundo está dividido em zonas de influência nazista e nipônica. O I-Ching é o oráculo que dita os caminhos. Um autor imagina como seria a realidade caso os Aliados tivessem vencido. P.K. Dick menos paranóico mas não menos genial e obrigatório.

Ray Bradbury (2007) [1953] Fahrenheit 451.
Livros são queimados por "bombeiros" em um mundo futuro dominado pela televisão e pela ausência de opiniões. Bradbury, nos anos 1950, prevê com absoluta precisão a influência das mídias de massa na sociedade humana contemporânea. "Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver, dê-lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum" (p. 79).

Reinaldo Moraes (2009) Pornopopéia.
Conta a história de um ex-cineasta marginal (sua produtora se chama "Khmer Videofilmes - uma produtora, muitas cabeças", referência óbvia ao regime comunista ditatorial e sanguinário do Camboja na década de 1970), que ganha a vida fazendo comerciais vagabundos, em meio a farras de drogas e sexo no dark side da cidade de São Paulo. Para quem acha que não existe literatura inteligente e com voz própria no Brasil, "Pornopopéia" é uma grande pedida.

Steven Johnson (2010) De onde vêm as boas idéias.
Livro rápido e interessantíssimo sobre a importância das interrelações e das redes de contatos para o surgimento da inovação e de grandes mudanças conceituais. Johnson fala de como a emergência é dependente do contexto - e.g., a possibilidade do aparecimento de novas idéias em uma cidade metropolitana é maior do que em um vilarejo do interior especialmente por conta da maior probabilidade do encontro entre pessoas com os mesmos interesses e/ou referenciais.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Apontamentos para o Natal



Somente alguns trechos de alguns livros...
Uma posição radicalmente ateísta pode até significar que sua vida é uma corrida rumo ao esquecimento - mas ao menos você pode fazer isso com estilo. Como você se comporta hoje, o que você faz em cada momento, como você explora os talentos e as oportunidades à sua disposição são coisas muito mais importantes para um ateu genuíno do que para os devotos mais religiosos. Longe de perder o sentido, o que você faz nesta vida subitamente torna-se incrivelmente importante, já que você só tem essa única possibilidade de fazer a coisa certa, de mudar alguma coisa, de contribuir de alguma forma para aqueles que você ama ou que seguirão seus passos.
Bradley Trevor Greive, no prefácio de O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams (2004)

Você pode sair por aí beijando todos os muros do mundo, e todas as cruzes, e fêmures, e tíbias de todos os santos mártires abençoados que já foram trucidados pelos infiéis e, de volta ao escritório, ser um filho da puta para os seus funcionários e em casa um perfeito pentelho para a família.
Philip Roth em O Avesso da Vida (1986)

(…) nossa civilização é tão vasta que não podemos permitir que nossas minorias sejam transtornadas e agitadas. Pergunte a si mesmo: o que queremos nesse país, acima de tudo? As pessoas querem ser felizes, não é certo? Não foi o que você ouviu durante toda a vida? Eu quero ser feliz, é o que diz todo mundo. Bem, elas não são? Não cuidamos para que sempre estejam em movimento, sempre se divertindo? É para isso que vivemos, não acha? Para o prazer, a excitação? E você tem que admitir que nossa cultura fornece as duas coisas em profusão…
Ray Bradbury em Fahrenheit 451 (1953)

É um fato importante, e conhecido por todos, que as coisas nem sempre são o que parecem ser. Por exemplo, no planeta Terra os homens sempre se consideraram mais inteligentes que os golfinhos porque haviam criado tanta coisa - a roda, Nova York, as guerras, etc - enquanto os golfinhos só sabiam nadar e se divertir. Porém, os golfinhos, por sua vez, sempre se acharam muito mais inteligentes que os homens - exatamente pelos mesmos motivos.
Douglas Adams em O Guia do Mochileiro das Galáxias (2004)

Nada estava em sintonia, nunca. As pessoas vão se agarrando às cegas a tudo que existe: comunismo, comida natural, zen, surf, balé, hipnotismo, encontros grupais, orgias, ciclismo, ervas, catolicismo, halterofilismo, viagens, retiros, vegetarianismo, Índia, pintura, literatura, escultura, música, carros, mochila, ioga, cópula, jogo, bebida, andar por aí, iogurte congelado, Beethoven, Bach, Buda, Cristo, heroína, suco de cenoura, suicídio, roupas feitas à mão, vôos a jato, Nova York, e aí tudo se evapora, se rompe em pedaços. As pessoas têm de achar o que fazer enquanto esperam a morte. Acho legal ter uma escolha.
Charles Bukowski em Mulheres (1978)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

As três flechas do jovem samurai

Abertura e conectividade podem, no final das contas, ser mais valiosas para a inovação que mecanismos puramente competitivos
Steven Johnson em De onde vêm as boas idéias (2010)
A vida é uma extensão do ser para a geração seguinte, para a espécie seguinte. É a engenhosidade de tirar o máximo proveito da contingência
Lynn Margulis & Dorion Sagan em What is life? (1992)

Na primeira seqüência de Ran, obra-prima do diretor japonês Akira Kurosawa livremente inspirada no Rei Lear de Shakespeare, o lorde samurai Hidetora, cansado de guerras e conquistas, em reunião com seus principais comandados, decide delegar a liderança ao seu primogênito, Taro. Sob o olhar atônito dos assessores e do bobo da corte, Hidetora faz a partilha do império, incumbindo a Jiro e Saburo, seus dois outros filhos, a tarefa de escudar o irmão mais velho. Para demonstrar a necessidade da colaboração, o velho lorde dá a cada um deles uma flecha de madeira e pede que tentem quebrá-la, o que fazem de pronto. Hidetora, então, agrupa três flechas em um único feixe e repete o pedido. O conjunto resiste às investidas dos irmãos, corroborando a tese do pai, até que o mais jovem, Saburo, consegue quebrar as flechas apoiando-as no joelho. O comportamento cooperativo funciona mas não é inquebrantável: a competição sempre surgirá, de uma ou outra forma.

Assim como no filme de Kurosawa, também a evolução das espécies é marcada por esses dois extremos. No ambiente natural, os organismos estão à procura de alimento, água, território, parceiros reprodutivos. Diferentemente do preconizado pelo senso comum e pela biologia neodarwinista ortodoxa, que vê os organismos na natureza engalfinhados em sanguinolentas batalhas pela sobrevivência, nas quais apenas os fortes obtêm sucesso, a competição acontece em diferentes níveis e é por vezes sutil e não “declarada”. Desde os naturalistas britânicos Charles Darwin e Alfred Wallace, no século XIX, sabe-se que as populações naturais têm altas taxas de variação e que, em resposta a pressões seletivas, alguns grupos podem tornar-se mais representativos em razão de portarem características que os diferenciem e que sejam vantajosas à medida que garantam a manutenção da sua prole. Tais grupos são selecionados positivamente, o que significa a continuidade de uma parte considerável de seu patrimônio genético nas gerações subseqüentes. É uma falácia biológica afirmar que são os fortes os melhores competidores, uma vez que força não garante sobrevivência.

Para a sobrevivência diferencial, não se pode desconsiderar o valor da cooperação para a evolução. Associações entre organismos são comuns e amplamente difundidas na biologia. A cooperação aparece em vertebrados, artrópodes, cnidários e mesmo em organismos unicelulares, como as colônias do protista Choanoflagellata, espécie evolutivamente aparentada aos animais. Formigas, abelhas e cupins têm estrutura social com divisão de castas e de trabalho no interior das suas colônias – em geral, os soldados cuidam da defesa do ninho e as operárias da limpeza dos túneis e da obtenção de alimento, ficando a reprodução destinada somente à rainha e aos machos reprodutores (utiliza-se o termo operária apenas no caso dos himenópteros, pois todas são fêmeas. Para cupins, usa-se operários, uma vez que a casta é composta tanto por fêmeas quanto por machos). Entre os cnidários, o grupo formado pelas águas-vivas, pólipos e corais, a caravela portuguesa é um exemplo excepcional de associação. O organismo observado sobre as águas como um conjunto transparente de bexigas gelatinosas é de fato formado por milhares de indivíduos diferentes, muito modificados, com funções específicas relacionadas à captura de alimento, movimentação da colônia, defesa e reprodução.

O exemplo dos Choanoflagellata é mais surpreendente, pois nos dá pistas de como se deu a formação de organismos multicelulares e como foram os primeiros passos da evolução anima. Essas colônias são as mais próximas, em termos filogenéticos dos metazoários, e apresentam divisão de trabalho entre os seus constituintes. As algas verdes do gênero Volvox também têm estrutura colonial. As células individuais de uma colônia de Volvox ficam encrustadas na superfície gelatinosa de uma esfera oca que pode atingir de 0.5 a 1 mm de diâmetro. Cada uma delas tem um núcleo, um par de flagelos e um único cloroplasto grande. As células adjacentes conectam-se entre si através de pontes citoplasmáticas. Nessa esfera oca coberta de indivíduos dispostos lado a lado, apenas alguns são responsáveis pela reprodução. Associações biológicas são muito antigas, remontando ao aparecimento dos eucariotos – o grupo de organismos com núcleo celular definido e delimitado por uma membrana, no interior do qual se encontra o material genético –, há quase dois bilhões de anos.

