domingo, 25 de novembro de 2012

A perigosa ideia de Darwin - parte 1



A natureza mostra-nos apenas a cauda do leão. Mas eu não tenho dúvida de que o leão lá está, mesmo que ele não possa se revelar por inteiro de uma vez. Nós o vemos apenas da maneira como um piolho que mora nele o veria
Albert Einstein (1914)
Na última semana, uma das minhas alunas finalmente entregou seu trabalho de conclusão de curso (que é um dos requisitos para obtenção do título de bacharel em Ciências Biológicas na universidade em que leciono). O trabalho traz uma análise histórica sobre a seleção natural e seu papel na teoria evolutiva, desde Charles Darwin (1809-1882) e Alfred R. Wallace (1823-1913) até a contemporaneidade, detendo-se nas discussões contemporâneas cada vez mais acirradas sobre alguns dos argumentos fundamentais da teoria evolutiva.

É certo que a teoria da evolução não surge com Darwin e Wallace em meados do século XIX. Ideias sobre o transformacionismo no mundo orgânico já apareciam na literatura ao menos desde o século anterior, com autores como Pierre Louis Maupertuis (1698-1759), Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon (1707-1788) e Jean Baptiste de Lamarck (1744-1829).

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Representando a evolução: a árvore da vida

Como é de conhecimento comum, a mais tradicional representação da teoria da evolução é uma fila indiana de hominídeos, liderada pelo Homo sapiens, tendo como maior retardatário um animal bípede de feições simiescas, o Australopithecus, ou mesmo um pequeno chimpanzé. Qualquer um já se deparou com tal ilustração, seja em peças publicitárias, charges humorísticas, outdoors, camisetas, obras religiosas que pretendem discutir conceitos científicos, e mesmo em livros e revistas de divulgação científica. Para a cultura pop, essa figura, chamada de iconografia canônica por Stephen Jay Gould no seu livro “Vida Maravilhosa”, é sinônimo de evolução darwiniana, e é igualmente equalizada à ideia de progresso. Apesar de onipresente, a iconografia carrega incorreções e ranços que empobrecem a concepção popular sobre as ciências da vida no geral, e sobre a teoria da evolução em particular.

Na interpretação corrente da iconografia da evolução, o primeiro indivíduo de uma série é tido como o mais primitivo, a partir do qual surge outro, "mais evoluído”, em um contínuo linear de transformações e substituições que culminaria no homem como ápice do processo evolutivo (algo como a obra prima da natureza).

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Grupos monofiléticos, Bombons Paraenses e as belezas do Norte

Manaus é quente, muito quente. As temperaturas chegam sem alarde aos trinta e oito, trinta e nove graus, e a sensação térmica ainda é aumentada pela umidade superior a 90% em boa parte do ano. Entretanto, o que torna a capital amazonense um quase literal caldeirão é menos o seu clima e mais a notável diversidade humana que lá encontramos.

Estive na cidade nas duas últimas semanas de agosto, ministrando um curso de Sistemática Filogenética para a pós-graduação em Entomologia no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Um dos centros de excelência em pesquisa brasileiro, o INPA reúne professores e alunos de todas as regiões do país. Na minha sala de aula havia desde um mineiro de Pratápolis (!) a uma gaúcha obrigada a traduzir descrições em alemão arcaico de espécies de louva-deus, passando por um paraense ex-vocalista de uma banda cover do Kiss (!) e uma capixaba especialista em insetos aquáticos que descobriu seu talento como coiffeur picotando o cabelo dos colegas pós-graduandos que queriam economizar no cabeleireiro. Em entomologia, todos os caminhos parecem mesmo levar à Manaus...

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Argumentos falaciosos que camuflam os OGMs

É sempre um prazer compartilhar realizações com quem respeitamos e admiramos pelo seu caráter e importância. Fernando Zucoloto é professor titular no Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP), especialista em comportamento alimentar, um dos criadores do Centro Estudantil da Biologia da USP/RP e organizador da primeira Semana de Bio Estudos (que já está na edição 40!) dessa instituição. Foi dos meus professores mais marcantes. Ouvi dele pela primeira vez a Darwiniana frase “evolução não é sobrevivência do mais forte, é descendência com modificação” e também “foi o homem quem fez a religião, não foi a religião que fez o homem” (essa de Karl Marx).

Na edição de julho da Scientific American Brasil (número 122) foi publicado um artigo de minha autoria em colaboração com o prof. Zucoloto discutindo como algumas considerações superficiais sobre organismos geneticamente modificados podem ocultar muitas das suas ameaças potenciais. O texto na íntegra pode ser lido abaixo.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Breves resenhas: Fogo na mente, de George Johnson (1997)

No meu segundo ano de graduação em Ciências Biológicas, um professor convidado a dar uma das aulas na disciplina Biofísica I nos brindou com uma bela (apesar de breve) explanação sobre teoria do caos e sua importância para a compreensão da realidade física. O tema me fascinava desde os tempos em que lia Super-Interessante - sim, essa revista já foi relevante para a divulgação científica brasileira! Falava muitas vezes sobre teoria da relatividade, física quântica, biologia, computação, publicava longas resenhas de livros como "Vida Maravilhosa", de Stephen Jay Gould, e até mesmo abria espaço para contos baseados em conceitos científicos, como o extraordinário "The last question", de Isaac Asimov.

Ao final da aula, o professor nos indicou a leitura de "Fogo na mente". Lembro-me que não nos passou o nome do autor ou qualquer informação adicional sobre o livro. Consegui uma cópia dele há alguns anos mas só o enfrentei em 2012. Boa leitura, a despeito de alguns trechos enfadonhos sobre a história do Novo México e adjacências (mas que fazem sentido no contexto da obra). O autor procura discutir, sob diferentes ângulos, o problema da ordem no universo, incluindo aí a origem da vida e da complexidade dos sistemas vivos. Selecionei alguns trechos a meu ver particularmente interessantes:

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O que Dawkins não sabia: em busca de uma Teoria Estendida da Evolução

O biólogo britânico Richard Dawkins é reverenciado mundialmente como um dos grandes pensadores contemporâneos da teoria da evolução. Ele, junto com o finado paleontólogo norte-americano Stephen Jay Gould (1942-2002), provavelmente está entre os autores mais lembrados pela opinião pública quando se fala sobre o maior espetáculo da Terra, a evolução das espécies. Para muitos, as palavras de Dawkins a esse respeito constituem o estado da arte da teoria evolutiva. A idéia desenvolvida por ele no seu “The Selfish Gene” (“O gene egoísta”), originalmente publicado em 1976, ainda funciona como principal referência para a discussão sobre os níveis de seleção e o genecentrismo do processo evolutivo.

No entanto, como se descobre ao se estudar os desenvolvimentos das ciências biológicas nas últimas décadas, o escopo da obra de Dawkins talvez apenas arranhe a complexidade inerente da evolução orgânica e de seus processos multi-facetados. O título dessa postagem foi uma provocação do aluno de Graduação em Biologia da UFABC, Vinícius Parajara, um dos participantes do projeto "Leituras no Laboratório de Sistemática e Diversidade (LSD)", em que reservamos algumas horas semanais para trocar idéias e aprender um pouco mais a respeito de padrões e processos do mundo biológico. Muito do que Dawkins não mostra em seus livros é tema da assim chamada Teoria Estendida da Evolução.



domingo, 18 de março de 2012

Breves resenhas: Caim, de José Saramago (2009)



O escritor português, prêmio Nobel de Literatura em 1998, faz uma versão literária de "Deus, um delírio", de Richard Dawkins. Caim - o irmão de Abel, do mito bíblico do Gênesis - é o personagem principal, transformado por Saramago em um Marty McFly do Velho Testamento, condenado a vagar eternamente pelo espaço e pelo tempo com uma marca na testa e munido apenas de um "Delorean" bem mais modesto (um jumento de pernas fortes).