É certo que não apenas a opinião pública tende a descartar a cooperação biológica quando se trata de descrever a história da vida. Muitos entre os evolucionistas modernos defendem que a evolução se dá através de um selecionismo ferrenho. Em alguns dos clássicos de Richard Dawkins, como “O gene egoísta” (1976), “O relojoeiro cego” (1986) e “Escalando o monte improvável” (1996), esse raciocínio darwiniano extremado é recorrente. Para os ultra-darwinistas, o processo evolutivo dá-se através da seleção natural de variedades pré-existentes, surgidas a partir de mutações genéticas aleatórias e recombinações cromossômicas (crossing-over, trocas entre pedaços de DNA em cromossomos homólogos durante a formação das células reprodutivas, que acabam por aumentar a variedade do produto final, os gametas). Em linhas gerais, essas modificações seriam selecionadas caso promovessem algum tipo de vantagem adaptativa ao portador, garantindo a manutenção dos seus genes na descendência. Entretanto, o que se ignora nesse caso é que a sinergia (do grego synergos, trabalhar junto) constitui um fenômeno essencial para a evolução. A vida no planeta não teria o mesmo perfil, e talvez nem mesmo existisse nos moldes conhecidos, se a cooperação entre organismos não fosse mais do que uma simples nota ao pé da página da evolução biológica.

Partindo do pressuposto de que a sinergia está disseminada no ambiente natural, o biólogo russo Konstantin Mereschkovsky (1855-1921) criou o termo simbiogênese, na tentativa de explicar a origem dos cloroplastos a partir de algas verde-azuladas (cianobactérias). Em termos gerais, a simbiogênese refere-se à formação de novas formas de vida, novos órgãos ou novas organelas celulares através da associação permanente com formas de vida preestabelecidas e, conseqüentemente, mais antigas. Não se sabe exatamente como acontece o compartilhamento ou a influência entre o material genético dos componentes dessa associação, mas a simbiogênese é um fato: corais têm simbiontes dinoflagelados em seus tecidos, lulas associam-se a bactérias luminosas, fungos unem-se a algas verdes ou cianobactérias, originando os líquens, entre outros milhares de exemplos.

Em 1966, a bióloga Lynn Margulis (1938-2011), que viria ao Brasil em dezembro para a São Paulo Advanced School of Astrobiology (mas que, infelizmente, faleceu no dia 22 de novembro, aos 73 anos), retomou as idéias de Mereschkovsky para a sua proposição sobre como as bactérias fundiram-se diversas vezes durante a evolução, originando espécies diferentes através de simbiogênese. Ela escreveu um artigo sobre a origem das células eucarióticas – trabalho que foi recusado inúmeras vezes por revistas especializadas, até finalmente ser publicado. Para Margulis, muitas das características que organismos complexos apresentam derivam da junção de dois ou mais microorganismos diferentes que passaram a viver uma vida comum através da cooperação. De uma forma bem simplificada, podemos dizer que as organelas celulares que hoje conhecemos como mitocôndrias e cloroplastos foram, um dia, organismos bacterianos livres. Essas bactérias, precursoras da respiração celular e da fotossíntese, devem ter sido fagocitadas por outras, mas não digeridas. Provavelmente as enzimas digestórias não funcionaram a contento, ou nem mesmo começaram a agir, e o “alimento” foi incorporado, sem maiores danos, ao ambiente interno das bactérias ingestoras.

Uma série de evidências ajuda a corroborar a teoria de Margulis. Tanto mitocôndrias quanto cloroplastos têm material genético próprio, fora do núcleo da célula, suas paredes e membranas internas assemelham-se às bicamadas fosfolipídicas da grande maioria das células conhecidas e sua forma de duplicação dá-se através do seu próprio material genético. Não obstante, há extraordinária semelhança entre o DNA dos cloroplastos e mitocôndrias com o de algumas bactérias fotossintetizantes e algumas que utilizam oxigênio na obtenção de energia. Apesar de não se ter esclarecido por definitivo como o processo aconteceu, eventos de simbiose são explicações extraordinariamente robustas para a origem de mitocôndrias e cloroplastos. Em um pólo oposto ao dos selecionistas radicais (o que não é exatamente o caso de Dawkins, vide as posições apresentadas na coletânea “O capelão do diabo”, de 2003, e em trabalhos posteriores), a contribuição de Margulis para o debate evolutivo enfatiza mais a sinergia entre as espécies do que a competição darwinista.

A hipótese da sinergia na evolução sugere que o individualismo exacerbado é uma negação da essência do ser vivo – as mitocôndrias e os cloroplastos das células eucarióticas seriam uma evidência clara para suportar tal afirmação. Tanto quanto a luta pela sobrevivência, também a cooperação é de fundamental importância para a vida desde os primórdios da evolução biológica, há aproximadamente quatro bilhões de anos. Infelizmente, aos olharmos para a janela, abrirmos os jornais ou assistirmos à qualquer noticiário da televisão, percebemos que o comportamento da espécie humana parece ignorar esse fato, gerando desequilíbrios não-naturais que afetam praticamente toda biota, do fluxo energético no planeta às nossas próprias relações sociais. 
O caminho para se compreender a evolução das espécies passa pela aceitação tanto do selecionismo de Dawkins quanto da sinergia de Margulis (e do papel do acaso, como discutido em outros momentos nesse blog, como aqui e aqui). Essa solução é coerente e lógica, como a percepção do jovem Saburo sobre o futuro do reino de seu pai. O filho do lorde samurai não estava de todo errado ao questionar o comportamento cooperativo, uma vez que ele também se insere em um contexto de competição. Algumas espécies têm condicionada a sua sobrevivência à vida cooperativa, o que não as exclui das relações competitivas no ambiente natural. Em grande parte das vezes, associações são selecionadas se conferirem um diferencial aos indivíduos, sob a forma de maiores taxas de reprodução e, conseqüentemente, maiores chances de permanência daquelas características herdáveis no correr da evolução do grupo.

Desde civilizações pré-históricas, as sociedades valorizam ao extremo a concorrência e a competição, por vezes desleal, em detrimento do comportamento cooperativo. É óbvio que, quando em conjunto, geralmente os grupos humanos agem em prol de interesses próprios, independente dos efeitos de suas atitudes no coletivo. Quanto maior o poder e a estatura social, mais se acompanha a regra tola da “lei do mais forte”, que tem pouco a ver com o processo evolutivo, por mais que tentem utilizá-lo como justificativa ou pretexto para a exploração, o racismo e o segregacionismo. Toma-se a cooperação apenas como escada imediata para a cobrança de favores futuros. 

O comportamento humano em relação ao ecossistema do qual o homem também faz parte é ainda mais individualista e estúpido, apoiado na ideia infundada de sua superioridade evolutiva. Se fomos todos criados à imagem e semelhança de um deus benevolente para conosco, e se todos os demais organismos viventes não têm esse mesmo privilégio, é correto pensar que eles foram, então, criados para nosso deleite e usufruto, uma vez que nada está mais próximo do divino do que nossa própria espécie? Por superficial que seja a análise, fica claro que essa idéia esconde um viés de ignorância desmedida. A vida na Terra é holárquica, uma grande rede de seres vivos conectados e coexistindo sem forma absoluta de controle de uns sobre os outros. Não há hierarquia alguma que alce a espécie humana ao topo. Em tempos duros como os atuais, descartar o individualismo cego e desestimular a competição que visa apenas à vitória unilateral parecem as únicas maneiras de se restabelecer o equilíbrio natural há muito perdido e de se chegar à compreensão de que somos apenas mais um dos componentes do mundo orgânico. 

Referências sugeridas: 
Dawkins, R. 1976. The selfish gene.
Dawkins, R. 1986. The blind watchmaker.
Gould, S.J. 2002. The structure of evolutionary theory.
Margulis, L. & Sagan, D. 1992. What is life?
Margulis, L. & Sagan, D. 2002. Acquiring genomes: a theory of the origin of species.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Gould, ultra-Darwinismo e falsas medidas



O darwinismo, como um conjunto de idéias, é amplo o suficiente e definido de uma forma tão variada que inclui uma abundância de verdades e pecados.
S.J.Gould em “Is a new and general theory of evolution emerging?” (1980, p.119)

Um dos meus heróis intelectuais é o paleontólogo Stephen Jay Gould (1941-2002). Ele foi um dos maiores divulgadores do evolucionismo na segunda metade do século XX, árduo defensor de uma visão materialista do mundo biológico, calcada nos trabalhos de Charles Darwin e dos evolucionistas que vieram depois dele (a despeito de sua posição respeitosa frente às religiões do mundo). Gould não se afiliava totalmente à tradição ortodoxa da teoria sintética da evolução, representada por luminares como Ernst Mayr (1904-2005), Theodosius Dobzhansky (1900-1975) e George G. Simpson (1902-1984), pois dava extraordinário peso ao papel do acaso na evolução da vida. Para ele, eventos não previsíveis como extinções em massa teriam importância quase tão grande para a evolução quanto a seleção natural de variedades pré-existentes, tida como o principal processo evolutivo responsável pela geração de diversidade biológica.