É um romance breve, que pode ser lido como um exercício de lógica aplicada às fantasias absurdas e incongruentes da Bíblia. Saramago, no seu estilo tradicional com poucos parágrafos e nenhuma separação entre diálogo e ação, aproxima-se da oralidade espontânea em passagens bem-humoradas e absolutamente "heréticas" que podem ser lidas como um discurso anti-conformismo e anti-sectarismos cegos:
O leitor leu bem, o senhor ordenou a abraão que lhe sacrificasse o próprio filho, com a maior simplicidade o fez, como quem pede um copo de água quando tem sede, o que significa que era costume seu, e muito arraigado. O lógico, o natural, o simplesmente humano seria que abraão tivesse mandado o senhor à merda, mas não foi assim. Na manhã seguinte, o desnaturado pai levantou-se cedo para pôr os arreios no burro, preparou a lenha para o fogo do sacrifício e pôs-se a caminho para o lugar que o senhor lhe indicara, levando consigo dois criados e o seu filho isca. No terceiro dia de viagem, abraão viu ao longe o lugar referido. Disse então aos criados, Fiquem aqui com o burro que eu vou até lá adiante com o menino, para adorarmos o senhor e depois voltamos para junto de vocês. Quer dizer, além de tão filho da puta como o senhor, abraão era um refinado mentiroso, pronto a enganar qualquer um com a sua língua bífida, que, neste caso, segundo o dicionário privado do narrador desta história, significa traiçoeira, pérfida, aleivosa, desleal e outras lindezas semelhantes (p. 79)
Os desígnios de deus são inescrutáveis, nem nós, anjos, podemos penetrar no seu pensamento, Estou cansado da lengalenga de que os desígnios do senhor são inescrutáveis, respondeu caim, deus deveria ser transparente e límpido como cristal em lugar dessa contínua assombração, deste constante medo, enfim, deus não nos ama, Foi ele quem te deu a vida, A vida deram-ma meu pai e minha mãe, juntaram carne à carne e eu nasci, não consta que deus estivesse presente no acto, Deus está em todo lado, Sobretudo quando manda matar, uma só criança das que morreram feitas tições em sodoma bastaria para o condenar sem remissão, mas a justiça, para deus, é uma palavra vã (...) (p. 135).
Então caim disse, Com estas dimensões e a carga que irá levar dentro, a arca [de Noé] não poderá flutuar, quando o vale começar a ser inundado não haverá impulso de água capaz de a levantar do chão, o resultado será afogarem-se todos os que lá estiverem e a esperada salvação transformar-se-á em ratoeira, Os meus cálculos não dizem isso, emendou o senhor, Os teus cálculos estão errados, um barco deve ser construído junto à água, não num vale rodeado de montanhas, a uma distância enorme do mar, quando está terminado empurra-se para a água e é o próprio mar, ou o rio, se for esse o caso, que se encarregam de o levantar, talvez não saibas que os barcos flutuam porque todo o corpo submergido num fluido experimenta um impulso vertical e para cima igual ao peso do volume do fluido desalojado (...) (p. 152).
Referência:
Saramago, José. 2009. Caim. Editora Companhia das Letras, São Paulo, 172 páginas.

Crédito da fotografia:
Euler Paixão. José Saramago no lançamento mundial do romance A viagem do Elefante no SESC Pinheiros. São Paulo SP, 27/11/08.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Breves resenhas: Antologia 2, de Isaac Asimov

A primeira vez em que me deparei com o nome Isaac Asimov foi nos idos de 1990, quando estreou no Brasil a finada revista Isaac Asimov Magazine. Era um pulp fiction publicado pela Editora Record que trazia histórias de ficção-científica escritas pelo "bom Doutor" e por outros autores internacionais (depois de alguns números, também de autores nacionais). Como à época crianças de 10 anos não tinham absolutamente nenhuma renda (nada de mesada lá em casa!), menti para os meus pais dizendo que precisava desesperadamente comprar aquela revista "de ciências" para a escola. Vendendo gibis para alguns colegas, consegui comprar os números 2 e 3 da revista. Os outros 22 (ela foi até a edição 25), só obtive quase 20 anos depois, em sebos.

Sempre fui um grande admirador de Asimov. Ele foi doutor em Bioquímica, divulgador da ciência e escritor de ficção-científica premiado que se vangloriava por ter um apetite infindável por conhecimento, o que se refletiu em sua vastíssima bibliografia, com mais de 400 títulos lançados em vida. Uma vez, quando perguntado o que faria se um médico o diagnosticasse com uma doença que o deixaria apenas pouco tempo de vida, ele respondeu "Datilografaria mais rápido!".

Seus romances não são alta literatura - ele mesmo se dizia um "escritor de idéias", pouco se importando com o que a maioria chamaria de qualidade literária. Seus ensaios científicos às vezes parecem simples, quando não simplórios. No entanto, ler a obra de Asimov é constantemente renovar a esperança no poder da ciência e do desenvolvimento humano.

Nesse Antologia 2, uma coletânea de 16 artigos escritos entre 1974 e 1989, há uma pequena amostra do amor de Asimov pelo conhecimento científico. A coletânea traz alguns textos um pouco datados, na temática e no estilo (especialmente se considerarmos a facilidade com que conseguimos informações técnicas na internet), mas outros, mais opinativos, são profundamente humanos e até mesmo emocionantes. Além disso, é difícil ficar impassível perante um sujeito que idolatra seu trabalho a ponto de dizer coisas como "Chegará o dia em que será escrito o últimos deles [seus ensaios], e não faço idéia de qual será o seu número. Quando esse dia chegar e eu me despedir da vida, suponho que poucas coisas hei de lamentar tanto quanto a impossibilidade de escrever estes ensaios eternamente" (p. 217).