O primeiro artigo que li de S.J. Gould intitulava-se “Dinomania”. Originalmente publicado na The New York Review of Books de 12 de agosto de 1993, esse texto foi traduzido para o português pelo jornal Estado de São Paulo no mesmo ano seguinte e publicado no Caderno Especial dos dias 19 e 20 de setembro (ainda tenho os jornais amarelados nos meus arquivos). A prosa gouldiana me impressionou muito. Seu estilo elegante parecia algo a ser tomado como referência para um trabalho futuro. E foi a partir daí que comecei a delinear minha carreira e perceber que eu trabalharia com algum aspecto das ciências naturais. Esse artigo foi republicado na sétima coletânea de ensaios de Gould, “Dinossauro no palheiro”, originalmente lançada em 1995 sob o nome “Dinosaur in a Haystack” e lançada no Brasil há mais de uma década.

Apesar de ser uma influência constantemente presente na visão de mundo de boa parte dos evolucionistas e de ter um dos textos mais saborosos – senão o mais saboroso – entre todos os divulgadores científicos, S.J. Gould cometeu muitas falhas durante a sua carreira, foi intransigente, quase leviano, e um tanto personalista. Chegou a dedicar mais da metade de um dos seus livros (“Full House: the spread of excellence from Plato to Darwin”, de 1996, aqui traduzido em 2001 como “Lance de Dados”), que sintetizaria a história do pensamento evolutivo de Platão à Darwin, à análise de estatísticas de beisebol, um esporte que pouco diz fora do EUA e adjacências (com exceção talvez do Japão, Cuba e Venezuela). Por mais que as idéias de Gould sejam interessantes a esse respeito, é difícil chegar ao fim das suas 250 páginas sem um misto de desconforto e sensação de tempo perdido. O ensaio Chauvinismo humano e progresso evolutivo do livro “Capelão do diabo”, de Richard Dawkins (2003), é um comentário irônico sobre essa obra menor de Gould.


Outro ponto considerado por muitos como falho na carreira de S.J. Gould foi seu feroz ataque ao darwinismo a partir do final dos anos 1970 até quase meados da década de 1980. Juntamente com seu colega paleontólogo Niles Eldredge, Gould propôs a hipótese do equilíbrio pontuado. Em linhas gerais, eles contrapunham à concepção de processo evolutivo contínuo e gradual dos teóricos sintéticos da evolução a idéia de que os eventos de especiação, i.e., aparecimento de novas espécies, ocorreriam em curtos períodos de tempo geológico, seguidos de longos períodos de estase, com pouquíssimas alterações perceptíveis. Gould chegou a proferir que o darwinismo estava morto em um trabalho publicado em 1980 na revista Paleobiology. Essa demonstração de pretensão e arrogância obviamente não foi bem vista pela comunidade acadêmica, o que dificultou a discussão isenta sobre processos alternativos ao gradualismo darwiniano. Atualmente, há correntes que interpretam o equilíbrio pontuado como um gradualismo ocorrendo em curtos intervalos de tempo, seguidos por períodos longos em que as modificações se acumulariam, mas não seriam agraciadas com explosões de diversidade.

Recentemente, em um artigo publicado em junho de 2011 na revista PLoS Biology por Jason Lewis e colaboradores, Gould foi acusado de falsificar dados de medidas de crânios apresentados originalmente pelo físico americano Samuel Morton no século XIX. Em 1978, na revista Science, e posteriormente no seu livro “A falsa medida do homem” (de 1981), Gould teria fraudado de forma deliberada algumas das medidas feitas por Morton para corroborar a sua hipótese de que os resultados deste seriam enviesados por conta de preconceito – para Morton, haveria uma relação direta entre o tamanho do cérebro e a inteligência, com os Caucasianos assumindo uma posição privilegiada nestes quesitos. Por irônico que pareça, a tese de Gould aplica-se ao próprio trabalho em que ele a descreve, revelando como a visão de mundo de um cientista pode influenciar nas observações, experimentos e na apresentação das suas idéias...

O trabalho de Lewis e equipe vem causando controvérsia na comunidade acadêmica e reações exaltadas, como a do blogueiro e professor associado de Antropologia da Universidade de Wisconsin, John Hawks, que taxa Gould de cometer deslealdade consciente (para dizer o mínimo). Esse pode não ser um fato isolado na obra do evolucionista, mas me parece exagero taxar Gould de má-fé em toda sua obra, dadas as suas sérias contribuições ao debate das ciências naturais.

No final dos anos 1980, o discurso de Gould perdeu muito do seu caráter corrosivo, o que, em conjunto com o sucesso de seus livros e a popularização da paleontologia através de filmes como Jurassic Park (que foi o mote do ensaio “Dinomania” supracitado), transformaram-no em um ícone pop – Gould inclusive fez uma aparição no desenho Simpsons, no episódio “Lisa, a cética”, em que a filha mais velha de Homer encontra um esqueleto que lembra um anjo, que é testado pelo paleontólogo (os resultados são inconclusivos!). A massificação do trabalho de Gould não significou o fim das controvérsias e polêmicas: poucos meses depois da sua participação na série animada, ele se viu em meio a uma discussão com autores do quilate de psicólogo evolucionista Daniel Dennet (autor de “A perigosa idéia de Darwin”) e Dawkins, acerca da sua crítica exacerbada ao que ele chamou de fundamentalismo darwinista, representado por aqueles que consideravam que TODA a evolução poderia se resumir em adaptação via seleção natural.

Desde meados do século XX, após a bem sucedida Síntese da Teoria Evolutiva, existe uma tendência generalizada dos biólogos enxergarem na seleção natural o processo responsável por toda a diversidade e disparidade orgânica existente no planeta. Esse conceito, que praticamente qualquer pessoa letrada nas bases das ciências biológicas conecta à figura de Charles Darwin, é de fato central na teoria da evolução mas não dá conta de todas as alternativas necessárias para a reconstrução de cenário evolutivos confiáveis. Gould chama essa “fé” na seleção natural de ‘programa adaptacionista’ – sua talvez mais famosa incursão no tema, em colaboração com o também biólogo evolucionista Richard Lewontin, foi publicada em 1979 com o título The Spandrels of San Marco and the Panglossian Paradigm: a critique of the adaptationist programme e se transformou em um clássico da literatura evolucionista. Nesse artigo, Gould & Lewontin (1979, p. 83) apresentam o tema nos seguintes termos:
Nós gostaríamos de questionar um hábito de pensamento profundamente enraizado entre os estudantes de evolução. Nós os chamamos de programa adaptacionista ou paradigma Panglossiano. Ele se fundamenta na noção popularizada por A.R. Wallace e A. Weismann (...) em fins do século XIX: a quase onipotência da seleção natural em forjar o design orgânico e talhar o melhor entre os mundos possíveis. Esse programa considera a seleção natural tão poderosa e as restrições sobre ela tão pequenas que a produção direta de adaptação através de sua operação se torna a causa primária de praticamente todas as formas orgânicas, funções e comportamentos.
Para Gould & Lewontin, estudos sob a égide do programa adaptacionista dividem os organismos em atributos, que são explicados como estruturas desenhadas pela seleção natural de forma ótima para desempenhar suas funções; caso essa otimização falhe, os organismos são interpretados como melhor resultado possível dada a existência de demandas competidoras. A despeito da admissão de alternativas à seleção natural, a tendência é a de separar os organismos em partes, contando histórias adaptativas particulares para cada uma delas – se um argumento do tipo falhar, tenta-se outro.

Niles Eldredge, em seu livro “Reinventing Darwin”, de 1995, chama os defensores do programa adaptacionista de ultra-Darwinistas. Para ele (Eldredge, 1995, p. 4):
Os ultra-Darwinistas adotaram a posição de que a seleção natural é o processo evolutivo central. Mas, ao fazer isso, eles alteraram significativamente o conceito básico da seleção natural. Em suma, ultra-Darwinistas veem a seleção natural como competição (entre membros da mesma espécie) para o sucesso reprodutivo. Mas isso não é tudo. Ultra-Darwinistas veem toda competição, inclusive competição por alimento e outros recursos econômicos, como fundamentalmente um epifenômeno da competição real: competição por sucesso reprodutivo.

Eldredge, na sequência, cita Richard Dawkins como o ultra-Darwinista por excelência, lembrando que a tese principal do “Gene Egoísta” de Dawkins (1976) é que são os genes, e não os organismos, que estão em uma competição titânica e constante para deixar cópias de si mesmos para as gerações futuras.