Alguns trechos:
A existência da evolução é um fato quase tão patente quanto pode ser qualquer fenômeno não trivial. Em muitos aspectos, os detalhes exatos do mecanismo pelo qual a evolução se processo só foram explicados do ponto de vista teórico. O mecanismo, contudo, não é o aspecto fundamental. Da mesma forma, muito poucas pessoas compreendem realmente o mecanismo que move um automóvel, mas isso não leva ninguém a argumentar que o próprio automóvel não existe. (p. 7)
Não creio que os fundamentalistas sintam que qualquer coisa que eu escreva possa abalar sua fé na verdade literal do mito bíblico da criação. Eles estão certos de que são firmes como o aço, inatingíveis e imbatíveis em sua convicção, leais às suas crenças, inabaláveis pelas tempestades.
Mas o que os leva a imaginar que eu seja diferente? Alguns chegam a me enviar pequenos folhetos, panfletos e homilias, seguros de que algumas frases primárias podem me fazer abandonar três séculos de meticulosas descobertas científicas racionais, sem mais nem menos. Será que eles imaginam deter o monopólio da firmeza e da convicção? (p. 14)
Com grande freqüência os líderes espirituais cerraram fileiras no sentido de apoiar o escravismo, direta ou indiretamente. Não eram poucos os que justificavam o seqüestro forçado dos negros africanos para a escravidão americana, dizendo que estes, dessa forma, eram convertidos ao cristianismo e que a salvação de suas almas compensava amplamente a escravidão de seus corpos.
E quem é o maior beneficiário de uma religião que se propõe a suprir as necessidades espirituais de escravos e servos, assegurando a estes que sua condição terrena representa a vontade de Deus e prometendo-lhes uma vida de eterna bem-aventurança após a morte, contanto que não cometam o pecado de se rebelar contra essa vontade? Será o escravo, cuja vida poderá tornar-se mais suportável pela contemplação dos Céus? Ou será o senhor de escravos, que poderá ficar menos preocupado em mitigar o pesado fardo dos oprimidos e despreocupado quanto a uma possível revolta. (p. 23-24).
A grande massa da humanidade se terá tornado mais ética, virtuosa, decente e bondosa graças à existência da religião, ou será o estado em que se encontra a humanidade mais um testemunho do fracasso de milhões de anos de mero palavreado sobre a bondade e a virtude? Existirá indicação de que um grupo, adepto de uma religião qualquer, seja mais moral, mais virtuoso ou mais decente que outros grupos, adeptos de outras religiões o de nenhuma delas, no presente ou no passado? Nunca ouvi falar de alguma indicação nesse sentido. A ciência teria desaparecido há muito tempo se não pudesse apresentar conquistas melhores que a religião. O rei está nu, mas o temor supersticioso parece impedir que o fato seja denunciado. (p. 38)
A ciência em si, em sentido abstrato, é um instrumento autocorretivo e direcionado para a verdade. Pode haver enganos e concepções equivocadas, em razão de dados incompletos ou errôneos; no entanto, o movimento vai sempre do menos verdadeiro para o mais verdadeiro. (…) Os cientistas, todavia, não são a ciência. Por mais gloriosa, nobre e sobrenaturalmente incorruptível que ela seja, infelizmente os cientistas são humanos. (p. 67)
O que dizer, porém, de uma variação "inteligencial" totalmente diversa de tudo que se possa observar em qualquer ser humano? Seríamos capazes de apenas reconhecê-la como inteligência, por mais que a estudássemos? (p. 140)
O problema talvez se resumo, parcialmente, a uma questão semântica. Insistimos em definir o "raciocínio" de tal maneira que chegamos a conclusão automática de que somente os seres humanos raciocinam. (…) Suponhamos que se defina o "raciocínio" como a modalidade de ação capaz de levar determinada espécie a tomar as medidas específicas que melhor garantam sua própria sobrevivência. Por essa definição, todas as espécies raciocinam a partir de um mesmo feitio. O raciocínio humano se tornaria tão-somente uma variante, e não necessariamente melhor que as outras.
Se considerarmos que a espécie humana, com toda a sua capacidade de antever e de ter a exata noção do que está fazendo e do que pode acontecer, conta, não obstante, com uma enorme possibilidade de se autodestruir em um holocausto nuclear - a única conclusão lógica a que podemos chegar, na minha opinião, é que o Homo sapiens raciocina de maneira mais rudimentar e que é menos inteligente que qualquer espécie existente, ou que tenha existido, sobre a Terra. (p. 141)
Acredito que o Universo, em sua essência, seja dotado de propriedades fartais de natureza extremamente complexa e que a atividade científica compartilhe das mesmas propriedades. Logo, qualquer porção do Universo que permaneça incógnita e qualquer parte da investigação científica que permaneça sem solução, por menores que sejam em comparação ao já conhecido e solucionado, trazem em si toda a complexidade original. Jamais chegaremos a um fim. Por mais que avancemos, o caminho à frente será tão longo quanto o foi no início. Este é o segredo do Universo. (p. 214)
As idéias são ninharias. O que conta é o que a gente faz com elas. (p. 214)

Referência:
Asimov, I. (1992) [1989] Antologia 2 (1974-1989): os melhores ensaios científicos de Asimov escolhidos pelo autor. 217 páginas. Editora Nova Fronteira (tradução Júlio Fischer).

sábado, 7 de janeiro de 2012

Breves resenhas: Nêmesis, de Philip Roth

Philip Roth (2011) [2010] Nêmesis. 

Um dos favoritos do autor desse blog, Philip Roth, em seu 31º livro, mais uma vez acerta. A história se passa nos anos 1940, em meio a um surto de poliomielite e às terríveis notícias vindas do front aliado durante a Segunda Guerra Mundial.
O personagem central é Eugene "Bucky" Cantor, jovem de 23 anos que não pode se alistar no exército por conta de sua forte miopia, e que ganha a vida como fiscal do pátio em uma escola em Newark, maior cidade do estado norte-americano de Nova Jersey.
Uma obra curta, dura, singular, sem malabarismos formais ou experimentalismos estéreis, como tem sido toda a produção de Roth nas últimas décadas. Se ele não for logo laureado com o prêmio Nobel de literatura (está sempre no topo das listas de apostas, ano após ano), pior para o Nobel...
194 páginas.
Editora Companhia das Letras (tradução Jorio Dauster)

Alguns trechos:
Mas o que talvez não tivesse ocorrido à família Michaels não passou despercebido ao Sr. Cantor. Não que ele próprio houvesse ousado questionar Deus por levar seu avô quando o velho chegou a uma idade em que as pessoas costumam mesmo morrer. Mas por matar Alan de pólio aos doze anos? Pela existência da poliomielite? Como poderia haver perdão - e ainda mais aleluias - diante de uma crueldade tão insana? Ao sr. Cantor pareceria uma afronta menor caso aquelas pessoas unidas pelo luto se declarassem celebrantes do Astro Rei, filhos de uma imutável divindade solar e, no estilo fervoroso das antigas civilizações pagãs de nosso hemisfério, se abandonassem a uma dança ritual em torno da sepultura do menino - melhor isso, seria melhor sacrificar e aplacar os raios não refratados do Grande Pai Sol do que se submeter a um ser supremo capaz de perpetrar os crimes mais atrozes ao Seu bel-prazer.Sim, muito melhor louver o insubstituível gerador que vem sustentando nossa existência desde o começo - muito melhor honrar com nossas preces o encontro diário com aquele olho ubíquo no céu e seu poder imanente de incinerar a Terra - do que engolir a mentira oficial de que Deus é bom e se intimidar diante de um assassino de crianças a sangue-frio. Melhor em termos de nossa dignididade pessoal, de nosso senso de humanidade, do valor que damos a nós próprios, sem falar na dúvida cotidiana sobre que merda é essa que estamos fazendo por aqui. (p. 58)
Será que ele queria dizer que era um enigma teológico? Seria essa sua versão corriqueira da doutrina gnóstica, incluindo um demiurgo malevolente? O divino contrário à nossa presença aqui na Terra? As provas que ele podia extrair de sua experiência, cumpria reconhecer, não eram insignificantes. Só um espírito maligno poderia ter inventado a poliomielite. Só um espírito maligno poderia inventar Horace. Só um espírito maligno poderia inventar a Segunda Guerra Mundial. Somando tudo isso, o espírito maligno é o vencedor, ele é onipotente. A concepção que Bucky fazia de Deus, segundo eu imaginava, era de um ser onipotente cuja natureza e propósito deviam ser deduzidos não a partir de um duvidoso testemunho bíblico, e sim das irrefutáveis provas históricas colhidas durante uma existência passada nesse planeta em meados do século. A concepção que ele fazia de Deus era de um ser onipotnte que representava a união não de três pessoas em uma Divindade, como preconizava o cristianismo, mas de apenas duas: um filho da puta maluco e um gênio do mal. (p. 184)
Não há ninguém menos passível de ser salvo do que um sujeito bom destroçado. (p. 190)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Breves resenhas: Carl Sagan, a life


Keay Davidson (1999) Carl Sagan: a life.

Biografia do cientista e grande divulgador da ciência Carl Sagan. Revela algumas facetas muito pouco conhecidas de Sagan - os problemas nos seus dois primeiros casamentos (com Lynn Margulis e Linda Salzman), as dificuldades em ser aceito na comunidade cientiífica dita "séria" (que via nele apenas a sua persona midiática e milionária), a influência opressora da mãe Rachel, os deslumbramentos oriundos da fama e celebridade - e traz análises pormenorizadas das suas principais realizações científicas e da sua visão sobre a necessidade da popularização do conhecimento científico. Obrigatório para admiradores e detratores.
560 páginas.
Editora Wiley.

O livro pode ser adquirido (em inglês) aqui (novo) ou aqui (usado).