Segundo Eldredge, Gould e Lewontin, o ultra-Darwinismo fere o espírito pluralista de Darwin. Eldredge (1995) vê a seleção natural como um filtro: os organismos competem por recursos; como efeito de tal competição, os mais eficientes terão maior chance de sucesso reprodutivo e a sua prole tenderá a herdar a informação genética responsável pelo sucesso dos seus pais. Gould & Lewontin (1979) apresentam uma série de alternativas ao selecionismo estrito dos ultra-darwinistas, a saber:

1) Evolução sem adaptação e sem seleção natural: é a mudança da frequência de alelos através da deriva genética aleatória, que pode levar à diferenciação genética de populações e à fixação de alelos em determinados locus gênicos na completa ausência de qualquer força seletiva.

2) Ausência de adaptação e seleção na estrutura sob análise: a evolução da forma de uma estrutura pode estar correlacionada à seleção em outra estrutura, uma vez que os organismos são todos integrados, não passíveis de decomposição em porções independentes otimizadas. Há inúmeros exemplos da biologia evolutiva do desenvolvimento que se encaixam aqui.

3) Desacoplamento de seleção e adaptação: para Gould & Lewontin (1979), há seleção sem adaptação e adaptação sem seleção. No primeiro caso, citam um exemplo hipotético (p. 90):
Uma mutação que dobre a fecundidade dos indivíduos irá se espalhar rapidamente pela população. Se não houver mudança na eficiência da utilização de recursos, os indivíduos não terão prole maior que antes, mas simplesmente botarão duas vezes mais ovos, o excesso morrendo devido à limitação de recursos. Em que sentido estão os indivíduos ou a população como um todo melhor adaptadas que antes? De fato, se um predador de formas imaturas estiver presente agora que os imaturos são abundantes, o tamanho da população vai diminuir como consequência, apesar da seleção natural sempre favorecer indivíduos com maior fecundidade.
No caso de adaptação sem seleção, eles citam os casos de modificações nos organismos que são puramente fenotípicas, notando que existem diferentes interpretações do que adaptação significa – adaptações fisiológicas, como a resposta do sistema circulatório às grandes altitudes; adaptações culturais, herdadas pelo aprendizado; e adaptação Darwiniana via mecanismo de seleção a partir de variação genética. “A mera existência de uma boa adequação entre organismo e ambiente é insuficiente para inferir a ação da seleção natural” (Gould & Lewontin, 1979, p. 91).

4) Adaptação e seleção mas sem base seletiva para diferenças entre adaptações: é a questão dos múltiplos picos adaptativos. Muitas vezes, espécies de organismos relacionados chegam a diferentes soluções para os mesmos problemas. Assim, é impossível dizer que uma solução é melhor que a outra.

A conclusão de Gould & Lewontin (1979, p. 95) é uma defesa à pluralidade no estudo da evolução:
Sentimos que as recompensas potenciais de abandonar o foco exclusivo no programa adaptacionista são de fato grandes (...) Damos as boas vindas à riqueza que a abordagem pluralista, tão afeita ao espírito de Darwin, pode proporcionar. Sob o programa adaptacionista, os grandes temas históricos da morfologia do desenvolvimento e Bauplan [termo em alemão que significa plano estrutural] foram largamente abandonados; se a seleção pode quebrar qualquer correlação e otimizar as partes separadamente, então a integração de um organismo conta muita pouco. Muito frequentemente, o programa adaptacionista nos dá uma biologia evolutiva de partes e genes, mas não de organismos. Ele assume que todas as transições podem ocorrer passo a passo e subestima a importância de blocos de desenvolvimento integrados e restrições importantes da história e arquitetura. Uma visão pluralista pode colocar os organismos de volta, ainda que com toda a sua recalcitrante ainda que obstinada complexidade, de volta à teoria evolutiva.

Uma vez que o programa adaptacionista não é suficiente para explicar a evolução, como Gould, Lewontin, Eldredge (e muitos outros antes e depois deles) defendem, certamente não tem sentido limitar a definição de vida apenas aquilo que, independentemente do lugar que ocupa no universo, passa por um processo natural de seleção, no sentido Darwiniano do termo.

Gould nos mostra que, para entendermos a história da vida no planeta Terra, precisamos transcender o ultra-Darwinismo (como o próprio Darwin apontava, já no século XIX). Se assim for no nosso quintal, é muito provável que também o seja no restante do cosmo.



Referências sugeridas:
Dawkins, R. 2007 [1976] O gene egoísta. Companhia das Letras, São Paulo.
Eldredge, N. 1995. Reinventing Darwin: the great debate at the High Table of Evolutionary Theory. John Wiley & Sons, New York.
Gould, S.J. 1980. Is a new and general theory of evolution emerging? Paleobiology, 6 (1), 119-130.
Gould, S.J. 1997 [1995]. Dinossauro no palheiro: reflexões sobre história natural. Companhia das Letras, São Paulo.
Gould, S.J. & Lewontin, R.C. 1979. The Spandrels of San Marco and the Panglossian paradigm: a critique of the adaptationist programme. Proceedings of the Royal Society of London B, 205, 581–598.
Lewis, J.E., DeGusta, D., Meyer, M.R., Monge, J.M., Mann, A.E. & Holloway, R.L. 2011. The Mismeasure of Science: Stephen Jay Gould versus Samuel George Morton on Skulls and Bias. PLoS Biol, 9(6): e1001071. doi:10.1371/journal.pbio.1001071.

domingo, 31 de julho de 2011

Conto: Cada um no seu galho


O conto abaixo é o primeiro de uma série de histórias que discutirão conceitos e teorias evolutivas para um público infanto-juvenil. Ele já saiu nesse blog há algum tempo mas, dado o projeto em andamento, segue a reprise...


É julho. As aulas acabaram e as crianças não conseguem conter a excitação pelos dias de descanso que as esperam.
Jean e Margô estão ainda mais contentes. Eles vão visitar seu vovô, Carlos Roberto, na fazenda. Seu primo Alfredo vai junto.
No domingo, o pai de Margô e Jean limpa o carro, checa o estepe e, com a ajuda das crianças, prepara as guloseimas para a viagem.
A fazenda do vovô não é longe, apenas meia hora de carro da cidade.
De repente, quando acabam de passar pela entrada da fazenda, surge um animal muito estranho, diferente de tudo o que aquelas crianças já tinham visto, e emparelha com o carro, voando. O bicho em tudo se parece com uma ave, mas têm dentes no bico! Alfredo, sentado junto à janela direita do veículo, fica maravilhado.
__ Vejam, esse passarinho tem dentes!
Então, de súbito, todos no carro ouvem um estampido, como uma pequena explosão.
__ Acho que o pneu do carro furou – é o pai quem fala. Eles encostam junto à estradinha de terra que leva até a casa de vovô Carlos, que já pode ser vista ao longe.
__ Lá está a casa do vovô. Faltava tão pouco...
Mas as crianças não parecem preocupadas com o pneu. Elas continuam entretidas com a estranha ave que seguiu o carro. Fora do veículo, eles tentam segurar o pássaro, que voa baixo por sobre suas cabeças.
__ Ele é lindo! – Margô.
Quando o pai fecha o capô do carro, depois de pegar o estepe, o barulho assusta o animal, que sai voando em disparada, em direção à pequena mata que se estende até os fundos da casa do vovô.
__ Não, ele vai fugir! – Alfredo, sem pestanejar, sai correndo atrás do pássaro. O mesmo faz seus primos Jean e Margô.
O pai, sem saber o que fazer, tenta impedi-los, mas as crianças já estão embrenhadas na floresta.
No meio da mata, ninguém consegue encontrar o estranho pássaro. As crianças estão próximas umas das outras, com um pouco de medo.
__ Alfredo, você sabe onde estamos?
__ Sei, acho que sim... não...
Jean, o mais velho, tenta tomar as rédeas da situação.
__ O bicho foi para lá! – ele aponta para cima quando vê o pássaro voando mata adentro.
As crianças correm atrás do bicho, passando por árvores, troncos caídos, pequenos riachos...
__ Não tô vendo nada! – Margô, meio chorosa.
__ Calma, ele não pode ir muito longe. Ou pode? – Alfredo.
__ Eu vi! Ele está indo para aquela árvore!
Na frente deles, a mata se abre em uma grande clareira.
__ Olhem, o passarinho vai pousar no galho lá no alto...
Então, na clareira aberta no meio da floresta, as crianças se deparam com algo que nunca tinham visto antes. O pássaro estranho se acomoda em um galho bem alto de uma árvore com muitos outros galhos, cheia de bichos diferentes pendurados, dormindo. É a árvore da vida!
Jean, Margô e Alfredo estão sem fôlego!
__ Que coisa fantástica! – Jean – vocês estão vendo quantos bichos diferentes estão nessa árvore?
__ Olha lá nosso passarinho! – é Alfredo – tem um outro bicho no galho do lado. Aquilo é um papagaio?
__ Não, é um tucano!
__ Tem um macaco lá perto!
__ E um monte insetos! Tem até uma aranha!
__ Margô, aranha não é inseto.
__ Tá, tá...
O encantamento das crianças é interrompido por uma voz meio preguiçosa.
__ Crianças...
__ De onde vem essa voz? – pergunta Jean.
__ Sou eu aqui embaixo – o som vem de uma coisa estranha parecida com um vaso muito colorido – eu sou Eifelia. Sou uma esponja.
__ Você fala? – Margô se aproxima da árvore e chega bem perto do animal falante.
__ Aqui eu falo.
__ Você falou que era uma esponja – pergunta Alfredo – dá pra tomar banho com você?
__ Não, comigo não, mas eu tenho uma irmã que é bem fofinha...
__ Dona Eifelia, eu nunca vi uma esponja pendurada em árvore...
De repente, uma borboleta pousa no nariz de Alfredo.
__ Vejam, uma borboleta!
__ Meu nome é Lepi. Eu moro lá em cima, junto com um monte de irmãos: as moscas, as baratas, as formigas e todos os outros insetos.
__ Minha mãe sempre diz “Eca! Que bicho nojento!” quando vê uma barata... mas você é tão bonita!
Um macaquinho deitado em um galho no alto da árvore acorda e desce para encontrar as crianças.
__ Psiu! Falem baixo vocês! Todos os bichos estão dormindo!
Ele fica de frente à Margô, a mais baixinha do grupo. Ela coloca o dedo no nariz do macaco.
__ Nossa, você parece gente! Tem olhos de gente, mãos de gente, pernas de gente...
__ Eu sei. Aquele velhinho sempre fala isso para mim...
Os olhos das crianças saltam.
__ Você conhece o vovô Carlos?
__ Claro, ele vem aqui todos os dias...
Alfredo, no entanto, continua intrigado com a árvore.
__ Seu macaco, eu ainda não entendi uma coisa.
__ Por favor, pode me chamar de Pan.
__ Seu Pan, por que esse monte de bichos está dormindo nessa árvore?
__ A árvore é nossa casa. E cada um tem um lugarzinho especial nela.
Margô pergunta:
__ Mas e os micróbios, aquelas coisinhas pequenininhas que a gente não consegue ver e que todo mundo fala que existe?
__ Eles moram numa outra árvore aqui perto.
__ E vocês dormem sempre assim, uns pertinho dos outros?
__ É. Eu fico lá em cima, perto dos cachorros, dos passarinhos, dos sapos... Nós temos muitas coisas parecidas!
Alfredo fala, enquanto tenta colocar a mão nos tentáculos de uma medusa que está lá perto.
__ Eu não faria isso se fosse você – diz Seu Pan – eles não gostam muito de ser incomodados.
Alfredo dá um passo atrás, constrangido.
__ Você disse que dorme do lado dos cachorros e dos sapos porque vocês são parecidos. É por isso que aquele caramujo tá do lado do polvo? E aquela estrela-do-mar tá do lado daquele, daquele... daquele bicho cheio de espinhos? – pergunta Jean.
__ É. Aquilo é um ouriço-do-mar.
O ambiente é, então, preenchido por chamados e gritos de adultos.
__ Crianças!
__ Jean, Margô, Alfredo!
__ Meninos!
As crianças entram em polvorosa.
__ Vovô! O vovô veio buscar a gente!
O macaco dá de ombros.
__ Eu falei que ele vinha aqui todos os dias...
Quando vovô Carlos chega, Margô corre em sua direção e pula nos seus braços. Ele é um velhinho simpático, careca e barrigudo, com uma longa barba branca.
__ Vovô, a gente viu um passarinho muito bonito e ele tinha dentes e ele tinha bico e ele...
__ Calma, Margô, assim seu avô não entende nada... – é uma outra voz.
__ Tio Vili! – Jean grita. O homem vem atrás do vovô Carlos.
__ O pai de vocês está muito preocupado – ele fala, apontando para Jean e Margô – ele foi procurar os perdidos na floresta lá do outro lado...
__ Vovô, você já viu essa árvore? – Alfredo aponta para o achado – tem um monte de bichos dormindo nela!
Vovô Carlos dá uma longa e gostosa risada.
__ Sim, minhas crianças. Eu conheço essa árvore. É a árvore da vida.
__ Mas eu não vi nenhum microbiozinho... eles não são vivos? – Margô, ainda no colo do avô.
__ São sim... esse aqui é só um pedaço da árvore da vida – tio Vili completa – nela moram todos os animais que a gente conhece.
__ Por isso ela é assim tão grande e cheia de galhos? – Jean.
Dona Eifelia, ainda sonolenta, responde para a menina:
__ Exatamente, menino. E levou um tempão para ela ficar assim.
O vovô Carlos intervém.
__ Bem, crianças, acho que é hora de ir para casa. Amanhã cedo nós podemos voltar aqui para conversar com os bichos depois deles acordarem.
__ Eu tô com fome – Alfredo.
__ Tchau, dona Eifelia! Tchau, seu macaco! Tchau, Lepi! – Margô.
Um tempo depois, já à noite, a casa do vovô está em silêncio. O velho senhor está sentado na sala, lendo à luz de uma vela.
De repente ele se levanta, segurando a vela, e caminha em direção aos quartos.
Em um deles, tio Vili e seu irmão, pai de Jean e Margô, estão dormindo. No outro, Jean, Margô e Alfredo dividem uma cama grande de casal.
Vovô Carlos vai até perto dos netos e verifica se tudo está bem.
__ Durmam bem, crianças... – ele sussurra, enquanto ajeita o cobertor.
O velhinho sai do quarto e vai até a varanda.
De repente, voando, vem um pássaro ao seu encontro.
Um pássaro muito diferente de tudo que já se viu, com dentes no bico. Ele pousa no ombro do vovô Carlos Roberto.
E o velhinho sorri.
FIM

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Sobre darwinismo universal e vida em outros planetas

Os cientistas, portanto, estão acostumados a lidar com a dúvida e a incerteza. Todo conhecimento científico é incerto. Essa experiência com a dúvida e a incerteza é importante. Eu acredito que ela é de grande valor e se estende além das ciências. Eu acredito que para se resolver qualquer problema nunca resolvido antes, você tem que deixar a porta para o desconhecido entreaberta.
Richard Feynman em The meaning of it all (1998, p. 27)

Em uma recente discussão aqui na universidade, Letícia Alabi, estudante de graduação em Biologia e pesquisadora em Astrobiologia, perguntou:
Ao contrário das estrelas, que ainda nascem o tempo todo, as galáxias estão todas na primeira e única geração e com a mesma idade. Embora tenham colidido, fundido, fragmentando-se e se metamorfoseado em novas formas e cores, nenhuma nova galáxia nasceu desde que o cosmos era bebê. Nesse sentido (...) podemos extrapolar o Darwinismo Universal [e, consequentemente a idéia de seleção natural] à formação de estrelas e galáxias?
Desde a publicação do On the origin of species by means of natural selection por Charles Darwin, em 1859, uma série de autores têm tentado aplicar aspectos da teoria da evolução para explicar outros fenômenos naturais e sociais fora do espectro biológico propriamente dito. De estrelas e galáxias, passando pela economia, sociologia, antropologia e pela física das partículas elementares, é muito fácil encontrar os termos darwinismo e evolução fora de periódicos e livros dedicados às Ciências Biológicas. Seria isso uma evidência inquestionável do Darwinismo Universal, nos termos discutidos pelo biológico evolucionista Richard Dawkins em 1983? Considerada a questão de relance, essa poderia mesmo ser uma demonstração clara da pujança e do alto poder explanatório da teoria evolutiva. No entanto, ao analisarmos sob a lupa, fica claro o abuso intrínseco a essas extrapolações.

A ideia de Darwinismo Universal não tem nada a ver com a 'evolução' de galáxias ou estrelas. A universalidade, no caso, não significa que se pode aplicar o Darwinismo para compreender qualquer processo ou sistema que mude com o tempo. Ele, na verdade, é uma resposta à conjectura "Se existe vida em outros lugares do universo, esses organismos evoluem como evoluem os seres vivos da Terra?". Para se falar em evolução, no sentido biológico (que é aquele discutido por Darwin e Dawkins), é necessário considerar a existência de reprodução e metabolismo. O que Dawkins e outros autores defendem é que, se existe vida em qualquer lugar do universo, esses organismos sofrem pressões seletivas, devendo haver mudanças na sua constituição genética (independentemente de ser DNA, RNA, PNA ou qualquer outra molécula que carregue informação de uma geração para outra). Tais variações pré-existentes são fundamentais para a possibilidade de reprodução diferencial, i.e., seleção natural.