Alguns trechos (em tradução livre):

A busca moderna por inteligência extraterrestre (SETI) [do inglês Search for Extraterrestrial Inteligence] está baseada na premissa de que a inteligência é um atributo biológico convergente - isto é, um atributo gerado vezes seguidas em muitos mundos. Se não for, então não há ninguém inteligente lá fora para se "conversar"! De fato, cientistas anti-SETI acusam defensores do SETI (como Sagan) de (...) aceitar a aleatoriedade e a repetibilidade infrequente de todos os tipos de atributos biológicos, menos um: inteligência. Como se a "grande cadeia do ser" medieval ainda fosse válida, entusiastas do SETI tratam a inteligência como o objetivo final de toda evolução, como o ápice em direção ao qual a vida converge em todos os mundos.
No entanto, na Terra, apenas uma das bilhões de espécies estimadas, Homo sapiens, desenvolveu algo como a inteligência humana. (Chimpanzés brincando com fichas coloridas e contando até nove não valem). E por que (os críticos perguntam) deveria o universo ser diferente? O cosmos pode estar fervilhando com vida e ainda assim ninguém pode se importar ou ser capaz de se "comunicar" conosco, não mais do que nós podemos, ou desejamos, nos "comunicar" com tênias, oricteropos [uma espécie de mamífero africano] ou besouros rola-bosta. (p. 30)
Com Marx, os bolcheviques concordaram que a religião era o "ópio das massas"; ela impedia as pessoas de reconhecer seus verdadeiros opressores, os capitalistas. Assim, cientistas marxistas tinham a responsabilidade de procurar explicações não-supersticiosas para os fenômenos biológicos. Historiadores contestam exatamente quão decisivo foi o Marxismo na disseminação da moderna ciência da origem da vida. No entanto, é surpreendente que, durante a primeira, esperançosa, década do socialismo bolchevique, três propostas históricas sobre a origem da vida tenham vindo de marxistas - Oparin na Rússia, J.B.S. Haldane na Inglaterra e H.J. Muller nos Estados Unidos. (p. 59)
A ciência é como um diagrama de gestalt: onde um cientista vê coelhos, outro vê moças com chapéu. (p. 105) 
Sagan respondeu: "Congressista Roush, eu já tenho dificuldade suficiente tentando determinar se existe vida inteligente na Terra para ter certeza se existe vida em qualquer outro lugar". (p. 229)
No começo dos anos 1970, cientistas universalmente reconheceram Vênus pelo que ele é: um inferno Dantesco. Não há geleiras, nem lagos, nem topos de montanha habitáveis onde estranhas criaturas brincar no ar fresco alpino. O oceano venusiano proposto por Menzel e Whipple é uma fantasia esquecida, um conto cauteloso da infância da era espacial que deveria ser relembrado hoje em dia, quando especulações sobre "mares desaparecidos" em Marte e formas de vida bizarras nas profundidades escuras do oceano de Europa [lua de Júpiter] correm soltas. (p. 245)
Futuros historiadores provavelmente vão considerar a exobiologia como uma das mais importantes ciências do século XX; ainda que estritamente em termos Popperianos ela não seja falseável e, portanto, não científica. Algumas críticos chegam a afirmar que ela é indistinguivel da religião. Cristãos esperam pela Segunda Vinda; cientistas do SETI esperam pela primeira mensagem das estrelas. Eles são irmãos de sangue. (p. 260)
Meios mais sutis são necessários para combater a pseudo-ciência. Não se deve falar para as pessoas como se elas fossem crianças balbuciando sobre o Papai Noel; ao invés disso, elas devem ser educadas, pacientemente e respeitosamente. (p. 274)
A energia de Sagan era especialmente marcante, dado seu total desdém por exercícios físicos regulares. (Esse desdém é apontado por seu amigo próximo, Lester Grinspoon, que lembra de quando Sagan comprou uma esteira e tentou usá-la uma vez mas, perdido em pensamentos, caiu dela. Ele nunca a utilizou novamente). A energia de Sagan vinha do puro entusiasmo intelectual. (p. 367)