Segundo o filósofo Carl Emmeche (apud Darling, 2001, p. 10):
É altamente concebível que toda a vida no universo evolui por um tipo de seleção Darwiniana de interatores, cujas propriedades são em parte especificadas por um estoque de informações que pode ser replicado... A própria noção de seleção natural e replicação... parece ser específica para entidades biológicas... Essa definição é simples, elegante, geral, e cristaliza nossas idéias de um mecanismo geral da criação de sistemas vivos em uma perspectiva evolutiva.
Qual o mecanismo de informação de uma estrela? Ela tem DNA, RNA, PNA...? Estrelas só "evoluem" no sentido de mudança, não no sentido biológico. Utilizar o raciocínio evolutivo a qualquer coisa equivale, em termos de confiabilidade e relevância científica, a aplicar física quântica para explicar o comportamento humano, como celebrizado no filme "Quem somos nós" (no original inglês “What the bleep do we know”, de 2004) ou nas montanhas de bobagens esotéricas dos últimos anos que pretensamente utilizar conceitos de hard science, mas que, de fato extrapolam os resultados de pesquisas científicas muito além do contexto no qual haviam sido postulados inicialmente – para uma leitura instigante sobre abusos das ciências enfatizando a filosofia pós-moderna, leia “Imposturas intelectuais”, de Alan Sokal e Jean Bricmont (2010).

Para Dawkins (1983):
A perspectiva universal me leva a ressaltar a distinção entre o que pode ser chamado ‘seleção uma única vez’ [tradução livre para one-off selection] e ‘seleção cumulativa’. A ordem no mundo não-vivo pode resultar de processos descritos como um tipo rudimentar de seleção. Os seixos à beira-mar são organizados pelas ondas, de forma que os grandes seixos acabam se dispondo em camadas separadas dos menores. Podemos considerar isso um exemplo de seleção de uma configuração estável a partir de uma maior desordem aleatória inicial. O mesmo pode ser dito dos padrões orbitais ‘harmoniosos’ dos planetas ao redor das estrelas, dos elétrons em torno dos núcleos, dos formatos dos cristais, bolhas, das gotículas e até mesmo da dimensionalidade do universo em que nos encontramos (...) Mas isso é ‘seleção uma única vez’. Ela não dá origem à evolução contínua porque não há replicação nem sucessão de gerações. Adaptação complexa requer muitas gerações de seleção cumulativa, sendo a mudança de cada geração construída a partir do que havia antes. Na ‘seleção uma única vez’, um estado estável se desenvolve e é mantido. Ele não se multiplica ou gera prole.

Na vida, a seleção que acontece em uma geração é ‘seleção uma única vez’ análoga à organização dos seixos na praia. A característica peculiar da vida é que gerações sucessivas de tal seleção desenvolvem, progressiva e cumulativamente, estruturas que são eventualmente complexas o suficiente para criar a forte ilusão de design. ‘Seleção uma única vez’ é um lugar comum da física, e não pode originar complexidade adaptativa. Seleção cumulativa é a marca registrada da biologia e é, eu acredito, a força subjacente a toda complexidade adaptativa.
No mesmo artigo, Dawkins pondera sobre o fator limitante para a vida no universo. Na opinião dele, “se uma forma de vida apresenta complexidade adaptativa, ela deve possuir um mecanismo evolutivo capaz de gerar complexidade adaptativa. Independentemente de quais sejam esses mecanismos evolutivos, se alguma generalização puder ser feita sobre a vida no universo, eu aposto que ela sempre será reconhecida como vida Darwiniana”.


Muitos podem discordar da visão de Dawkins. Sim, certamente a vida em outros planetas pode ser muito distinta do que concebemos hoje em dia. Nas palavras do físico e astrônomo David Darling (2001, p. 12), “a vida em outros lugares pode ser tão estranha que, se basearmos nossas expectativas muito rigidamente em padrões terrestres, nós talvez tenhamos problemas em reconhecê-la”. No entanto, ele continua (p.13, o grifo é dele), “A abordagem adotada pela comunidade científica é simples, direta e prática: procurar pelo tipo de vida que conhecemos, com possíveis adaptações para diferentes ambientes”. Ou seja: se podemos identificar vida em outros planetas, ela deve estar dentro dos limites que definimos como vida, certo? Se sim, podemos dizer que, dada a existência de vida alienígena (uma vez que fomos capazes de identificar um organismo extraterrestre como tal), ela evolui da mesma forma que algo na Terra. Isso não significa, porém, que coisas completamente diferentes do que consideramos a priori não possam existir. Mas, se existirem, como conseguiremos dizer que são vivos, se não se encaixam na nossa definição pré-estabelecida?

No geral, o que fazemos é extrapolar nossa Biologia para o universo. Mesmo que outras Biologias existam, por mais que estejam debaixo dos nossos narizes, provavelmente não temos (ainda) a competência para identificá-las. A não ser, obviamente, que estendamos nossos conceitos, para que sejamos capazes de desvendar formas alternativas de vida (alienígenas), talvez presentes mesmo no nosso planeta, na chamada “biosfera sombria”.

A busca por uma conexão íntima entre a origem da vida na Terra e o Cosmo pode ser o início de uma “teoria geral da Biologia, uma estrutura de conceitos que sustentaria o desenvolvimento da vida onde quer que ela exista” (Darling, 2001, p. xiii). Essa conexão cósmica “não apenas ajudaria a explicar alguns dos problemas mais agudos da nossa Biologia e a extrema velocidade com que a vida se disseminou aqui. Ela também sugeriria que outras formas de vida no universo poderiam compartilhar muito da mesma base química” (Darling, 2001, p. 50).

É claro que não podemos ser arrogantes a ponto de considerar que chegaremos de fato a responder quais são as condições para a vida em todo o universo. Ainda desconhecemos muito do nosso próprio planeta! Astrobiologia é sobre saber se podemos extrapolar as condições que reconhecimentos como essenciais para a existência de vida para o restante do universo. Precisamos aceitar a limitação de que só podemos identificar o que podemos identificar... A Astrobiologia não vai ser capaz de dizer, de forma peremptória, como aparece a vida em qualquer parte do cosmo. Vai apenas criar possibilidades, metodologias e técnicas para saber se, fora da Terra, existem formas de vida como dentro da Terra (ou pelos como concebíveis pela nossa espécie).

Mesmo a tentativa de extrapolar a nossa Biologia para o resto do universo é extraordinariamente válida e interessante. É uma questão crucial e com implicações sociais e filosóficas gigantescas. Mas temos que ter a dimensão exata da nossa ignorância e da nossa condição diminuta frente ao Cosmos. É o que o físico prêmio Nobel Richard Feynman dizia "A imaginação da natureza é muito, muito maior que a imaginação do homem. Todos que não tiverem ao menos uma idéia vaga dessa observação não poderem nem imaginar quão maravilhosa a natureza é” (Feynman, 1998, p. 10).

Essa não é uma "visão utilitarista" da ciência, como alguns podem pensar. Penso na ciência como um conjunto de ferramentas e visões de mundo que desenvolvemos para compreender a vida, o universo e tudo mais. Penso, no entanto, que é dever dos cientistas conhecer suas limitações e o escopo do seu trabalho, por mais amplo que seja, sempre buscando extrapolar sua perspectiva circunscrita para fazer avançar o conhecimento. Ainda nas palavras de Feynman (1998, p. 24), “(...) as extrapolações são as únicas coisas que tem algum valor [científico] real”.

Partir do pressuposto que vamos conseguir todas as respostas e que já temos condições de chegar a elas me parece uma grande presunção (esse foi o erro da Física do final do século XIX, pouco antes do aparecimento da teoria da relatividade e da física quântica). Para o paleontólogo e evolucionista Stephen Jay Gould (1987, p. 19):
É importante que nós, cientistas atuantes, combatamos esses mitos da nossa profissão que a colocam como algo superior e à parte. (...) a longo prazo, a ciência só poderá vir a ser prejudicada por sua autoproclamada distinção como um sacerdócio capaz de preservar um rito sagrado conhecido como o método científico. A ciência é acessível a todos os seres pensantes porque aplica os instrumentos universais do intelecto aquilo que é o seu material distintivo. Entender a ciência - e nem seria preciso repetir a litania - torna-se cada vez mais crucial num mundo de biotecnologia, computadores e bombas.
Conviver com as incertezas, nunca perder o “senso de maravilhamento” perante o universo e observar (mas nem tanto) o rigor da formalização são premissas da ciência válidas para qualquer um que queira compreender a natureza e suas idiossincrasias.

Referências sugeridas:
Darling, D. (2001) Life everywhere: the maverick science of Astrobiology. Basic Books, New York.
Feynman, R.P. (1998) The meaning of it all: thoughts of a citizen scientist. Helix Books, Massachusetts.
Dawkins, R. (1983) Universal Darwinism. Em: Bendall, D.S. (ed.) Evolution from molecules to man. Cambridge University Press, 403–425.
Gould, S.J. (1981) [1987] Seta do tempo, ciclo do tempo: mito e metáfora na descoberta do tempo geológico. Companhia das Letras, São Paulo.
Sokal, A. & Bricmont, J. (2010) Imposturas intelectuais: o abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos. Editora Record, São Paulo.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Um gênio matemático fala sobre o ensino

Em 1831, então com 20 anos, o matemático francês Évariste Galois, publicou um artigo no Gazzete des écoles intitulado "Sobre o ensino de ciências, os professores, os trabalhos, os examinadores". Galois, que morreria precocemente aos 21 anos, foi um dos pioneiros na teoria de grupos, fundamental para a compreensão do conceito de simetria.

O texto de Galois, segundo Mario Livio (2008, p. 152), foi "um manifesto impressionante exigindo uma reforma completa no ensino das ciências". Livio seleciona dois trechos do artigo, que reproduzo aqui (apesar de falarem da realidade da França do século XIX, são absolutamente atuais. Os grifos são meus):
Até quando os pobres jovens serão obrigados a ouvir ou a repetir o dia inteiro? Quando lhes será concedido algum tempo para refletir sobre esse acúmulo de conhecimento, para ser capaz de coordenar essa infinidade de proposições, nestes cálculos sem relação? (...) Os alunos estão menos interessados em aprender e mais interessados em passar nos exames.

Por que os examinadores não propõem aos candidatos perguntas formuladas de uma outra maneira que não ludibriosa? Parece que eles temem ser compreendidos por aqueles a quem estão interrogando: qual é a origem desse deplorável hábito de complicar as perguntas com dificuldades artificiais?
Esses fragmentos vão ao encontro de alguns dos resultados apresentados em um artigo recente, publicado na revista Science (Deslauriers et al., 2011), que mostra como aulas baseadas em atividades e resolução de problemas, i.e., em um comportamento ativo do aluno, são mais eficientes que aulas tradicionais, nas quais apenas o professor fala.

Sobre a obra de Mário Livio, ela faz uma síntese do pensamento matemático e político de Galois e também discute interessantes aspectos do papel das simetrias nas ciências naturais. São pouco mais de 300 páginas ágeis e escritas em uma linguagem atraente, a despeito da presumida aspereza do tema.

Referências:
Deslauriers, L., Schelew, E. & Wieman, C. 2011. Improved learning in a large-enrollment physics class. Science 332, 862-864. DOI: 10.1126/science.1201783.
Livio, Mário. 2008. A equação que ninguém conseguia resolver: como um gênio da matemática descobriu a linguagem da simetria. Editora Record, Rio de Janeiro.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Escolas acabam com a criatividade



Sir Ken Robinson é um autor britânico, conselheiro internacional em educação. Sua palestra na conferência TED (Technology Entertainment and Design), em 2006, nos faz pensar como o nosso sistema educacional é um poderoso instrumento para acabar com a criatividade das crianças...
A palestra pode ser assistida no endereço abaixo (com legendas em português):
http://www.ted.com/talks/lang/por_br/ken_robinson_says_schools_kill_creativity.html

terça-feira, 26 de abril de 2011

Não se ensina ciência no Brasil!

Ainda Feynman e o ensino...


A notícia veiculada recentemente sobre a posição do Brasil no ranking da educação feito pela Unesco (88º em 127 países analisados!) vai ao encontro do cenário apresentado pelo físico ganhador do Nobel Richard P. Feynman quando da sua passagem por aqui, na década de 1950. Os trechos são do Surely you’re joking, Mr Feynman! (1985), traduzido para o português como Deve ser brincadeira, Sr. Feynman! e lançado em 2000 pela Editora da Universidade de Brasília. As ênfases são minhas.


“Depois de muita investigação, finalmente descobri que os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o que queria dizer”.
p. 238

“Então, você vê, eles podiam passar nas provas, ‘aprender’ essa coisa toda e não saber nada, exceto o que eles tinham decorado”.
p. 239

“Uma outra coisa que nunca consegui que eles fizessem foi perguntas. Por fim, um estudante explicou-me: ‘Se eu fizer uma pergunta para o senhor durante a palestra, depois todo mundo vai ficar me dizendo: Por que você está fazendo a gente perder tempo na aula? Nós estamos tentando aprender alguma coisa, e você o está interrompendo, fazendo perguntas’.
Era como um processo de tirar vantagens, no qual ninguém sabe o que está acontecendo e colocam os outros para baixo como se eles realmente soubessem. Eles todos fingem que sabem e se um estudante faz uma pergunta, admitindo por um momento que as coisas estão confusas, os outros adotam uma atitude de superioridade, agindo como se nada fosse confuso, dizendo aquele estudante que ele está desperdiçando o tempo dos outros.
Expliquei a utilidade de se trabalhar em grupo para discutir as dúvidas, analisá-las, mas eles também não faziam isso porque estariam deixando cair a máscara se tivessem de perguntar alguma coisa a outra pessoa. Era uma pena! Eles, pessoas inteligentes, faziam todo o trabalho, mas adotaram essa estranha forma de pensar, essa forma esquisita de autopropagar a ‘educação’, que é inútil, definitivamente inútil!”.
p. 240-241

“Daí eu disse: ‘O principal propósito da minha apresentação é provar aos senhores que não se está ensinando ciência alguma no Brasil’”.
p. 242

“Por fim, eu disse que não conseguia entender como alguém podia ser educado neste sistema de auto-propagação, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada”.
p. 244

“O outro estudante que havia se saído bem em sala de aula tinha algo semelhante a dizer. O professor que eu havia mencionado levantou-se e disse: ‘Estudei aqui no Brasil durante a guerra quando, felizmente, todos os professores haviam abandonado a universidade: então aprendi tudo lendo sozinho. Dessa forma, na verdade, não estudei no sistema brasileiro’.
Eu não esperava aquilo. Eu sabia que o sistema era ruim, mas 100 por cento – era terrível!”.
p. 244



O ensaio 'O americano, outra vez', do qual forem extraídos esses trechos, deveria ser leitura obrigatória tanto para docentes quanto para alunos de ciências de qualquer escola brasileira.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Richard Feynman e suas aulas

Do Epílogo de The Feynman Lectures on Physics (1964):

Finally, may I add that the main purpose of my teaching has not been to prepare you for some examination - it was not even to prepare you to serve industry or the military. I wanted most to give you some appreciation of the wonderful world and the physicist's way of looking at it, which, I believe, is a major part of the true culture of modern times. (There are probably professors of other subjects who would object, but I believe that they are completely wrong).
Perhaps you will not only have some appreciation of this culture; it is even possible that you may want to join in the greatest adventure that the human mind has ever begun.
Em tradução livre:

Finalmente, posso acrescentar que o propósito principal das minhas aulas não foi prepará-los para alguma prova - nem de prepará-los para servir à indústria ou aos militares. O que eu mais queria era lhes dar um vislumbre do mundo maravilhoso e de como um físico olha para ele, que, eu acredito, é uma parte importante da verdadeira cultura dos tempos modernos. (Provavelmente existem professores de outras matérias que objetariam, mas acredito que eles estejam completamente errados).
Talvez vocês não apenas tenham um vislumbre dessa cultura; é até mesmo possível que queiram se juntar à maior aventura que a mente humana jamais começou.
Você certamente não estava brincando, Sr. Feynman!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Somos todos ateus

Pensem sobre as coisas perversas que são decretadas pela religião. A mutilação dos genitais de crianças, por exemplo. Quem faria isso, se não fosse, visivelmente, uma promessa selada com Deus? Quem iria dizer, ao receber um recém-nascido, ‘Parece perfeito, mas precisa ser mutilado na genitália antes de ficar realmente ok’? Somente a religião levaria as pessoas a fazer algo tão horrível, tão insano.
Christopher Hitchens, “Deus não é grande” (2007)

A realidade é aquilo que, quando você para de acreditar, não desaparece.
Philip K. Dick em “How To Build A Universe That Doesn't Fall Apart Two Days Later” (1978)


É concebível um cientista natural, como um biólogo, acreditar
em Deus? Na minha opinião, sim, é concebível. Nem todos concordam, mas acredito que um biólogo pode acreditar em poderes divinos, assim como também tem o direito de torcer por qualquer time em qualquer campeonato de futebol (tenho um amigo zoólogo que torce por uma equipe diferente em cada estado em que já morou – e foram muitos! –, sempre com a mesma paixão) ou de preferir jazz ao rock. No entanto, cientistas naturais que escolhem o caminho ambíguo da fé no sobrenatural precisam estar cientes das contradições que essa escolha pode acarretar.

Será mesmo que, como disse o escritor francês Gustave Flaubert (apud Hitchens, 2011), o homem só mantém sua sanidade dadas as suas contradições?

O saudoso paleontólogo e evolucionista Stephen Jay Gould, em 1999, advogou arduamente em prol da existência do que ele chamou de magistérios não-interferentes (do inglês Non-Overlapping Magisteria), que seriam dois – a ciência e a religião –, ambos formas válidas do conhecimento humano, cada qual com seu próprio sistema de valores, objetivos e visões de mundo, os quais, se respeitadas as idiossincrasias de cada um dos lados, não deveriam se sobrepor e, conseqüentemente, não entrariam em conflito (pelo menos não em um querela aberta). Por tentar conciliar duas perspectivas um tanto distintas, o pensamento de Gould por vezes cai em um relativismo, senão covarde, no mínimo ingênuo (para o jornalista Juan Luis Cebrián em “O pianista no bordel”: “nada é verdade nem mentira, tudo depende do vidro através do qual se olha”. A frase, dita em um debate sobre a mídia impressa, parece-me retratar de forma mais ou menos fidedigna uma concepção corrente nas ciências humanas e também em certas áreas das ciências naturais. Esse tipo de ponto-de-vista vai contra todo o empreendimento científico humano, desde sua aurora em tempos não registrados pela história). Tratei de forma abreviada sobre o assunto no ensaio “Deuses e novos sacerdotes”.

Há 150 anos a teoria da evolução de Darwin-Wallace vem questionando a religião, com especial ênfase no monoteísmo cristão baseado em um Deus interventor, através da defesa inabalável da irrelevância de aspectos não-materiais para a explicação da realidade observada no mundo natural. Em suma: deuses não são necessários para explicar como os organismos evoluem no tempo e no espaço. Para o filósofo evolucionista Michael Ruse, “[a teoria da evolução] fornece um estímulo positivo e criativo para que um religioso pense sobre sua fé e avance para um caminho mais rico e profundo” (Ruse, 2006, p. 4). Se a fundamentação das ciências biológicas é a teoria da evolução, e se ela defende explicitamente a não-necessidade de qualquer intervenção sobrenatural no processo evolutivo de descendência com modificação, apelar para o divino é ser contrário ao evolucionismo (ou, no mínimo, contraditório em relação ao que apresenta a teoria evolutiva).

“Graças a Deus meu filho nasceu perfeito e com saúde!” – quem nunca ouviu essa frase? Se você considera o mundo natural como resultado da evolução que ocorre desde os primórdios da vida, sabe que isso não faz o menor sentido: as recombinações cromossômicas e as mutações do DNA não dependem de nenhum “dedo” super-poderoso vivendo no céu inatingível! Deus não controla a embriogênese, o processo através do qual o embrião é formado e se desenvolve. E se o nosso filho apresentasse alguma má formação (pequena ou grande, não importa), alguém diria “Graças a Deus meu filho nasceu com essa má formação!”? Acho improvável.

Se lembrarmos das várias tragédias recentes no Rio de Janeiro, esse tipo de raciocínio é repetido ad nauseam. “Deus me ajudou e sobrevivi às enchentes”. E aqueles que morreram, foram esquecidos? Pode-se argumentar que a hora daqueles que pereceram havia chegado. Bem, se o momento da morte estava pré-definido, Deus não ajudou ninguém, não é mesmo? “Se Ele quiser, vou reconstruir minha vida”. Não se pode racionalizar a respeito da fé mas, se o supremo criador é onipotente e onipresente, é de extraordinária crueldade e infinito sarcasmo permitir desgraças como as do começo desse ano (como não sentir enojado com um pai que causa o terror extremo em seus filhos sabendo que eles vão se curvar em devoção e agradecer por terem sido poupados “do pior”?).

Exemplos, dos mais cretinos aos mais complexos, da nossa falta de raciocínio lógico estão em todos os lugares. Se você está com dor de cabeça, vai tomar um analgésico ou rezar um pai nosso? Talvez alguns fundamentalistas bíblicos como os Testemunhas de Jeová, que não aceitam transfusões de sangue mesmo que tenham necessidade imediata dela para sua sobrevivência, já que Bíblia declara “abstende-vos de sangue" (Actos 15:29), possam compactuar dessa insanidade. Mas quem, de posse de suas faculdades mentais completas, defenderia orações em detrimento à medicina tradicional?

A despeito das predileções de cada um, livros como “Quebrando o encanto” (edição original de 2006), do filósofo evolucionista Daniel Dennett, “Deus, um delírio” (2006), do biólogo Richard Dawkins, “Deus não é grande” (2007), do jornalista Christopher Hitchens, “Por que não sou cristão” (1957), do laureado com o Nobel de Literatura Bertrand Russell e mesmo “Pilares do tempo” (1999), do supracitado S.J. Gould, são todos eles sugestões de leitura preciosas trazendo visões pessoais (não apenas centradas nas ciências naturais) das incongruências entre o pensamento científico e o religioso. Poucas centenas de anos atrás, apenas respirar perto desses livros seria motivo suficiente para uma condenação ao suplício dos tribunais da “Santa” Inquisição...

Ian McEwan, um dos maiores romancistas britânicos vivos, disse em uma entrevista para a revista Believer em 2005: “Não sou contra a religião no sentido de que me parece impossível tolerá-la, mas acho que a evidência de sua verdade está inscrita nas suas normas. E como existem, atualmente, seis mil religiões na face da Terra, todas não podem estar certas”. Sim, seis mil religiões! Talvez o número seja ainda maior. Se há tantas crenças, a maioria absoluta (senão todas) tem que estar erradas. Pensem: somos todos ateus! Você acredita em Shiva, o Destruidor, Brama, o Criador, ou Vishnu, o Preservador? Caso não seja crente no hinduísmo, muito provavelmente não. Portanto, você é um ateu, diria Dawkins. Por que um deus monoteísta é melhor do que muitos deuses? Estando no Ocidente, é fácil pensar dessa maneira. “Mas o meu deus é o real, o meu deus é o verdadeiro criador dos céus e da terra”. Não consigo perceber a diferença entre esse discurso e aquele que ouvimos em um jogo de futebol: “Meu time é melhor que o seu”...

A ciência não é livre de críticas, claro. Virou clichê falar do seu potencial destruidor – vide as intermináveis discussões acerca do aquecimento do planeta nos últimos anos, resultado do desenvolvimento tecnológico explosivo, e das flutuações nos mercados clandestinos de armas nucleares. Realmente, o homem criou instrumentos capazes de aniquilar praticamente toda a vida macroscópica da Terra algumas centenas de vezes. Mas, se pensarmos com cuidado, veremos que a capacidade de provocar o mal é do homem, a despeito da sua atividade ou crença! Diz-se que o mundo está a cada dia pior. Basta consultar a história para perceber que a idéia não procede. “As pessoas são mais cruéis, os assassinatos aumentam, ninguém mais se respeita no planeta”. Mais uma vez, a história desmente: até o final do século XIX havia escravidão nas Américas (havia respeito?)! Os reis absolutistas tinham poder de deuses (curiosamente, nunca faziam milagres como multiplicar pães ou fazer chover em áreas secas) e não toleravam qualquer dissidência, assassinando até mesmo conselheiros próximos em momentos oportunos. A expectativa de vida na Antiguidade era menor que 50 anos – a assepsia, as vacinas, os antibióticos e o desenvolvimento da medicina não foram óbvias melhorias para os cidadãos de todo o planeta que têm acesso a elas? O discurso apocalíptico risível e carregado de estupidez que estamos ouvindo – e que vai entulhar de lixo a televisão, a internet, os jornais e as livrarias de forma ainda mais acintosa neste e no próximo ano –, que estabelece como final dos tempos o mês de dezembro de 2012, baseia-se em uma série de correlações tão espúrias que mereceriam pouca atenção se não fossem levadas a sério por um montante tão expressivo de pessoas. Para estes, o passado foi indiscutivelmente mais justo e luminoso, enquanto o futuro reserva apenas trevas e dor para nossa espécie.

A nostalgia do que não foi vivido não passa de fuga da realidade presente, claro. As sociedades humanas fazem guerras desde seu surgimento – existem grupos de chimpanzés que lutam uns com os outros, matando de maneira impiedosa seus adversários para expandir seu território, o que mostra como esse tipo de comportamento remonta há milhões de anos, tendo aparecido talvez antes mesmo do ancestral comum entre chimpanzés e hominídeos –, independentemente de possuírem armas de destruição maciça ou tacapes feitos com pedra lascada. As motivações são muitas (inclusive, e notadamente, religiosas) e não vão cessar na “era de Aquário”, pelo menos não por conta de rezas, orações, sacrifícios aos deuses ou perseguições aos “não-crentes”.

Um alívio: se a lógica econômica/social/política do século XXI continuará tendo por base o capitalismo, há pouco motivo para pânico, já que a inscrição “In God We Trust” está estampada em toda nota de dólar americano. “Em Deus confiamos”. Mas em qual deus?


Literatura recomendada
  • Bowler, P. 2003. Evolution: the history of an idea. University of California Press.
  • Darwin, C. 1859. On the origin of species by means of natural selection or the preservation of favored races in the struggle for life. Editora Murray.
  • Dawkins, R. 2006. Deus, um delírio. Companhia das Letras.
  • Dennett, D. 2006. Quebrando o encanto: a religião como fenômeno natural. Editora Globo.
  • Gould, S.J. 1999. Pilares do tempo. Ciência e religião na plenitude da vida. Editora Rocco.
  • Hitchens, C. 2007. Deus não é grande. Como a religião envenena tudo. Ediouro.
  • Hitchens, C. 2011. Hitch-22. A história de um dos intelectuais mais admirados e controversos do nosso tempo. Editora Nova Fronteira.
  • Ruse, Michael. 2006. Darwinism and its discontents. Cambridge University Press.
  • Russell, B. 2008 [1957] Por que não sou um cristão. Editora L&PM.
  • Sagan, C. 2006. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. Companhia das Letras.